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Introdução
O processo de mitificação de Tiradentes, transformando-o de
réu subversivo em mártir da liberdade, foi forjado em camadas de discurso
político, moral e ideológico. A versão consagrada – enforcamento seguido de
esquartejamento – repousa sobre documentos cuja autenticidade, consistência e
integridade têm sido postas em questão. O objetivo deste artigo é analisar
criticamente os registros disponíveis e os silêncios históricos, a fim de
sustentar a tese de que a execução pública de Tiradentes pode ter sido um artifício
de dissuasão política e não um fato histórico comprovado.
A Narrativa Oficial: Fontes e Contradições
Os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira
constituem a principal fonte primária sobre o julgamento e a sentença de
Tiradentes (SANTOS, 1992). No entanto, não há registro visual contemporâneo
da execução, tampouco existe certidão de óbito, algo comum na
burocracia colonial da época, especialmente para execuções públicas.
Além disso, o relatório do alferes português João de Almeida
Melo e Castro, então governador do Rio de Janeiro, é vago quanto aos detalhes
da execução. As informações posteriores que circularam na imprensa e nos livros
do século XIX são fortemente marcadas por interpretações simbólicas e
políticas, e não baseadas em observações diretas (GURGEL, 1995).
Os Silêncios do Arquivo: Onde Está o Corpo?
Não há registros confiáveis do paradeiro dos restos mortais
de Tiradentes. Os documentos informam que partes de seu corpo foram enviadas a
cidades de Minas Gerais para "servirem de exemplo", mas nenhuma
dessas cidades guardou qualquer fragmento, relato ou evidência física do
ocorrido. É curioso que, embora se afirme que sua cabeça foi exposta em Vila
Rica (atual Ouro Preto), não há testemunhos diretos sobre o evento –
apenas relatos muito posteriores e ambíguos (CORRÊA, 2002).
Hipóteses Revisionistas: Exílio, Colaboração ou Morte
Oculta
Autores como José Antônio Corrêa e outros pesquisadores
alternativos propõem que Tiradentes teria sido exilado ou colocado sob
identidade protegida por ter colaborado durante os interrogatórios. De fato, a
devassa revela que ele assumiu sozinho a responsabilidade por diversos pontos
da conspiração, poupando figuras influentes da elite mineira. Essa
atitude pode ter sido parte de um acordo com a Coroa.
Além disso, não há relatos fidedignos de sua execução,
apesar de ela supostamente ter ocorrido na presença de uma multidão. Como
observa Lilia Schwarcz, a iconografia de Tiradentes foi construída a posteriori
com forte inspiração religiosa e cívica, sem base documental concreta
(SCHWARCZ, 1993).
A Construção do Mito Republicano
Com a Proclamação da República, a imagem de Tiradentes foi
apropriada como símbolo máximo do patriotismo. Seu rosto foi reinventado, sua
barba comparada à de Cristo e sua morte transformada em sacrifício. Esse
processo de sacralização apagou as dúvidas históricas e solidificou a versão
oficial, como aponta o historiador Evaldo Cabral de Mello: "a República
precisou de um mártir, e Tiradentes foi moldado para esse papel" (MELLO,
2004).
Considerações Finais
As inconsistências documentais, a ausência de provas físicas
e o uso político da imagem de Tiradentes indicam que há margem sólida para se
duvidar da versão oficial da execução. Este artigo não nega completamente a
possibilidade do enforcamento, mas propõe que a versão dominante foi
cuidadosamente construída — e talvez fabricada — por razões políticas, tanto
pela monarquia portuguesa quanto pela república brasileira.
Referências Bibliográficas
- CORRÊA,
José Antônio. Tiradentes: Verdade e Mistério. Belo Horizonte:
Editora Independente, 2002.
- GURGEL,
Cláudio. A Construção da Imagem de Tiradentes. Revista Brasileira
de História, n. 30, p. 89-104, 1995.
- MELLO,
Evaldo Cabral de. Tiradentes: Uma Biografia. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
- SANTOS,
Antônio dos (org.). Autos da Devassa: Inconfidência Mineira.
Brasília: Senado Federal, 1992.
- SCHWARCZ,
Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos
trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
- VARNHAGEN,
Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. São Paulo:
Melhoramentos, 1940.
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