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| Acervo do Museu do Ipiranga |
Um Barril de Pólvora no Recôncavo
A Independência do Brasil, proclamada em 1822 às margens do
Ipiranga, foi apenas o início de uma batalha sangrenta que demoraria a terminar
no Norte e Nordeste. Enquanto o Sul celebrava, a Bahia permanecia sob o julgo
do General português Inácio Luís Madeira de Melo, que transformou Salvador em
uma fortaleza leal a Lisboa.
O Brasil recém-nascido tinha vontade, mas não tinha um
exército profissional. As milícias locais eram corajosas, porém desorganizadas.
Foi nesse cenário de incerteza que José Bonifácio, o Patriarca da
Independência, jogou uma cartada arriscada: importar a guerra moderna. Ele
contratou Pierre Labatut, um veterano francês calejado nos campos de
batalha da Europa, com uma missão clara e brutal: organizar o caos e expulsar
os portugueses a qualquer custo.
A Sombra de Napoleão nos Trópicos
Pierre Labatut (1776-1849) não era um diplomata; era um
soldado forjado no fogo das campanhas napoleônicas. Ele trouxe para o clima
tropical da Bahia a disciplina rígida e a frieza tática dos exércitos europeus.
Para as milícias brasileiras — acostumadas a comandos informais e guerrilhas
esporádicas —, a chegada de Labatut foi um choque cultural.
Ao assumir o comando do "Exército Pacificador",
Labatut encontrou tropas dispersas, mal alimentadas e mal armadas. Com uma
eficiência implacável, ele profissionalizou o conflito. Sua estratégia não se
baseava apenas em heroísmo, mas em logística e cerco. Ele entendeu que, para
vencer Madeira de Melo, não bastava atacar; era preciso sufocar.
O Cerco de Salvador: A Vitória da Estratégia
A atuação de Labatut foi decisiva. Ele unificou o comando e
impôs um cerco terrestre impenetrável ao redor de Salvador, cortando o fluxo de
alimentos e suprimentos que vinham do Recôncavo.
Combinando essa pressão terrestre com o bloqueio naval
liderado por Lord Cochrane (outro mercenário a serviço do Império), a situação
dos portugueses tornou-se desesperadora. A fome assolou a capital baiana. A
estratégia de desgaste de Labatut funcionou perfeitamente, forçando Madeira de
Melo a abandonar a cidade em 2 de julho de 1823. A data marca a verdadeira
consolidação da independência nacional, mas o arquiteto dessa estratégia não
estaria lá para ver seu triunfo.
O "General Francês" contra as Elites
Brasileiras
Se no campo de batalha Labatut era um gênio, na política era
um desastre. Seu estilo centralizador e arrogante colidiu frontalmente com os
interesses dos poderosos senhores de engenho e coronéis locais. Labatut não
confiava nos oficiais brasileiros e não hesitava em usar de violência extrema —
incluindo execuções sumárias — para manter a ordem.
Mas o ponto de ruptura foi social. Labatut, focado apenas na
vitória militar, começou a recrutar escravizados e libertos para as linhas de
frente, prometendo ascensão e glória. Isso aterrorizou a elite escravocrata
baiana, que temia uma revolução no estilo do Haiti (haitianismo) caso as
classes baixas fossem armadas e empoderadas.
Acusado de tirania e de planejar golpes, Labatut tornou-se
insuportável. Em um episódio dramático antes mesmo da vitória final, as
próprias tropas brasileiras se voltaram contra seu comandante. Labatut foi
deposto, preso e enviado ao Rio de Janeiro sob a acusação de abuso de poder,
encerrando sua campanha na Bahia de forma melancólica.
O Legado de um Mal Necessário
Pierre Labatut permanece como uma das figuras mais
fascinantes e contraditórias da nossa história. Ele foi o "mal
necessário": sem sua expertise militar, a Bahia poderia ter permanecido
portuguesa por muito mais tempo, fragmentando o território nacional. No
entanto, sua incapacidade de compreender a política e a cultura do país que o
contratou selou seu destino.
Sua trajetória expõe as dores do parto do Brasil Império:
uma nação que precisou de mãos estrangeiras para garantir sua soberania, mas
que lutou ferozmente para afirmar sua própria identidade diante delas. Labatut
foi um herói sem estátua no coração da elite de sua época, mas fundamental para
que o Brasil fosse um só.
Referências Bibliográficas
GOMES, Laurentino. 1822. São Paulo: Globo Livros,
2010.
KRAAY, Hendrik. "A política de raça, cor e outras
exclusões durante a Guerra da Independência na Bahia". Estudos
Afro-Asiáticos, 2002.
TAVARES, Luís Henrique Dias. A Independência do Brasil na
Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da Independência
do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.
