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terça-feira, 28 de outubro de 2025

A Criação do Mundo na Mitologia Asteca: A Lenda dos Cinco Sóis

A mitologia asteca, ou mexica, apresenta uma das visões cosmogônicas mais complexas da Mesoamérica. Diferentemente da noção linear de criação, os mexicas concebiam o universo como um ciclo contínuo de nascimento, destruição e renovação — uma eterna luta entre forças complementares. Essa narrativa mítica, registrada em códices e tradições orais, ficou conhecida como Lenda dos Cinco Sóis, um relato em que os deuses criam e reconstroem mundos sucessivos para sustentar o equilíbrio do cosmos.

O Princípio: Ometeotl e a Gênese Divina

No início de tudo, existia apenas o vazio e o deus primordial dual Ometeotl, ser andrógino composto por Ometecuhtli (aspecto masculino) e Omecihuatl (aspecto feminino). Morando no mais alto dos treze céus, Omeyocan, Ometeotl gerou quatro filhos — os Tezcatlipocas, cada um ligado a uma cor e direção cardinal:

  • Xipe Totec (Tezcatlipoca Vermelho) – Leste.
  • Huitzilopochtli (Tezcatlipoca Azul) – Sul.
  • Quetzalcóatl (Tezcatlipoca Branco) – Oeste.
  • Tezcatlipoca (Tezcatlipoca Negro) – Norte, o mais poderoso.

A rivalidade entre Quetzalcóatl e Tezcatlipoca desencadeou as eras cósmicas conhecidas como “Sóis”, cada uma governada por um deus e encerrada em catástrofes que refletiam a luta pela supremacia divina.

As Cinco Eras Cósmicas

Primeiro Sol – Nahui-Ocelotl (Sol de Jaguar):
Governado por Tezcatlipoca. Habitavam-no gigantes, devorados quando Quetzalcóatl derrubou o Sol e provocou a fúria do deus-jaguar.

Segundo Sol – Nahui-Ehécatl (Sol do Vento):
Regido por Quetzalcóatl. Ventos colossais destruíram a humanidade, e os sobreviventes transformaram-se em macacos.

Terceiro Sol – Nahui-Quiahuitl (Sol da Chuva de Fogo):
Sob o comando de Tlaloc. Chamas divinas devastaram a terra e converteram os homens em pássaros.

Quarto Sol – Nahui-Atl (Sol da Água):
Governado por Chalchiuhtlicue. Uma inundação universal extinguiu a humanidade, metamorfoseando-a em peixes.

Quinto Sol – Nahui-Ollin (Sol do Movimento):
Os deuses reuniram-se em Teotihuacan para recriar o mundo. O altivo Tecuciztecatl hesitou diante da fogueira sacrificial, enquanto o humilde Nanahuatzin lançou-se sem temor, tornando-se o Sol. Por vergonha, o primeiro seguiu-o, transformando-se na Lua.
Para que o novo Sol se movesse, os demais deuses sacrificaram-se, oferecendo seu sangue vital. Quetzalcóatl, ao descer ao submundo Mictlan, resgatou ossos antigos e, com seu próprio sangue, gerou a humanidade atual.

O Valor do Sacrifício e a Ordem Cósmica

A cosmogonia dos Cinco Sóis reflete a crença de que a sobrevivência do universo depende do sacrifício divino e humano, um princípio que sustentava os rituais astecas. O mundo é, assim, um delicado equilíbrio de reciprocidade: os deuses doaram seu sangue para mover o Sol, e os homens devem, em troca, alimentar o cosmos com oferendas.

Além do aspecto religioso, essa narrativa traduz uma visão filosófica de interdependência e polaridade, em que criação e destruição são forças complementares — ecos do dualismo inscrito na essência de Ometeotl. O universo, para os mexicas, existe apenas enquanto há movimento (Ollin), o ritmo sagrado que mantém a vida.

Leituras Complementares

Para ampliar sua compreensão sobre a cultura e espiritualidade mesoamericana, leia também:

Referências Bibliográficas

LEÓN-PORTILLA, Miguel. A filosofia nahuatl: estudo da sua fonte. Tradução de L. G. de Carvalho. Lisboa: Edições 70, 1981.

SOUSTELLE, Jacques. A civilização asteca. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.

TAUBE, Karl. Mitos astecas e maias. Tradução de Cássio de Arantes Leite. São Paulo: Net-Trade, 1997.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Huitzilopochtli: O Sol Guerreiro do Panteão Asteca

Huitzilopochtli, cujo nome em náuatle pode ser traduzido como "Beija-flor do Sul" ou "Beija-flor Canhoto", foi uma das divindades mais importantes e complexas da cosmogonia asteca (ou mexica). Como deus patrono dos mexicas, sua figura está intrinsecamente ligada à fundação de sua capital, Tenochtitlan, e à legitimação de seu vasto império. Ele personificava a guerra, o sacrifício, o sol e a própria identidade do povo que dominou grande parte da Mesoamérica antes da chegada dos europeus.

A Origem Mítica: O Nascimento do Sol Guerreiro

O mito de nascimento de Huitzilopochtli é uma das narrativas mais dramáticas da mitologia asteca e simboliza a eterna luta cósmica entre o dia e a noite. Segundo a lenda, sua mãe era a deusa da terra, Coatlicue ("Aquela com a Saia de Serpentes"). Certo dia, enquanto varria um templo na montanha de Coatepec, uma bola de plumas finas caiu do céu. Ela a guardou junto ao peito e, misteriosamente, engravidou.

Seus outros filhos, os Centzon Huitznahua (os "Quatrocentos do Sul", que representavam as estrelas do sul) e sua irmã Coyolxauhqui (deusa da lua), consideraram a gravidez de sua mãe uma grande desonra. Liderados por Coyolxauhqui, eles conspiraram para assassinar Coatlicue. No momento exato em que os irmãos se aproximaram para executar o plano, Huitzilopochtli nasceu do ventre de sua mãe, já como um adulto, completamente armado. Empunhando a Xiuhcoatl ("Serpente de Fogo"), ele matou e desmembrou sua irmã Coyolxauhqui, cuja cabeça foi atirada aos céus para se tornar a lua, e perseguiu seus irmãos, dispersando-os e aniquilando-os.

Este mito fundamental era uma representação do nascer do sol diário. Huitzilopochtli (o sol) nasce a cada amanhecer para derrotar a lua (Coyolxauhqui) e as estrelas (Centzon Huitznahua), garantindo a continuidade da vida e do cosmos.

O Culto e o Sacrifício: A Sede do Deus

A sobrevivência do universo, na visão asteca, dependia diretamente de Huitzilopochtli. Sua batalha diária contra as forças da escuridão o esgotava, e ele precisava de um tipo específico de energia para se reabastecer: chalchihuatl, a "água preciosa", que era o sangue humano. Por essa razão, o sacrifício humano tornou-se o pilar central de seu culto.

Os astecas acreditavam que oferecer corações e sangue de guerreiros capturados em batalha era a mais alta honra e uma necessidade cósmica. Sem esses sacrifícios, o sol não teria forças para nascer no dia seguinte, mergulhando o mundo na escuridão eterna e permitindo que os demônios estelares, os Tzitzimime, descessem para devorar a humanidade. As "Guerras Floridas" (xochiyaoyotl), conflitos rituais travados contra cidades vizinhas como Tlaxcala, tinham como um de seus principais objetivos a captura de prisioneiros para alimentar o deus-sol.

O principal centro de seu culto era o Templo Maior (Huey Teocalli), no coração de Tenochtitlan. Esta pirâmide dupla possuía dois santuários em seu cume: um dedicado a Tlaloc, o deus da chuva e da agricultura, e o outro, pintado de vermelho para simbolizar a guerra e o sangue, dedicado a Huitzilopochtli. Essa dualidade arquitetônica refletia os dois pilares da economia e poderio asteca: a agricultura e a guerra de conquista.

Símbolo da Identidade e Expansão Mexica

Além de sua função cósmica, Huitzilopochtli desempenhou um papel crucial na história e política do povo mexica. Ele era o deus tribal que, segundo as crônicas, os guiou durante sua longa migração da mítica terra de Aztlan até o Vale do México. Foi Huitzilopochtli quem lhes deu a profecia de que deveriam fundar sua cidade no local onde encontrassem uma águia pousada sobre um cacto nopal, devorando uma serpente. A visão deste sinal em uma ilha no Lago Texcoco levou à fundação de Tenochtitlan por volta de 1325 d.C.

Como patrono dos mexicas, sua importância cresceu em paralelo com a expansão do Império Asteca. Ele se tornou o símbolo da supremacia militar e da ideologia imperialista. As conquistas militares eram vistas como uma missão sagrada para coletar tributos e cativos para seu deus. Impor a adoração a Huitzilopochtli sobre os povos subjugados era uma forma de consolidação política e cultural, reforçando a dominação de Tenochtitlan sobre seus vizinhos.

Conclusão

Huitzilopochtli era muito mais do que um simples deus da guerra. Ele era o sol que garantia a existência, o guia divino que deu um destino ao seu povo, e o motor ideológico por trás da expansão de um dos maiores impérios da América pré-colombiana. Sua exigência por sangue humano, embora brutal aos olhos modernos, era, para os astecas, um ato de reciprocidade cósmica, essencial para a manutenção da ordem do universo. Com a conquista espanhola e a destruição do Templo Maior, o culto ao "Beija-flor do Sul" foi violentamente suprimido, mas sua figura permanece como um poderoso testemunho da complexa e fascinante visão de mundo do povo mexica.

 

Referências Bibliográficas

LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Filosofia Náuatle: estudada em suas fontes. Tradução de Felipe D'Andrea. São Paulo: UNAM, 2009.

MATOS MOCTEZUMA, Eduardo. The Templo Mayor: A study of the sacred precinct of the Aztecs. London: Thames and Hudson, 1988.

SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca. Tradução de Maria J. V. de Figueiredo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.

TOWNSEND, Richard F. The Aztecs. 3. ed. London: Thames & Hudson, 2009.

VAILLANT, George C. A Civilização Asteca. Tradução de Joaniso-Pinto. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964.