A Origem e a Criação do Mundo
Nos mitos heliopolitanos, Rá surgiu do oceano primordial do
caos, conhecido como Nun, como um ser autogerado. Ao despertar, criou o
mundo por meio do poder da palavra. De sua saliva nasceram Shu (o ar) e Tefnut
(a umidade). Da união desses dois surgiram Geb (a terra) e Nut (o
céu), que geraram os deuses Osíris, Ísis, Set e Néftis,
completando a Enéade de Heliópolis — o grupo das nove divindades
primordiais.
Assim, Rá tornou-se o ancestral de todos os deuses e da
própria humanidade, que, segundo algumas tradições, nasceu de suas
lágrimas.
A Jornada Diária do Sol
A cada amanhecer, Rá renascia no leste como Khepri, o
deus escaravelho, símbolo do renascimento. Cruzava o céu em sua barca solar, Mandjet,
iluminando o mundo. Ao meio-dia, atingia o auge de seu poder.
Ao entardecer, Rá embarcava em sua segunda barca, Mesektet,
e atravessava o Duat — o submundo. Durante as doze horas da noite,
enfrentava as forças do caos, especialmente a serpente Apep, que tentava
engolir o Sol e mergulhar o universo na escuridão eterna. A vitória diária de
Rá, auxiliado por deuses como Set, simbolizava o triunfo da ordem
(Ma’at) sobre o caos.
Simbolismo e Iconografia
Rá é retratado como um homem com cabeça de falcão,
coroado com o disco solar e a Uraeus, a serpente sagrada. O
falcão representa o céu e a realeza; o disco solar, sua própria essência; e a
serpente, o poder divino que protege o faraó e o mundo.
Outros símbolos associados incluem o obelisco, cuja
ponta dourada capturava os primeiros e últimos raios do Sol, e o Olho de Rá,
uma força feminina destrutiva e protetora, manifestada em deusas como Sekhmet,
Hathor e Bastet.
Sincretismo e Evolução de Rá
Com o passar dos séculos, Rá foi se fundindo com outras
divindades — um processo chamado sincretismo. A união mais famosa foi
com Amun, formando Amun-Rá, o deus supremo durante o Novo
Império Egípcio. Essa fusão uniu o aspecto visível e criador de Rá com a
natureza invisível e misteriosa de Amun.
Também surgiram combinações como Atum-Rá (o sol
poente) e Rá-Horakhty (“Rá, Hórus dos Dois Horizontes”), reforçando sua
ligação com a realeza e o poder solar.
Conclusão
Mais do que um deus solar, Rá representava o princípio da
criação e da continuidade. Sua travessia diária pelo céu e pelo submundo
simbolizava o ciclo eterno da vida, morte e renascimento. Como
mantenedor da Ma’at, a ordem cósmica, Rá permaneceu o centro da
espiritualidade egípcia por milênios, lembrando a humanidade de que a
luz sempre triunfa sobre as trevas.
Leitura Complementare:
Referências Bibliográficas
HORNUNG, Erik. Conceptions of God in Ancient Egypt: The
One and the Many. Ithaca: Cornell University Press, 1982.
QUIRKE, Stephen. Ancient Egyptian Religion. London: British Museum
Press, 1992.
WILKINSON, Richard H. The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt.
London: Thames & Hudson, 2003.
FAULKNER, Raymond O. (trad.). The Ancient Egyptian Book of the Dead. 2.
ed. Austin: University of Texas Press, 2015.

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