Mas foi a persistência de pioneiros visionários e a
evolução de tecnologias aparentemente rudimentares que transformaram essa
curiosidade técnica no coração da vida moderna — e num símbolo do século XX.
Para compreender esse processo, é preciso revisitar o
caminho que levou da televisão mecânica à televisão eletrônica,
marco que redefiniu a forma como o mundo se conecta e se informa.
O Coração Mecânico: O Televisor de Baird e o Disco de
Nipkow
Antes da televisão eletrônica que conhecemos, existiu a televisão
eletromecânica, responsável por provar que a transmissão de imagens à
distância era possível.
O elemento central desse sistema era o disco de
Nipkow, inventado em 1883 pelo estudante alemão Paul Nipkow. O
dispositivo giratório, perfurado com pequenos orifícios, funcionava como um scanner
mecânico, decompondo a imagem em pontos luminosos que podiam ser
transmitidos e recompostos num receptor rudimentar.
Como explica o historiador Albert Abramson em The
History of Television, 1880 to 1941 (1987), o disco de Nipkow foi o embrião
da ideia de televisão: um processo óptico-mecânico que transformava luz em
sinal elétrico.
Décadas depois, essa concepção seria retomada e aperfeiçoada por inventores
como o escocês John Logie Baird, no Reino Unido, e Charles Jenkins,
nos Estados Unidos — nomes que transformaram teoria em demonstração prática.
Mesmo com imagens de baixíssima resolução (entre 30 e 240
linhas, nos aparelhos de Baird), a televisão mecânica inaugurou marcos
importantes da história da mídia, transmitindo dramas, eventos esportivos,
entrevistas e até as primeiras experiências em cores.
Os Primeiros Dramas e Suas Limitações Técnicas
As primeiras experiências de teledramaturgia revelaram tanto
o potencial da nova mídia quanto seus desafios.
- Nos
Estados Unidos (1928): a peça The Queen’s Messenger foi uma das
primeiras produções transmitidas por televisão experimental. Usou três
câmeras, mas o tamanho diminuto da tela e a baixa definição permitiam ao
público ver apenas o rosto ou as mãos dos atores por vez.
- No
Reino Unido (1930): a BBC transmitiu O Homem com a Flor na Boca,
de Luigi Pirandello, em sistema Baird. Som e imagem eram transmitidos
separadamente e sincronizados no aparelho do espectador.
A recepção do público e da crítica foi morna. O New York
Herald Tribune observou que “a era dos filmes radiofônicos continua muito
distante”.
Mal sabiam eles que uma revolução silenciosa já estava em curso.
A Corrida pela Televisão Eletrônica: Farnsworth e
Zworykin
Enquanto Baird e Jenkins exploravam sistemas mecânicos, uma
disputa paralela ganhava força: quem criaria a televisão totalmente
eletrônica?
Os protagonistas dessa corrida foram dois engenheiros
norte-americanos:
- Philo
Farnsworth, que em 1927 apresentou o primeiro sistema funcional de
transmissão eletrônica de imagens com seu “dissector de imagem”;
- Vladimir
Zworykin, da Westinghouse e depois da RCA, que desenvolveu o iconoscópio,
uma válvula capaz de converter imagens em sinais elétricos.
A disputa entre ambos resultou em uma longa batalha de
patentes. Em 1939, Farnsworth obteve o reconhecimento legal de prioridade.
Entretanto, como destaca o crítico e historiador David Thomson em Television:
A Biography (2016), o salto decisivo ocorreu quando as tecnologias de
ambos foram integradas a novas soluções de sincronização e amplificação —
criando o modelo de televisão eletrônica que dominaria o mercado a partir da
década de 1940.
O Legado dos Pioneiros
A história da televisão é uma história de evolução
contínua, em que fracassos técnicos se tornaram degraus para o sucesso.
Os sistemas mecânicos, apesar de obsoletos, plantaram a semente da cultura
audiovisual e capturaram a imaginação pública.
Graças a inventores como Baird, Jenkins, Farnsworth e
Zworykin, a televisão saiu dos laboratórios e chegou às salas de estar,
redefinindo o modo como as pessoas se informam, se entretêm e compreendem o
mundo.
Como observa Eric Chaline, em 50 Máquinas que
Mudaram o Rumo da História (2014), poucas invenções influenciaram tanto o
comportamento humano quanto a televisão — “um espelho coletivo” que moldou
valores, políticas e culturas em escala global.
Conclusão
De curiosidade científica a instrumento de coesão social
e política, a televisão se consolidou como um dos maiores símbolos do
século XX.
Sua evolução — do disco de Nipkow ao tubo de raios catódicos — reflete não
apenas o avanço da tecnologia, mas também a capacidade humana de transformar
ideias simples em fenômenos culturais universais.
Para compreender outros marcos transformadores da história,
leia também:
O
Rádio de Marconi: Ciência, empreendedorismo e mundo sem fios
Referências Bibliográficas
ABRAMSON, Albert. The History of Television, 1880 to 1941.
Jefferson, NC: McFarland & Company, 1987.
CHALINE, Eric. 50 Máquinas que Mudaram o Rumo da História. Tradução de
Fabiano Moraes. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
THOMSON, David. Television: A Biography. London: Thames & Hudson,
2016.

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