Radio Evangélica

domingo, 13 de julho de 2025

O Rádio de Marconi: Ciência, empreendedorismo e mundo sem fios

Assim como ocorreu com o telefone de Bell e a lâmpada de Edison, a história do rádio é um intricado enredo de descobertas sobrepostas, disputas por patentes e narrativas moldadas por interesses econômicos e nacionais. Embora a maioria dos historiadores hoje reconheça Guglielmo Marconi (1874-1937) não como o verdadeiro inventor do rádio, mas como seu principal divulgador e comercializador, seu papel foi fundamental para consolidar a comunicação sem fios como um fenômeno global.

A teoria que tornou o rádio possível remonta às equações do físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879), que em 1873 demonstrou matematicamente a existência das ondas eletromagnéticas. Essa teoria foi experimentalmente comprovada por Heinrich Hertz (1857-1894) na década de 1880, ao gerar e detectar ondas de rádio — chamadas por isso de “ondas hertzianas”. Curiosamente, Hertz não viu utilidade prática em sua descoberta, chegando a dizer: “Não creio que as ondas que se propagam sem fios descobertas por mim venham a ter alguma utilidade prática” (KLOOSTER, 2009).

Mas inventores como Nikola Tesla (1856-1943) discordavam. Tesla demonstrou sistemas de transmissão e recepção sem fios já em 1893 nos EUA, antecipando o uso prático das ondas de rádio. De fato, em 1943, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu Tesla como o verdadeiro inventor do rádio ao invalidar uma patente de Marconi (U.S. Supreme Court, 1943, Marconi Wireless Telegraph Co. v. United States). Na mesma época, o russo Aleksandr Popov (1859-1906) e o indiano Jagadish Chandra Bose (1858-1937) também apresentaram avanços essenciais, como o uso do coesor para detectar sinais.

O coesor, um tubo de limalha metálica que mudava sua resistência elétrica ao receber ondas eletromagnéticas, foi inventado pelo físico francês Édouard Branly (1844-1940) em 1890, servindo como base para os primeiros detectores de rádio. Em 1894, Popov adaptou o coesor, conectando-o a um alarme, criando um prático detector de tempestades atmosféricas que acabou sendo um dos primeiros rádios receptores.

O empreendedorismo de Marconi

O diferencial de Marconi foi justamente perceber o potencial comercial do “telégrafo sem fio”. Ele iniciou seus experimentos em 1894, transmitindo sinais a partir do jardim de sua casa em Bolonha. Quando o governo italiano não demonstrou interesse, mudou-se para a Inglaterra, onde em 1896 conseguiu transmitir sinais a 12,9 km de distância. Em 1897, fundou a Wireless Telegraph & Signal Company (futura Marconi Company) e patenteou seu sistema.

Marconi foi também um gênio do marketing. Em 1898, conseguiu repercussão mundial ao instalar um transmissor no iate real do príncipe de Gales, que estava enfermo, estabelecendo comunicação com a rainha Vitória na Osborne House. Essa habilidade para publicidade foi crucial para tornar o rádio um sucesso, como observa J. Klooster: “Marconi tinha as características de um empreendedor, jeito para atrair publicidade e parecia saber comercializar a nova tecnologia sem fios” (Icons of Invention, 2009).

O rádio no Titanic: tragédia e lições

A tragédia do RMS Titanic, em 1912, também revela o papel ambivalente do rádio. O navio, orgulhosamente equipado com dois transmissores Marconi, deveria receber alertas sobre icebergs. Durante a travessia, seus operadores — funcionários da Marconi Company — priorizaram mensagens pagas de passageiros de primeira classe, relegando a segundo plano os repetidos avisos de gelo. Na noite do desastre, o Californian, navio mais próximo, não atendeu aos chamados de socorro, pois seu operador estava dormindo e o transmissor desligado. A história ilustra como a tecnologia, sem protocolos claros e coordenação internacional, pouco podia fazer para evitar desastres (CHALINE, 2014).

Da telegrafia Morse à radiodifusão

Os primeiros rádios de Marconi eram basicamente transmissores de centelha para código Morse. Voz e música só viriam bem depois: as primeiras transmissões experimentais de voz datam de 1906, com Reginald Fessenden, e as transmissões regulares de programas radiofônicos começaram apenas na década de 1920. Antes disso, o rádio era quase exclusivamente um instrumento para navios e empresas de telégrafo.

O impacto foi imenso: em poucas décadas, o rádio transformou comunicações, guerras e entretenimento. Do ponto de vista técnico, o desenvolvimento dos circuitos sintonizados por Oliver Lodge e dos detectores por Braun, Fleming e De Forest ampliou o alcance e a nitidez dos sinais. A partir daí, o rádio deixou de ser apenas telegrafia sem fio e tornou-se voz, música e informação — moldando o século XX.

Referências adicionais

  • KLOOSTER, J. Icons of Invention: The Makers of the Modern World from Gutenberg to Gates. ABC-CLIO, 2009.
  • CHALINE, E. 50 máquinas que mudaram o rumo da história. Tradução de Fabiano Moraes. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
  • U.S. Supreme Court, 320 U.S. 1 (1943), Marconi Wireless Telegraph Co. v. United States.
  • HONG, Sungook. Wireless: From Marconi’s Black-box to the Audion. MIT Press, 2001.
  • BROOKS, John. Telephone: The First Hundred Years. Harper & Row, 1976.
  • DYSON, George. Project Orion: The True Story of the Atomic Spaceship. Penguin, 2003 (para comparações sobre a inovação técnica e empreendedorismo científico).

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