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domingo, 6 de julho de 2025

Cinematógrafo dos Irmãos Lumière: A Máquina que Inventou o Cinema

Wikipedia
Como uma engenhosa invenção francesa uniu técnica e espetáculo para inaugurar a era das imagens em movimento compartilhadas — e transformar definitivamente a cultura visual.

O século da imagem: invenções, indústrias e ilusões

A Segunda Revolução Industrial (c. 1870–1914) trouxe consigo inovações técnicas que ampliaram a capacidade humana de produzir, comunicar e registrar o mundo. Nesse contexto, a fotografia já havia sido desenvolvida na década de 1830, mas o desafio de criar imagens em movimento — que pudessem ser registradas, reproduzidas e exibidas — ainda estava em aberto.

A experiência da imagem em movimento era, até então, fragmentada em dispositivos como:

  • O fenacistoscópio e o zootrópio, que usavam discos ou tambores giratórios para simular movimento com desenhos sequenciais;
  • O zoopraxiscópio de Eadweard Muybridge, que projetava fotografias de animais em ação;
  • O cinetoscópio, criado por Thomas Edison e W. K. L. Dickson, que permitia ao espectador ver um filme através de uma lente individual — mas não projetava imagens coletivamente.

Esses avanços prepararam o terreno para a inovação mais significativa: o cinematógrafo dos irmãos Lumière, que, além de filmar, podia projetar as imagens em uma tela para uma plateia.

 

Uma invenção “três em um”: câmera, processador e projetor

O cinematógrafo Lumière, patenteado em 13 de fevereiro de 1895, era um mecanismo compacto e leve (pesando cerca de 5 kg) que funcionava com manivela e película perfurada de 35 mm, um padrão herdado do cinetoscópio de Edison. O operador podia:

  • Filmar: girando a manivela a cerca de 16 quadros por segundo;
  • Revelar: copiando o negativo manualmente com luz;
  • Projetar: exibindo os filmes em uma tela com ajuda de uma lanterna de projeção.

O dispositivo era mais barato e eficiente que os concorrentes da época, como o bioscópio dos irmãos Skladanowsky (Alemanha), e não dependia de eletricidade, o que facilitava sua difusão global.

Segundo Erich Chaline (2014), “o cinematógrafo foi a única máquina da história que combinou todas as etapas do cinema num único aparelho até a chegada dos projetores digitais Pico, em 2003”.

A estreia: Paris, 28 de dezembro de 1895

A primeira exibição pública e paga do cinematógrafo ocorreu no Salon Indien do Grand Café, no boulevard des Capucines, em Paris. O ingresso custava 1 franco. Foram exibidos dez filmes curtos, de aproximadamente 45 segundos cada, incluindo:

  • La Sortie de l'Usine Lumière à Lyon (A saída dos operários da fábrica Lumière)
  • Le Déjeuner de bébé (O almoço do bebê)
  • L’Arroseur arrosé (O jardineiro molhado) — considerado o primeiro filme cômico da história.

O sucesso foi instantâneo. Em poucos meses, os Lumière enviaram operadores e equipamentos para diversos países: Índia, Japão, Rússia, Canadá, EUA, Egito, Brasil e Argentina. A primeira exibição no Brasil ocorreu em 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, no salão do Imperial Cine-Teatro, por iniciativa de Paschoal Segreto.

Linguagem visual: a estética dos Lumière

Os filmes Lumière definiram os princípios da estética cinematográfica primitiva:

  • Câmera estática, com enquadramento fixo e plano único;
  • Ação dentro do campo visual, sem cortes ou movimentos de câmera;
  • Assuntos cotidianos e espontâneos: fábricas, crianças, cenas de rua, humor físico.

Esses filmes foram os primeiros a propor o cinema como espelho da realidade, criando o que o teórico André Bazin mais tarde chamaria de “realismo ontológico” da imagem fílmica.

A linguagem ainda era rudimentar, mas já se delineava a base do documentário, da comédia física e até mesmo da ficção — elementos que seriam desenvolvidos por diretores como Georges Méliès (com suas fantasias teatrais) e D. W. Griffith (com narrativas épicas e montagem complexa).

Um sucesso abandonado (e a volta à fotografia)

Apesar do êxito, os próprios Lumière consideravam o cinema “uma invenção sem futuro”. Em 1903, deixaram de produzir filmes e voltaram-se para a pesquisa fotográfica, criando o autocromo, o primeiro processo comercial viável de fotografia colorida. Seu legado, contudo, já estava consolidado: o cinema havia sido inventado.

  Legado e importância do cinematógrafo

O cinematógrafo:

  • Democratizou a experiência visual — do privado ao público;
  • Definiu padrões técnicos (película de 35 mm, avanço intermitente);
  • Estabeleceu um modelo de negócio para distribuição e exibição;
  • Influenciou todas as mídias visuais posteriores, da TV ao YouTube.

Para muitos historiadores, o cinematógrafo marca o nascimento da sétima arte. Através dele, o cinema deixou de ser apenas uma curiosidade científica e passou a ser uma forma de arte e comunicação de massa.

Referências Bibliográficas

  • Chaline, Erich. 50 Máquinas que Mudaram o Rumo da História. Trad. Fabiano Moraes. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
  • DunaPress. “O Cinematógrafo dos Irmãos Lumière.” Disponível em: https://dunapress.org
  • Sadoul, Georges. História Geral do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1976.
  • Bazin, André. O Que É o Cinema? São Paulo: Nova Fronteira, 1981.
  • Gunning, Tom. “The Cinema of Attractions.” Wide Angle, 1990.
  • Abel, Richard. The Cine Goes to Town: French Cinema 1896–1914. University of California Press, 2005.
  • Musser, Charles. The Emergence of Cinema: The American Screen to 1907. University of California Press, 1990.

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