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O século da imagem: invenções, indústrias e ilusões
A Segunda Revolução Industrial (c. 1870–1914) trouxe
consigo inovações técnicas que ampliaram a capacidade humana de produzir,
comunicar e registrar o mundo. Nesse contexto, a fotografia já havia
sido desenvolvida na década de 1830, mas o desafio de criar imagens em
movimento — que pudessem ser registradas, reproduzidas e exibidas — ainda
estava em aberto.
A experiência da imagem em movimento era, até então,
fragmentada em dispositivos como:
- O fenacistoscópio
e o zootrópio, que usavam discos ou tambores giratórios para
simular movimento com desenhos sequenciais;
- O zoopraxiscópio
de Eadweard Muybridge, que projetava fotografias de animais em
ação;
- O cinetoscópio,
criado por Thomas Edison e W. K. L. Dickson, que permitia ao
espectador ver um filme através de uma lente individual — mas não
projetava imagens coletivamente.
Esses avanços prepararam o terreno para a inovação mais
significativa: o cinematógrafo dos irmãos Lumière, que, além de filmar,
podia projetar as imagens em uma tela para uma plateia.
Uma invenção “três em um”: câmera, processador e projetor
O cinematógrafo Lumière, patenteado em 13 de
fevereiro de 1895, era um mecanismo compacto e leve (pesando cerca de 5 kg) que
funcionava com manivela e película perfurada de 35 mm, um padrão herdado
do cinetoscópio de Edison. O operador podia:
- Filmar:
girando a manivela a cerca de 16 quadros por segundo;
- Revelar:
copiando o negativo manualmente com luz;
- Projetar:
exibindo os filmes em uma tela com ajuda de uma lanterna de projeção.
O dispositivo era mais barato e eficiente que os
concorrentes da época, como o bioscópio dos irmãos Skladanowsky (Alemanha), e
não dependia de eletricidade, o que facilitava sua difusão global.
Segundo Erich Chaline (2014), “o cinematógrafo foi a
única máquina da história que combinou todas as etapas do cinema num único
aparelho até a chegada dos projetores digitais Pico, em 2003”.
A estreia: Paris, 28 de dezembro de 1895
A primeira exibição pública e paga do cinematógrafo ocorreu
no Salon Indien do Grand Café, no boulevard des Capucines, em Paris. O
ingresso custava 1 franco. Foram exibidos dez filmes curtos, de
aproximadamente 45 segundos cada, incluindo:
- La
Sortie de l'Usine Lumière à Lyon (A saída dos operários da fábrica
Lumière)
- Le
Déjeuner de bébé (O almoço do bebê)
- L’Arroseur
arrosé (O jardineiro molhado) — considerado o primeiro filme cômico da
história.
O sucesso foi instantâneo. Em poucos meses, os Lumière
enviaram operadores e equipamentos para diversos países: Índia, Japão,
Rússia, Canadá, EUA, Egito, Brasil e Argentina. A primeira exibição no
Brasil ocorreu em 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, no salão do Imperial
Cine-Teatro, por iniciativa de Paschoal Segreto.
Linguagem visual: a estética dos Lumière
Os filmes Lumière definiram os princípios da estética
cinematográfica primitiva:
- Câmera
estática, com enquadramento fixo e plano único;
- Ação
dentro do campo visual, sem cortes ou movimentos de câmera;
- Assuntos
cotidianos e espontâneos: fábricas, crianças, cenas de rua, humor
físico.
Esses filmes foram os primeiros a propor o cinema como
espelho da realidade, criando o que o teórico André Bazin mais tarde
chamaria de “realismo ontológico” da imagem fílmica.
A linguagem ainda era rudimentar, mas já se delineava a base
do documentário, da comédia física e até mesmo da ficção — elementos que seriam
desenvolvidos por diretores como Georges Méliès (com suas fantasias
teatrais) e D. W. Griffith (com narrativas épicas e montagem complexa).
Um sucesso abandonado (e a volta à fotografia)
Apesar do êxito, os próprios Lumière consideravam o cinema
“uma invenção sem futuro”. Em 1903, deixaram de produzir filmes e voltaram-se
para a pesquisa fotográfica, criando o autocromo, o primeiro processo
comercial viável de fotografia colorida. Seu legado, contudo, já estava
consolidado: o cinema havia sido inventado.
O cinematógrafo:
- Democratizou
a experiência visual — do privado ao público;
- Definiu
padrões técnicos (película de 35 mm, avanço intermitente);
- Estabeleceu
um modelo de negócio para distribuição e exibição;
- Influenciou
todas as mídias visuais posteriores, da TV ao YouTube.
Para muitos historiadores, o cinematógrafo marca o nascimento
da sétima arte. Através dele, o cinema deixou de ser apenas uma curiosidade
científica e passou a ser uma forma de arte e comunicação de massa.
Referências Bibliográficas
- Chaline,
Erich. 50 Máquinas que Mudaram o Rumo da História. Trad. Fabiano
Moraes. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
- DunaPress.
“O Cinematógrafo dos Irmãos Lumière.” Disponível em: https://dunapress.org
- Sadoul,
Georges. História Geral do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1976.
- Bazin,
André. O Que É o Cinema? São Paulo: Nova Fronteira, 1981.
- Gunning,
Tom. “The Cinema of Attractions.” Wide Angle, 1990.
- Abel,
Richard. The Cine Goes to Town: French Cinema 1896–1914. University
of California Press, 2005.
- Musser,
Charles. The Emergence of Cinema: The American Screen to 1907.
University of California Press, 1990.
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