Introdução
A invenção da máquina de escrever representa um divisor de
águas na história da comunicação e da produtividade, marcando o advento da
"era do teclado" que culminaria com o processamento de texto e os
computadores pessoais. Antes de sua popularização, a escrita era um processo
manual, árduo e lento, limitado a uma produção de 20 a 30 palavras por minuto.
Este ritmo contrastava drasticamente com a crescente aceleração da indústria,
das comunicações e do transporte durante a Revolução Industrial, evidenciando uma
lacuna tecnológica na condução de atividades comerciais, financeiras e
governamentais (Chaline, 2014).
Neste cenário de demanda por maior eficiência, a máquina de
escrever emergiu como uma solução vital. Embora diversos protótipos e modelos
rudimentares tenham precedido a versão que se tornaria ubíqua, foi a Underwood
Nº 1, lançada em 1897, que incorporou e padronizou características essenciais
que definiriam as máquinas manuais por décadas. Este artigo propõe-se a
investigar o percurso evolutivo da máquina de escrever, detalhando as inovações
trazidas pela Underwood Nº 1 e analisando seu impacto multifacetado no
desenvolvimento tecnológico, na organização do trabalho e, particularmente, na
reconfiguração dos papéis sociais, com ênfase na inserção feminina no mercado
de trabalho.
A Evolução Precursora e os Desafios Iniciais da Máquina
de Escrever
A busca por um método de escrita mais eficiente remonta a
inícios do século XIX. O "tipógrafo", de 1829, é frequentemente
citado como um dos primeiros dispositivos norte-americanos, embora sua operação
por disco se mostrasse ainda mais lenta que a escrita manual. Em meados do
século, surgiram outras tentativas notáveis, como o "cembalo
scrivano", desenvolvido na Itália em 1855, que, apesar de sua
engenhosidade, não alcançou comercialização. A primeira máquina a ser
efetivamente vendida foi a "bola de escrever" (também conhecida como
"Writing Ball"), idealizada pelo pastor dinamarquês Rasmus
Malling-Hansen em 1870. Seu design inovador, com uma esfera metálica cravejada
de teclas, representou um avanço, mas não se comparava à praticidade que viria
a seguir (Chaline, 2014; EBC, 2015).
O verdadeiro marco inicial para a máquina de escrever
moderna foi o desenvolvimento por Christopher Sholes e Carlos Glidden em 1868,
cuja produção iniciou em 1873 pela E. Remington and Sons, futura gigante do
setor. Este modelo apresentava o teclado-padrão QWERTY, uma configuração que se
tornaria universal. Contudo, suas limitações eram notáveis: a ausência de uma
tecla para maiúsculas (obrigando a escrita apenas em caixa-baixa) e,
principalmente, o mecanismo de barras de tipos que batiam por baixo do cilindro,
impedindo o datilógrafo de visualizar o texto à medida que era digitado — a
chamada "escrita cega" (Chaline, 2014; Dunapress, s.d.). A
necessidade de uma máquina que permitisse a visualização imediata do que estava
sendo digitado tornou-se premente para a otimização da produtividade.
A Revolução da Escrita Visível: Franz Wagner e o Sucesso
da Underwood Nº 1
A questão da escrita visível foi resolvida por Franz Wagner
(1837-1907), um engenheiro mecânico alemão que emigrou para os EUA. Embora não
tenha sido o primeiro a conceber tal ideia, seu "dispositivo de recuo das
barras de tipos", patenteado em 1890, provou ser o mecanismo mais eficaz
para permitir que o datilógrafo visse seu próprio trabalho. O modelo de Wagner
revolucionou o design ao posicionar as barras de tipo para baterem na frente do
cilindro, e não embaixo dele, resultando em uma área de digitação desobstruída
(Chaline, 2014).
Apesar da genialidade de sua invenção, Wagner carecia de
tino comercial. Em 1895, ele buscou o patrocínio de John T. Underwood
(1857-1937), presidente de uma empresa que fabricava suprimentos para máquinas
de escrever. Underwood, já um concorrente da Remington, que havia começado a
produzir suas próprias fitas, percebeu imediatamente o potencial do design de
Wagner. Assim, em 1897, a Underwood Nº 1 entrou em produção, transformando o
mercado. As primeiras máquinas ainda exibiam discretamente o nome "Wagner Typewriter
Co." na parte traseira, mas a partir de 1901, após Wagner ser forçado a
vender seus direitos de patente, toda referência a ele foi eliminada, e a marca
"Underwood" assumiu total destaque (Chaline, 2014).
A Underwood Nº 1 não apenas oferecia escrita visível, mas
aprimorou o design com um arranjo semicircular das barras de tipo para evitar
travamentos, uma única tecla de maiúsculas para alternar entre modos, e um
teclado QWERTY com um toque notavelmente mais leve que o das concorrentes.
Introduziu também um tabulador embutido, facilitando a criação de colunas
(Chaline, 2014). Como afirmam Dewdney e Ride (2006), "A Underwood nº 1
[...] é considerada a primeira máquina de escrever moderna porque, ao contrário
de modelos anteriores, permitia ver com clareza o texto no momento em que ele
era datilografado."
O Impacto Comercial e a Padronização Global
A superioridade tecnológica e a experiência de uso
aprimorada conferidas pela Underwood Nº 1 asseguraram sua rápida ascensão ao
domínio do mercado. Em menos de um quarto de século, por volta de 1920, todos
os modelos de máquinas de escrever concorrentes que não adotaram o design de
escrita frontal visível da Underwood desapareceram. Fabricantes em todo o mundo
passaram a imitar suas características, consolidando o design da Underwood como
o padrão global para máquinas de escrever manuais (Chaline, 2014; Dunapress,
s.d.).
A Underwood, por sua vez, investiu em marketing grandioso
para consolidar sua liderança. Um exemplo notável foi a criação de uma máquina
de escrever de 14 toneladas para a Exposição Panamá-Pacífico em São Francisco,
em 1915. Essa réplica gigante e totalmente funcional da Underwood Nº 5 (a
máquina manual mais vendida) simbolizava a robustez e o triunfo da marca, capaz
de escrever em folhas de papel de 2,7 x 3,8 metros, demonstrando o poder e a
presença da empresa no cenário tecnológico da época (Chaline, 2014).
Transformação Social: A Máquina de Escrever e a
Emancipação Feminina
Além de sua contribuição tecnológica e comercial, a máquina
de escrever desempenhou um papel social profundamente significativo, comparável
ao impacto da bicicleta de segurança na emancipação feminina. Até meados da
década de 1870, o ambiente de escritório era predominantemente masculino. As
mulheres, em sua maioria, estavam restritas ao lar ou a trabalhos em setores
como o comércio e as fábricas. A máquina de escrever, ao atender à crescente
demanda por rapidez e eficiência na documentação, criou uma nova categoria de
empregos: secretariado, estenografia e datilografia (Chaline, 2014).
Essas novas funções foram, em sua maioria, preenchidas por
mulheres, em parte devido à sua disposição em aceitar salários
significativamente inferiores aos pagos aos homens. Essa confluência de fatores
levou a uma rápida e drástica mudança demográfica no ambiente de trabalho. Já
em 1900, três quartos dos funcionários de escritório nos Estados Unidos eram do
sexo feminino (Chaline, 2014). A máquina de escrever, portanto, não apenas
revolucionou a produtividade, mas também atuou como um catalisador fundamental
para a inserção das mulheres no mercado de trabalho empresarial,
conferindo-lhes novas oportunidades e um grau de independência econômica antes
inimaginável.
Conclusão
A máquina de escrever, e de forma emblemática a Underwood Nº
1, transcende a mera invenção mecânica para se consolidar como um pilar da
modernidade e um precursor da era digital. Sua capacidade de transformar a
"escrita cega" em "escrita visível" foi um avanço
ergonômico e de produtividade sem precedentes, estabelecendo um padrão que
persiste no design dos teclados atuais. Sua dominância comercial e a
padronização de suas características atestam seu design superior e sua
relevância histórica (Dunapress, s.d.).
Mais do que uma ferramenta de trabalho, a máquina de
escrever foi um catalisador social, remodelando o ambiente corporativo e
abrindo as portas do mercado de trabalho para as mulheres em larga escala,
marcando uma etapa crucial na sua emancipação econômica. A Underwood Nº 1, com
sua leveza de toque e funcionalidades inovadoras, não é apenas uma antiguidade
pitoresca; é um testemunho da capacidade humana de inovar para atender às
necessidades de uma sociedade em constante evolução, legando princípios de design
e funcionalidade que ressoam até hoje nos computadores e dispositivos que
compõem a nossa "era do teclado".
Referências
Chaline, E. (2014). 50 máquinas que mudaram o rumo da
história. Tradução de Fabiano Moraes. Rio de Janeiro: Sextante.
Dunapress. (s.d.). Máquina de Escrever Underwood Nº 1.
Disponível em: https://dunapress.org/maquina-de-escrever-underwood-n1/.
Acesso em: 25/07/2024.
Empresa Brasil de Comunicação (EBC). (2015, 27 de julho). Saiba
como foi inventada a máquina de escrever. Memória EBC. Disponível em: https://memoria.ebc.com.br/infantil/voce-sabia/2015/07/saiba-como-foi-inventada-maquina-de-escrever.
Acesso em: 25/07/2024.
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