Radio Evangélica

sábado, 26 de julho de 2025

A Monarquia na Arábia Saudita: História, Poder e Desafios no Século XXI

A Arábia Saudita é o único país do mundo árabe a manter um sistema monárquico absolutista, fundamentado em uma interpretação particular do Islã sunita e em um pacto histórico entre a família Al Saud e o movimento wahabita. Este artigo explora a gênese e a evolução dessa monarquia, detalhando as bases de seu poder, suas principais instituições e os desafios contemporâneos que enfrenta, incluindo a busca por diversificação econômica (Visão 2030) e as pressões por reformas sociais e políticas.

Introdução

A Arábia Saudita, o maior país da Península Arábica, apresenta um modelo político singular no cenário global: uma monarquia absoluta teocrática. Diferentemente de outras monarquias constitucionais ou parlamentares, o poder real é ilimitado por uma constituição escrita no sentido ocidental, sendo guiado pela lei islâmica (Sharia) e pela autoridade dos governantes da Casa de Saud. Para compreender a complexidade e a resiliência deste sistema, é fundamental mergulhar em sua história, nas bases de sua legitimidade e nas dinâmicas que a moldam no presente. Este artigo tem como objetivo analisar a estrutura da monarquia saudita, traçando suas origens, delineando suas características fundamentais e examinando os desafios e reformas que buscam garantir sua continuidade em um mundo em constante transformação.

Gênese e Evolução: O Pacto Fundacional

A história da Arábia Saudita como entidade política moderna remonta ao século XVIII, com o estabelecimento de um pacto crucial entre duas figuras-chave: Muhammad ibn Saud, um líder tribal local da região de Diriyah, e Muhammad ibn Abd al-Wahhab, um reformador religioso que pregava um retorno rigoroso aos princípios do Islã. Este pacto, ocorrido por volta de 1744, estabeleceu as bases da legitimidade da dinastia Al Saud: o poder político e militar para os Al Saud, e a autoridade religiosa e a implementação da doutrina wahabita para os descendentes de al-Wahhab (conhecidos como Al ash-Sheikh).

Essa aliança resultou na formação do Primeiro Estado Saudita, que expandiu sua influência por grande parte da Península Arábica. No entanto, foi destruído no início do século XIX pelas forças otomanas e egípcias. Um Segundo Estado Saudita surgiu no século XIX, mas também sucumbiu a conflitos internos e regionais.

O Estado saudita moderno, o Terceiro Estado Saudita, foi fundado por Abdulaziz ibn Saud (Ibn Saud) no início do século XX. Após reconquistar Riade em 1902, Ibn Saud gradualmente unificou as diversas tribos e regiões da Península Arábica, culminando na proclamação do Reino da Arábia Saudita em 1932. A descoberta de vastas reservas de petróleo na década de 1930 transformaria a economia do reino e consolidaria ainda mais o poder da monarquia, proporcionando os recursos necessários para a modernização e para a manutenção de uma extensa rede de clientelismo.

A Natureza da Monarquia Saudita: Poder Absoluto e Legitimidade Religiosa

A monarquia saudita é caracterizada por ser:

* Absoluta: O rei detém o poder executivo, legislativo e judicial. Ele é o chefe de Estado, chefe de governo, comandante-em-chefe das forças armadas e o mais alto juiz do país. Não existe uma constituição formal no sentido ocidental; a Lei Básica de Governança (promulgada em 1992) serve como um tipo de constituição, estabelecendo que o Alcorão e a Suna (tradições do Profeta Maomé) são a lei suprema do reino.

  • Teocrática: A legitimidade do rei deriva de sua adesão à lei islâmica e de seu papel como "Guardião das Duas Mesquitas Sagradas" (Meca e Medina), um título que enfatiza sua responsabilidade religiosa e seu papel central no mundo islâmico. A família real mantém uma aliança histórica e contínua com a elite religiosa wahabita, que fornece apoio e justificação para o governo em troca da implementação de suas interpretações do Islã.
  • Patrimonialista: O Estado é, em muitos aspectos, uma extensão do domínio da família real. O sistema de sucessão é agnático, ou seja, de irmão para irmão (entre os filhos de Ibn Saud) e, mais recentemente, para os netos, com o rei tendo a prerrogativa de nomear o príncipe herdeiro.
  • Consultiva: Embora o poder seja absoluto, a tomada de decisões tradicionalmente envolve um processo de consulta (shura) dentro da família real, com conselheiros e líderes tribais. O rei e o príncipe herdeiro se reúnem regularmente com súditos em "majlis" (assembleias abertas) para ouvir suas queixas e solicitações.

Estruturas de Poder e Governança

Apesar do caráter absoluto, a governança saudita envolve diversas instituições:

* Conselho de Ministros: Presidido pelo rei, é o principal órgão executivo. Ministros são geralmente membros da família real ou indivíduos tecnocratas de confiança.

  • Conselho da Shura: Um corpo consultivo nomeado pelo rei, composto por 150 membros. Embora não tenha poder legislativo independente, ele revisa leis, tratados e planos de desenvolvimento, oferecendo recomendações ao rei e ao Conselho de Ministros. Sua composição tem sido gradualmente diversificada, incluindo mulheres desde 2013.
  • Família Real: A Casa de Saud é vasta, com milhares de príncipes e princesas. Os cargos-chave no governo, forças armadas e empresas estatais são frequentemente ocupados por membros seniores da família, garantindo a coesão e o controle.
  • Estabelecimento Religioso (Ulema): Liderado pelos Al ash-Sheikh, o corpo de ulemás (eruditos religiosos) desempenha um papel crucial na interpretação da Sharia, na supervisão de tribunais religiosos e na educação. Seu apoio é vital para a legitimidade da monarquia.

Desafios e Reformas no Século XXI

A Arábia Saudita enfrenta desafios significativos que impulsionam reformas internas, especialmente sob a liderança do Rei Salman bin Abdulaziz Al Saud e seu filho, o Príncipe Herdeiro Mohammed bin Salman (MBS).

  • Diversificação Econômica (Visão 2030): A dependência quase total do petróleo torna a economia vulnerável às flutuações do mercado. A Visão 2030, um ambicioso plano de reformas, visa diversificar a economia, desenvolver novos setores (turismo, tecnologia), privatizar ativos estatais e criar empregos para uma população jovem e crescente.
  • Reformas Sociais: MBS tem introduzido reformas sociais notáveis, como a permissão para mulheres dirigirem, a abertura de cinemas e o relaxamento de algumas restrições à interação social. No entanto, essas mudanças são frequentemente acompanhadas por uma repressão a dissidentes e críticos, levantando preocupações sobre direitos humanos.
  • Transição Geracional: A sucessão de poder tem sido uma preocupação. Com a ascensão de MBS, a monarquia está passando de uma geração de filhos de Ibn Saud para a de netos, o que pode trazer novas dinâmicas internas e desafios de consolidação de poder.
  • Pressões por Direitos Humanos e Liberdades Civis: O regime é frequentemente criticado por organizações internacionais por seu histórico de direitos humanos, incluindo restrições à liberdade de expressão, reunião e associação, além da aplicação da pena de morte.
  • Dinâmicas Regionais: A Arábia Saudita desempenha um papel central nas tensões regionais, notadamente com o Irã, e na manutenção da estabilidade do mercado global de petróleo.

Conclusão

A monarquia na Arábia Saudita é um sistema complexo e multifacetado, forjado pela história, pela religião e pela riqueza do petróleo. Sua capacidade de adaptar-se, embora muitas vezes de forma controlada e centralizada, tem sido crucial para sua sobrevivência e para a manutenção de sua posição no cenário global. Os desafios do século XXI – desde a necessidade de uma economia pós-petróleo até as pressões por maior abertura social e política – testarão a resiliência dessa monarquia. A forma como a Casa de Saud navegará essas águas turbulentas definirá não apenas o futuro do reino, mas também terá implicações significativas para o Oriente Médio e para a ordem global.

Referências Bibliográficas

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