A Proposta do Autor e o Cenário "Improvável"
O ponto de partida de Laurentino é a constatação de que o
Brasil de 1822 tinha "tudo para dar errado". Uma população
majoritariamente escrava, analfabeta e carente, cofres públicos vazios, e uma
ausência quase completa de estruturas militares e administrativas confiáveis
configuravam um cenário de fragilidade extrema. Gomes desafia a ideia de um
processo natural de emancipação, argumentando que a independência foi, na
verdade, uma "notável combinação de sorte, acaso, improvisação, e também
de sabedoria de algumas lideranças".
A narrativa de "1822" se destaca pelo estilo
jornalístico e investigativo do autor. Ele não apenas descreve os eventos, mas
os contextualiza, humaniza os personagens e explora as contradições que os
cercavam. É como se cada capítulo fosse uma reportagem aprofundada, repleta de
detalhes curiosos e citações que trazem à tona as vozes e tensões da época.
Personagens e Conflitos: O Mosaico da Independência
O livro constrói um painel rico de personalidades,
fugindo da hagiografia e apresentando figuras históricas em sua complexidade
humana:
*
D. Pedro I: Longe da imagem do herói impecável, D. Pedro emerge como um
jovem impulsivo, vaidoso e com uma vida pessoal turbulenta. Seus problemas
intestinais no dia do Grito do Ipiranga, suas escapadas amorosas e seu
estilo de liderança "autoritário e inquisitivo" são traçados com
detalhes. Contudo, o autor também reconhece sua sagacidade política, sua
capacidade de adaptação e seu papel decisivo em momentos-chave, como na
jornada a Minas Gerais e São Paulo. A dualidade de D. Pedro, tanto "herói"
quanto "vilão" dependendo do ponto de vista, é um dos pontos altos
da análise. |
- José
Bonifácio de Andrada e Silva: O "Patriarca da Independência"
é apresentado como um visionário, um intelectual cosmopolita e um
abolicionista convicto, muito à frente de seu tempo. O livro destaca seu
projeto de nação — que incluía reforma agrária, educação para todos e o fim
gradual da escravidão — e sua influência crucial em D. Pedro, atuando como
seu principal conselheiro e "soldando" os interesses
heterogêneos da elite brasileira em torno do projeto monárquico.
- D.
Leopoldina: A primeira imperatriz brasileira é retratada como uma
figura trágica, mas de inteligência e sensatez notáveis. A obra ressalta
seu papel político fundamental, especialmente na articulação com José
Bonifácio e na defesa da causa brasileira junto à corte europeia,
contrastando com sua vida pessoal marcada pela solidão, humilhações
impostas por D. Pedro e sua amante, Domitila.
Além das figuras centrais, o livro explora a dinâmica de
outros personagens e grupos:
*
As Cortes Portuguesas: O autor argumenta que o radicalismo e a falta de
sensibilidade das Cortes de Lisboa foram o catalisador inevitável para a
ruptura, ao tentarem recolonizar o Brasil e ignorarem a ascensão de uma
identidade brasileira. |
- A
Maçonaria: Longe de ser um bloco monolítico, a maçonaria é retratada
como um palco de disputas ideológicas entre facções republicanas e
monarquistas, mas também como um motor da articulação política e da
disseminação das ideias de independência.
- As
Guerras da Independência: O mito da independência pacífica é
implacavelmente desfeito. Os capítulos dedicados à "Guerra"
(Bahia, Piauí) e ao papel de Lord Cochrane demonstram o quão sangrento e
custoso foi o processo, com batalhas como a do Jenipapo e o cerco de
Salvador, revelando a resistência e o sacrifício de milhares de
brasileiros. A figura controvertida de Lord Cochrane, "louco por
dinheiro" e ao mesmo tempo decisivo para a vitória naval brasileira,
é um exemplo da complexidade moral dos personagens envolvidos.
- A
Escravidão: O tema da escravidão é central, revelando o medo pervasivo
de revoltas escravas que uniu a elite branca e conservadora em torno da
monarquia. A contradição de líderes libertários que eram donos de escravos
é um ponto crucial, mostrando como a abolição era "impraticável"
e adiada para preservar a ordem social vigente. Os "órfãos da
Independência" – escravos, indígenas e pobres – são lembrados como
aqueles cujas condições de vida permaneceram inalteradas, um
"passivo" que o Brasil carrega até hoje.
- A
Confederação do Equador: A obra aborda os conflitos regionais e as
diferentes visões de país, como o federalismo pernambucano, mostrando que
a unidade nacional não foi um dado, mas uma construção árdua e repressiva.
Um Legado Persistente
"1822" não é apenas um livro sobre o passado; é
uma obra que lança luz sobre o presente. As dificuldades financeiras, a
corrupção, as tensões políticas e sociais, as divisões regionais e a
persistência da desigualdade são temas que ressoam com a realidade brasileira
contemporânea. O autor explora como o "Reino Unido" de D. João VI se
dissolveu politicamente para dar lugar a um novo império, cujas bases e
desafios ainda se fazem sentir dois séculos depois.
Para Joabson João, com sua formação multifacetada e
interesse em marketing digital e programação para integrar suas áreas de
atuação, a obra de Laurentino Gomes é particularmente valiosa. A clareza da
exposição, a riqueza da pesquisa e a capacidade de conectar o macro com o micro
da história, além de desafiar narrativas estabelecidas, oferecem um modelo de
análise profunda e contextualizada. O livro é um convite à reflexão sobre a
formação do Estado brasileiro e os elementos que compõem sua identidade, um estudo
que transcende a história e dialoga com a sociologia e a política. A escrita
envolvente, digna de um jornalista experiente, torna a leitura não apenas
informativa, mas também prazerosa.
Em suma, "1822" é um trabalho essencial para quem
busca compreender as complexidades da Independência do Brasil, convidando o
leitor a uma jornada que revela como um país com "tudo para dar
errado" conseguiu, a seu modo, "dar certo", deixando um legado
de desafios que persistem até os dias atuais.
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