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domingo, 2 de novembro de 2025

Os Deuses do Egito Antigo: Mito e Simbolismo – Anúbis

Anúbis, uma das divindades mais emblemáticas do panteão egípcio, ocupa papel central na mitologia e nas práticas funerárias do Egito Antigo. Conhecido como o deus da mumificação e guardião das necrópoles, sua figura com cabeça de chacal simboliza a transição entre vida e morte. Este artigo analisa sua origem, atributos, simbolismo e evolução histórica, destacando sua importância cultural e religiosa, bem como sua influência na Antiguidade Clássica.

Entre as inúmeras divindades egípcias, Anúbis destaca-se como o mediador entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Sua figura, metade homem e metade chacal, representa o elo sagrado entre a preservação do corpo e a continuidade da alma. Longe de ser uma entidade temida, Anúbis simbolizava proteção, justiça e ordem divina, assegurando que cada ser humano tivesse um destino digno após a morte.

A compreensão de Anúbis é essencial para entender o complexo sistema religioso do Egito Antigo, em que vida e morte eram fases complementares de um mesmo ciclo cósmico.

Origem e Genealogia

A genealogia de Anúbis apresenta variações nos mitos. Inicialmente, ele era tido como filho do deus solar Rá, mas, nas tradições posteriores, passou a ser considerado filho de Osíris e Néftis, criado por Ísis após o abandono pela mãe biológica.
Esse mito o conecta diretamente à narrativa de morte e ressurreição de Osíris, consolidando seu papel como protetor das tumbas e condutor das almas no além. (PINCH, 2014; WILKINSON, 2015)

Atributos e Iconografia

Anúbis é retratado como um homem com cabeça de chacal, animal associado às necrópoles. O chacal negro simbolizava fertilidade, regeneração e a própria cor da carne mumificada.
Frequentemente, Anúbis é representado embalsamando um corpo ou vigiando a balança do julgamento, segurando o ankh (símbolo da vida) e o was-sceptre (autoridade divina).
Sua iconografia transmite respeito e serenidade — características de um deus cuja função era garantir a passagem segura para o mundo espiritual. (BUDGE, 2010; TRIPANI, 2012)

Simbolismo Religioso

O nome egípcio de Anúbis, Inpu, significa “o que está à frente dos embalsamadores”. Ele era o guardião dos mortos, o defensor das tumbas e o juiz do coração.
Durante o julgamento da alma, Anúbis supervisionava a Pesagem do Coração, comparando-o com a Pena da Verdade (Ma’at). Se o coração fosse puro, a alma alcançava a eternidade; se não, era devorada por Ammit.
Assim, Anúbis representava a ordem moral universal e a garantia da justiça divina. (REYES BARRIOS, 2017)

Papel na Mumificação e Vida Após a Morte

A ele é atribuído o primeiro ato de mumificação: o embalsamamento de Osíris. Desde então, os sacerdotes que realizavam esse rito vestiam máscaras de Anúbis, invocando sua proteção.
Seu papel era duplo — preservar o corpo e guiar a alma. No Duat (submundo), conduzia os mortos pelos portais até o Salão das Duas Verdades, onde ocorria o julgamento.
Esse papel reforça a fé egípcia na continuidade da existência e na preservação espiritual através do corpo físico. (FELICIANO, 2018)

Evolução Histórica do Culto

O culto a Anúbis é um dos mais antigos do Egito. Durante o Período Pré-Dinástico, ele era o principal deus dos mortos. Com a ascensão do culto a Osíris, seu papel foi redefinido, mas nunca diminuído: passou a ser filho e servo de Osíris, mantendo sua função funerária.
Nos Textos das Pirâmides, Anúbis aparece como “Aquele que está sobre sua montanha”, uma clara referência ao guardião das necrópoles.
Durante o Império Novo, ele se torna presença constante em papiros funerários, sarcófagos e amuletos protetores, o que demonstra a longevidade e importância do seu culto. (WILKINSON, 2012)

Influência na Antiguidade Clássica

Na era helenística, Anúbis foi sincretizado com Hermes, resultando na figura de Hermanúbis — guia das almas e mensageiro entre os mundos. Essa fusão ilustra como a espiritualidade egípcia foi absorvida e reinterpretada pelo mundo greco-romano.
Estátuas de Hermanúbis foram encontradas em templos de Roma, Pompeia e Alexandria, provando que a figura de Anúbis ultrapassou as fronteiras do Egito e se tornou um símbolo universal da passagem entre mundos. (REYES BARRIOS, 2017)

Conclusão

Anúbis, o deus de cabeça de chacal, é uma das representações mais profundas da espiritualidade egípcia. Guardião da vida eterna, ele simboliza o respeito pela morte e a esperança na continuidade da alma.
Sua presença milenar atravessou civilizações, inspirando arte, filosofia e fé. O culto a Anúbis é, portanto, uma das expressões mais duradouras do desejo humano de transcendência e justiça divina.

Referências Bibliográficas

BUDGE, E. A. Wallis. O Livro dos Mortos do Antigo Egito. Trad. de The Egyptian Book of the Dead (The Papyrus of Ani). São Paulo: Madras, 2010.

FELICIANO, João. The God Anubis in Late Antiquity. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2018. Dissertação de Mestrado.

PINCH, Geraldine. Deuses e Mitologia do Antigo Egito. Trad. de Handbook of Egyptian Mythology. São Paulo: Madras, 2014.

PINCH, Geraldine. Egyptian Myth: A Guide to the Gods, Goddesses, and Traditions of Ancient Egypt. Oxford: Oxford University Press, 2004.

REYES BARRIOS, Verónica. Anubis, el dios funerario: revisión de su papel desde Egipto hasta el mundo greco-romano. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2017. Tese de Doutorado.
TRIPANI, Luigi. The God Anubis: Iconography and Epithets. Roma: Accademia Italiana di Archeologia, 2012.

WILKINSON, Richard H. A Arte e a Mitologia do Antigo Egito. Trad. de The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt. São Paulo: M. Books do Brasil, 2015.

WILKINSON, Toby. A História do Antigo Egito. Trad. de The Rise and Fall of Ancient Egypt. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

Sugestões de leitura complementar


domingo, 5 de outubro de 2025

Os Deuses do Egito Antigo: Ísis, a Deusa Suprema de Magia e Maternidade

No vasto e complexo panteão egípcio, poucas divindades alcançaram a proeminência, a resiliência e a longevidade de Ísis. Mais do que apenas uma deusa entre muitas, ela se tornou o arquétipo da mãe, da esposa fiel, da mestra da magia e da protetora dos oprimidos. Sua história é uma tapeçaria tecida com fios de amor, perda, lealdade e poder, que não apenas definiu a religião egípcia por milênios, mas também transcendeu fronteiras, deixando um legado duradouro no mundo antigo.

A Mitologia Central: Amor, Morte e Ressurreição

A essência de Ísis está intrinsecamente ligada ao mito de seu amado esposo e irmão, Osíris. Como filha de Geb (a terra) e Nut (o céu), ela pertencia à Enéade de Heliópolis, o grupo dos nove deuses primordiais. Ísis e Osíris governavam o Egito em uma era de ouro, trazendo a civilização, a agricultura e a justiça ao povo.

Essa harmonia foi brutalmente interrompida pela inveja de seu irmão, Set, o deus do caos e da desordem. Em um ato de traição, Set assassinou Osíris, desmembrou seu corpo em quatorze pedaços e os espalhou por todo o Egito. A dor de Ísis se transformou em uma determinação inabalável. Com a ajuda de sua irmã, Néftis, ela percorreu incansavelmente o país, reunindo cada fragmento do corpo de Osíris.

É neste ponto que o poder de Ísis se manifesta em sua plenitude. Utilizando sua profunda sabedoria mágica (heka), ela realizou o primeiro ritual de embalsamamento, reunindo os pedaços de Osíris e, momentaneamente, o ressuscitando. Nesse breve interlúdio, ela concebeu seu filho, Hórus. Osíris, incapaz de retornar permanentemente ao mundo dos vivos, tornou-se o justo governante do além-vida (o Duat). Ísis, por sua vez, escondeu-se nos pântanos do Delta do Nilo para proteger Hórus de Set, criando-o para que um dia pudesse vingar seu pai e reivindicar o trono do Egito.

O Simbolismo e os Múltiplos Papéis de Ísis

A complexidade de Ísis reside em suas múltiplas facetas, cada uma representando um pilar da sociedade e da espiritualidade egípcia.

  • A Mãe Divina: A imagem mais icônica de Ísis é a de mãe, amamentando o jovem Hórus. Ela é a personificação do amor maternal, do sacrifício e da proteção. Como protetora de seu filho contra inúmeros perigos, ela se tornou a guardiã de todas as crianças e mães.
  • A Mestra da Magia: Ísis era conhecida como "A Grande em Magia". Sua astúcia e conhecimento eram inigualáveis. Uma lenda famosa conta como ela enganou o deus-sol Rá, a divindade suprema, para que ele revelasse seu nome secreto, a fonte de todo o seu poder. Ao obter esse conhecimento, Ísis consolidou sua posição como uma das divindades mais poderosas.
  • A Esposa e Viúva Fiel: Sua busca incansável por Osíris a estabeleceu como o modelo de lealdade conjugal e devoção. Ela era a principal pranteadora nos ritos funerários, e seu lamento simbolizava o luto justo pelos mortos, ao mesmo tempo que sua magia oferecia a esperança da vida após a morte.
  • A Protetora Universal: Ísis era uma deusa acessível, invocada por todos, desde o faraó até o mais humilde dos camponeses. Ela era a protetora dos marinheiros, dos artesãos, dos pecadores e, especialmente, dos mortos, garantindo-lhes uma passagem segura para o além-vida.

Iconografia e Representação

A representação visual de Ísis evoluiu ao longo do tempo. Inicialmente, ela era retratada como uma mulher usando um hieróglifo em forma de trono na cabeça, que também representava seu nome ("Aset", que significa "Trono"). Isso a conectava diretamente ao poder faraônico, pois o faraó era visto como o Hórus vivo, sentado no "Trono de Ísis".

Posteriormente, ela assimilou atributos da deusa Hathor, sendo frequentemente representada com chifres de vaca envolvendo um disco solar na cabeça. Outro símbolo crucial associado a ela é o Nó de Ísis (ou tyet), um amuleto que se assemelha a um ankh com os braços para baixo, simbolizando proteção, vida e bem-estar. Em algumas representações, ela possui asas, que usa para proteger e "ventilar" o sopro da vida em Osíris.

O Legado e a Expansão do Culto

O culto a Ísis foi um dos mais duradouros da história egípcia. Seu principal centro de adoração, o Templo de Philae, permaneceu ativo até o século VI d.C., muito tempo depois da ascensão do Cristianismo.

Sua popularidade transcendeu as fronteiras do Egito. Durante o período helenístico e romano, o culto a Ísis se espalhou por todo o Mediterrâneo, com templos dedicados a ela em cidades como Roma, Pompeia e Londres. Ela foi sincretizada com deusas gregas e romanas, como Deméter e Afrodite, tornando-se uma divindade universal. Muitos estudiosos observam que a iconografia de Ísis cuidando de Hórus influenciou fortemente as primeiras representações cristãs da Virgem Maria com o Menino Jesus.

Conclusão

Ísis representa a força do feminino em suas mais diversas manifestações: a criadora, a protetora, a curandeira e a líder. Sua história não é apenas um mito sobre deuses, mas uma narrativa sobre a resiliência diante da tragédia, o poder transformador do amor e a promessa de que, mesmo na mais profunda escuridão, a magia da vida e da lealdade pode trazer a luz. Ela permanece como um símbolo eterno de poder, sabedoria e devoção.

Referências Bibliográficas (Norma ABNT)

HART, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. 2. ed. London: Routledge, 2005.

PINCH, Geraldine. Egyptian Mythology: A Guide to the Gods, Goddesses, and Traditions of Ancient Egypt. Oxford: Oxford University Press, 2002.

SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford: Oxford University Press, 2000.

WILKINSON, Richard H. The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt. London: Thames & Hudson, 2003.

WITT, R. E. Isis in the Ancient World. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997.