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terça-feira, 21 de outubro de 2025

Manoel Luiz Álvares de Carvalho (1751-c. 1824): O Médico-Reformador e o Ensino Cirúrgico no Brasil Joanino

“A ciência é o instrumento mais eficaz da civilização.”

— D. João VI, discurso à Corte, 1813.

Introdução: O Médico que Estruturou o Ensino Cirúrgico no Brasil

Manoel Luiz Álvares de Carvalho nasceu na Bahia em 1751 e formou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1782. Foi um dos principais responsáveis pela modernização do ensino médico-cirúrgico no Brasil durante o período joanino.
Com a chegada da Corte portuguesa em 1808, o país vivia uma profunda reorganização administrativa e científica. Nesse contexto, Álvares de Carvalho assumiu o papel de diretor dos estudos de Medicina e Cirurgia da Corte e Estado do Brasil em 1812, sendo o autor do primeiro plano curricular formal do país para a área da saúde.

O Contexto do Brasil Joanino e a Necessidade de Reformas

A transferência da Corte para o Rio de Janeiro trouxe novas exigências: infraestrutura, saneamento e, sobretudo, formação de profissionais de saúde para atender a população em expansão.
O ensino médico ainda seguia modelos arcaicos, baseados em aprendizados empíricos e práticos, sem currículo definido. Foi nesse cenário que Álvares de Carvalho introduziu uma reforma de inspiração iluminista, estabelecendo princípios científicos, disciplinas regulares e exames de admissão.

O Decreto de 1º de Abril de 1813: O “Plano dos Estudos de Cirurgia”

Em 1º de abril de 1813, o príncipe regente D. João VI aprovou o “Plano dos Estudos de Cirurgia”, apresentado por Manoel Luiz Álvares de Carvalho.
Acesse o documento original na Câmara dos Deputados

O decreto transformou o curso de cirurgia da Santa Casa da Misericórdia da Corte em um programa oficial do Estado. O plano previa matérias como anatomia, fisiologia, patologia, obstetrícia, matéria-médica e farmacêutica, num ciclo de cinco anos.
Essa estrutura serviu de base para as futuras Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia — consideradas embriões das Faculdades de Medicina brasileiras.

A Expansão: Carta Régia de 1815 e Consolidação da Reforma

Dois anos depois, a Carta Régia de 29 de dezembro de 1815 consolidou o projeto ao criar o Curso Completo de Cirurgia na Bahia, estendendo as bases do plano de Álvares de Carvalho ao Nordeste.
Leia o texto completo da Carta Régia (1815)

Em 1821, já reconhecido por sua contribuição, o médico foi nomeado Físico-Mor do Reino honorário, um dos mais altos cargos da saúde pública do período.


Veja também: A Gênese do Direito Trabalhista no Brasil — outro artigo sobre as transformações institucionais do século XIX.

 

As Contribuições de Manoel Luiz Álvares de Carvalho

  • Padronização do currículo médico-cirúrgico
    Introduziu disciplinas organizadas e carga horária definida, aproximando o ensino brasileiro do modelo europeu.
  • Profissionalização da medicina
    Separou o ofício de “cirurgião prático” das antigas corporações artesanais, elevando o status da profissão médica.
  • Criação de academias
    Institucionalizou as escolas médico-cirúrgicas, preparando o caminho para as futuras Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.
  • Valorização científica e utilitária
    Incorporou métodos experimentais e princípios de utilidade pública, alinhados ao pensamento ilustrado português.

Correção Histórica: O Mito do “Barão de São Gualter”

Apesar de algumas referências modernas mencionarem o título de “Barão de São Gualter”, não existe registro primário em listas oficiais de nobreza ou decretos do Império que confirmem tal concessão.
As fontes primárias — como a Gazeta do Rio de Janeiro (1813) e o Decreto de 11 de abril de 1821 — comprovam sua atuação médica e acadêmica, mas não há qualquer vínculo militar ou título nobiliárquico associado ao seu nome.
Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil

Legado e Relevância Histórica

O legado de Manoel Luiz Álvares de Carvalho ultrapassa seu tempo.

  • Educação: instituiu um modelo curricular que seria adotado por mais de um século.
  • Ciência: contribuiu para o surgimento das primeiras gerações de médicos-cientistas do Brasil.
  • Institucionalização: lançou as bases das futuras Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia.

Seu nome permanece entre os pioneiros da ciência médica brasileira — ao lado de José Maria Bomtempo e Francisco de Castro.
Leitura acadêmica: A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no Século XIX – SciELO Books

Linha do Tempo (resumo visual sugerido)

1808 → Chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro
1812 → Nomeação como Diretor dos Estudos de Medicina e Cirurgia
1813 → Aprovação do “Plano dos Estudos de Cirurgia”
1815 → Carta Régia cria o curso completo de cirurgia na Bahia
1821 → Nomeação como Físico-Mor honorário

Leitura Complementar

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Gazeta do Rio de Janeiro, n. 28, 1 abr. 1813. Rio de Janeiro: Impressão Régia.
BRASIL. Decreto de 11 de abr. 1821. Coleção de Atos Oficiais do Reino.
LYRA, Maria de Lourdes Viana. A Utopia do Poderoso Império: Portugal e Brasil na Crise do Antigo Regime (1789-1822). Lisboa: Edições 70, 1994.
VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
CASTRO, Celso. A Invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
COSTA, Flávio. Nascimento da Medicina Brasileira. Ciência Hoje, 2018. Disponível em: cienciahoje.org.br

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