“A ciência é o instrumento mais eficaz da civilização.”
— D. João VI, discurso à Corte, 1813.
Introdução: O Médico que Estruturou o Ensino Cirúrgico no
Brasil
Manoel Luiz Álvares de Carvalho nasceu na Bahia em 1751 e
formou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1782. Foi um dos
principais responsáveis pela modernização do ensino médico-cirúrgico no
Brasil durante o período joanino.
Com a chegada da Corte portuguesa em 1808, o país vivia uma profunda
reorganização administrativa e científica. Nesse contexto, Álvares de Carvalho
assumiu o papel de diretor dos estudos de Medicina e Cirurgia da Corte e
Estado do Brasil em 1812, sendo o autor do primeiro plano curricular formal
do país para a área da saúde.
O Contexto do Brasil Joanino e a Necessidade de Reformas
A transferência da Corte para o Rio de Janeiro trouxe novas
exigências: infraestrutura, saneamento e, sobretudo, formação de
profissionais de saúde para atender a população em expansão.
O ensino médico ainda seguia modelos arcaicos, baseados em aprendizados
empíricos e práticos, sem currículo definido. Foi nesse cenário que Álvares
de Carvalho introduziu uma reforma de inspiração iluminista, estabelecendo
princípios científicos, disciplinas regulares e exames de admissão.
O Decreto de 1º de Abril de 1813: O “Plano dos Estudos de
Cirurgia”
Em 1º de abril de 1813, o príncipe regente D. João VI
aprovou o “Plano dos Estudos de Cirurgia”, apresentado por Manoel Luiz
Álvares de Carvalho.
Acesse
o documento original na Câmara dos Deputados
O decreto transformou o curso de cirurgia da Santa Casa
da Misericórdia da Corte em um programa oficial do Estado. O plano previa
matérias como anatomia, fisiologia, patologia, obstetrícia, matéria-médica e
farmacêutica, num ciclo de cinco anos.
Essa estrutura serviu de base para as futuras Academias Médico-Cirúrgicas do
Rio de Janeiro e da Bahia — consideradas embriões das Faculdades de
Medicina brasileiras.
A Expansão: Carta Régia de 1815 e Consolidação da Reforma
Dois anos depois, a Carta Régia de 29 de dezembro de 1815
consolidou o projeto ao criar o Curso Completo de Cirurgia na Bahia,
estendendo as bases do plano de Álvares de Carvalho ao Nordeste.
Leia
o texto completo da Carta Régia (1815)
Em 1821, já reconhecido por sua contribuição, o médico foi nomeado Físico-Mor do Reino honorário, um dos mais altos cargos da saúde pública do período.
→ Veja
também: A Gênese do Direito Trabalhista no Brasil — outro artigo sobre as
transformações institucionais do século XIX.
As Contribuições de Manoel Luiz Álvares de Carvalho
- Padronização
do currículo médico-cirúrgico
Introduziu disciplinas organizadas e carga horária definida, aproximando o ensino brasileiro do modelo europeu. - Profissionalização
da medicina
Separou o ofício de “cirurgião prático” das antigas corporações artesanais, elevando o status da profissão médica. - Criação
de academias
Institucionalizou as escolas médico-cirúrgicas, preparando o caminho para as futuras Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. - Valorização
científica e utilitária
Incorporou métodos experimentais e princípios de utilidade pública, alinhados ao pensamento ilustrado português.
Correção Histórica: O Mito do “Barão de São Gualter”
Apesar de algumas referências modernas mencionarem o título
de “Barão de São Gualter”, não existe registro primário em listas
oficiais de nobreza ou decretos do Império que confirmem tal concessão.
As fontes primárias — como a Gazeta do Rio de Janeiro (1813) e o Decreto
de 11 de abril de 1821 — comprovam sua atuação médica e acadêmica, mas não
há qualquer vínculo militar ou título nobiliárquico associado ao seu nome.
Dicionário
Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil
Legado e Relevância Histórica
O legado de Manoel Luiz Álvares de Carvalho ultrapassa seu
tempo.
- Educação:
instituiu um modelo curricular que seria adotado por mais de um século.
- Ciência:
contribuiu para o surgimento das primeiras gerações de médicos-cientistas
do Brasil.
- Institucionalização:
lançou as bases das futuras Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e
da Bahia.
Seu nome permanece entre os pioneiros da ciência médica
brasileira — ao lado de José Maria Bomtempo e Francisco de Castro.
Leitura
acadêmica: A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no Século XIX –
SciELO Books
Linha do Tempo (resumo visual sugerido)
1808 → Chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro
1812 → Nomeação como Diretor dos Estudos de Medicina e Cirurgia
1813 → Aprovação do “Plano dos Estudos de Cirurgia”
1815 → Carta Régia cria o curso completo de cirurgia na Bahia
1821 → Nomeação como Físico-Mor honorário
Leitura Complementar
- A Gênese do Direito Trabalhista no Brasil
- Arquivo
Nacional – Verbete Biográfico: Manoel Luiz Álvares de Carvalho
- Decreto
de 1º de abril de 1813 – Câmara dos Deputados
- Carta
Régia de 1815 – Legislação Original
- Dicionário
Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde – FIOCRUZ
Referências Bibliográficas
BRASIL. Gazeta do Rio de Janeiro, n. 28, 1 abr. 1813.
Rio de Janeiro: Impressão Régia.
BRASIL. Decreto de 11 de abr. 1821. Coleção de Atos Oficiais do Reino.
LYRA, Maria de Lourdes Viana. A Utopia do Poderoso Império: Portugal e
Brasil na Crise do Antigo Regime (1789-1822). Lisboa: Edições 70, 1994.
VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002.
CASTRO, Celso. A Invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2002.
COSTA, Flávio. Nascimento da Medicina Brasileira. Ciência Hoje,
2018. Disponível em: cienciahoje.org.br

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