Radio Evangélica

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

General Pierre Labatut: O Herói Controverso da Independência na Bahia

Acervo do Museu do Ipiranga
Herói de guerra ou tirano perigoso? Este artigo mergulha na trajetória de Pierre Labatut, o general francês das Guerras Napoleônicas contratado para liderar o Exército Pacificador no Brasil. Peça-chave na expulsão das tropas portuguesas da Bahia, Labatut viveu uma dualidade: sua genialidade militar garantiu a vitória, mas seu temperamento despótico e seus métodos radicais quase provocaram uma guerra civil entre os patriotas. Uma análise sobre como a "mão de ferro" estrangeira moldou a identidade nacional brasileira.

Um Barril de Pólvora no Recôncavo

A Independência do Brasil, proclamada em 1822 às margens do Ipiranga, foi apenas o início de uma batalha sangrenta que demoraria a terminar no Norte e Nordeste. Enquanto o Sul celebrava, a Bahia permanecia sob o julgo do General português Inácio Luís Madeira de Melo, que transformou Salvador em uma fortaleza leal a Lisboa.

O Brasil recém-nascido tinha vontade, mas não tinha um exército profissional. As milícias locais eram corajosas, porém desorganizadas. Foi nesse cenário de incerteza que José Bonifácio, o Patriarca da Independência, jogou uma cartada arriscada: importar a guerra moderna. Ele contratou Pierre Labatut, um veterano francês calejado nos campos de batalha da Europa, com uma missão clara e brutal: organizar o caos e expulsar os portugueses a qualquer custo.

A Sombra de Napoleão nos Trópicos

Pierre Labatut (1776-1849) não era um diplomata; era um soldado forjado no fogo das campanhas napoleônicas. Ele trouxe para o clima tropical da Bahia a disciplina rígida e a frieza tática dos exércitos europeus. Para as milícias brasileiras — acostumadas a comandos informais e guerrilhas esporádicas —, a chegada de Labatut foi um choque cultural.

Ao assumir o comando do "Exército Pacificador", Labatut encontrou tropas dispersas, mal alimentadas e mal armadas. Com uma eficiência implacável, ele profissionalizou o conflito. Sua estratégia não se baseava apenas em heroísmo, mas em logística e cerco. Ele entendeu que, para vencer Madeira de Melo, não bastava atacar; era preciso sufocar.

O Cerco de Salvador: A Vitória da Estratégia

A atuação de Labatut foi decisiva. Ele unificou o comando e impôs um cerco terrestre impenetrável ao redor de Salvador, cortando o fluxo de alimentos e suprimentos que vinham do Recôncavo.

Combinando essa pressão terrestre com o bloqueio naval liderado por Lord Cochrane (outro mercenário a serviço do Império), a situação dos portugueses tornou-se desesperadora. A fome assolou a capital baiana. A estratégia de desgaste de Labatut funcionou perfeitamente, forçando Madeira de Melo a abandonar a cidade em 2 de julho de 1823. A data marca a verdadeira consolidação da independência nacional, mas o arquiteto dessa estratégia não estaria lá para ver seu triunfo.

O "General Francês" contra as Elites Brasileiras

Se no campo de batalha Labatut era um gênio, na política era um desastre. Seu estilo centralizador e arrogante colidiu frontalmente com os interesses dos poderosos senhores de engenho e coronéis locais. Labatut não confiava nos oficiais brasileiros e não hesitava em usar de violência extrema — incluindo execuções sumárias — para manter a ordem.

Mas o ponto de ruptura foi social. Labatut, focado apenas na vitória militar, começou a recrutar escravizados e libertos para as linhas de frente, prometendo ascensão e glória. Isso aterrorizou a elite escravocrata baiana, que temia uma revolução no estilo do Haiti (haitianismo) caso as classes baixas fossem armadas e empoderadas.

Acusado de tirania e de planejar golpes, Labatut tornou-se insuportável. Em um episódio dramático antes mesmo da vitória final, as próprias tropas brasileiras se voltaram contra seu comandante. Labatut foi deposto, preso e enviado ao Rio de Janeiro sob a acusação de abuso de poder, encerrando sua campanha na Bahia de forma melancólica.

O Legado de um Mal Necessário

Pierre Labatut permanece como uma das figuras mais fascinantes e contraditórias da nossa história. Ele foi o "mal necessário": sem sua expertise militar, a Bahia poderia ter permanecido portuguesa por muito mais tempo, fragmentando o território nacional. No entanto, sua incapacidade de compreender a política e a cultura do país que o contratou selou seu destino.

Sua trajetória expõe as dores do parto do Brasil Império: uma nação que precisou de mãos estrangeiras para garantir sua soberania, mas que lutou ferozmente para afirmar sua própria identidade diante delas. Labatut foi um herói sem estátua no coração da elite de sua época, mas fundamental para que o Brasil fosse um só.

Referências Bibliográficas

GOMES, Laurentino. 1822. São Paulo: Globo Livros, 2010.

KRAAY, Hendrik. "A política de raça, cor e outras exclusões durante a Guerra da Independência na Bahia". Estudos Afro-Asiáticos, 2002.

TAVARES, Luís Henrique Dias. A Independência do Brasil na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da Independência do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário