Stephens, um historiador britânico com profundo conhecimento
da Península Ibérica, não se limita a listar datas e fatos; ele mergulha na
alma portuguesa, explorando as forças culturais, sociais e políticas que
impulsionaram seu povo. Sua narrativa é um convite à reflexão sobre como um
reino periférico se transformou em um império global, enfrentou crises
existenciais e, ainda assim, manteve sua essência e sua língua. O livro é um
testemunho da capacidade humana de superação e da persistência de um povo em forjar
seu próprio destino.
A relevância da obra de Stephens transcende o mero registro
histórico. Ela nos oferece lentes para entender o presente, ao revelar as
camadas de eventos que construíram a mentalidade e as tradições portuguesas. É
um estudo essencial não apenas para historiadores, mas para qualquer leitor
interessado em geopolítica, cultura e na fascinante trajetória de uma nação
que, por muitas vezes, desafiou as probabilidades.
Análise Detalhada dos Períodos Históricos
a) Formação e Consolidação da Identidade Portuguesa
A gênese de Portugal é um capítulo fascinante de
diferenciação e afirmação. Stephens explora como, em meio à Reconquista Cristã
da Península Ibérica, um condado vassalo de Leão e Castela começou a forjar sua
própria identidade. A figura de D. Afonso Henriques emerge como o grande
artífice da independência, não apenas através de vitórias militares, mas também
pela astúcia política em consolidar um território e uma administração que o
distinguissem de seus vizinhos ibéricos.
Os primeiros reis portugueses, com sua visão estratégica,
foram cruciais na construção de um Estado nacional coeso. A centralização do
poder, a criação de instituições jurídicas e administrativas próprias e o
incentivo ao desenvolvimento interno, como a agricultura e o comércio, lançaram
as bases para uma nação que, embora pequena em território, possuía uma forte
coesão interna e um senso de propósito.
b) A Era Dourada dos Descobrimentos
Nenhum período da história portuguesa é tão emblemático
quanto a Era dos Descobrimentos. Stephens descreve com vivacidade a audácia e a
engenhosidade que levaram Portugal a ser pioneiro na exploração marítima,
abrindo rotas para a África, Ásia e América. Nomes como Infante D. Henrique,
Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães são apresentados não
apenas como navegadores, mas como visionários que redefiniram os limites do
mundo conhecido.
A expansão marítima não foi apenas uma aventura geográfica;
foi um empreendimento que transformou Portugal em um império global, trazendo
riquezas incalculáveis para Lisboa e estabelecendo uma rede comercial e
cultural sem precedentes. É neste contexto de glória e expansão que a figura de
Luís Vaz de Camões e sua epopeia "Os Lusíadas" ganham destaque,
eternizando os feitos dos heróis portugueses e consolidando a língua e a
identidade nacional através da literatura.
A capital, Lisboa, tornou-se um centro cosmopolita, onde
especiarias, ouro, prata e conhecimentos de terras distantes convergiam,
alimentando não apenas a economia, mas também a cultura e a ciência. A
influência portuguesa se estendeu por continentes, deixando um legado duradouro
em línguas, religiões e costumes.
c) As Raízes da Decadência
Paradoxalmente, no auge de seu poder e riqueza, as sementes
da decadência começaram a ser plantadas. Stephens analisa como o absolutismo
monárquico, que concentrava o poder nas mãos do rei, e a crescente influência
da Inquisição, que sufocava o pensamento crítico e perseguia minorias,
contribuíram para um enfraquecimento interno. A dependência excessiva das
riquezas coloniais, sem um investimento correspondente na produção interna,
também se mostrou um fator de vulnerabilidade.
A crise sucessória do final do século XVI, culminando na
figura trágica de D. Sebastião e seu desaparecimento na Batalha de
Alcácer-Quibir, é retratada como um ponto de inflexão. A ausência de um
herdeiro direto e a subsequente disputa pelo trono abriram as portas para a
dominação estrangeira, marcando o fim de uma era de autonomia e glória.
d) Os Sessenta Anos de Cativeiro
A união dinástica com a Espanha, sob a coroa de Filipe II,
resultou em sessenta anos de domínio espanhol (1580-1640), um período conhecido
como "Cativeiro Filipino". Stephens detalha como Portugal, embora
mantendo suas leis e costumes, viu seu império colonial enfraquecer-se, sendo
arrastado para os conflitos da Espanha contra potências como a Holanda e a
Inglaterra, que cobiçavam suas possessões ultramarinas.
Este período de subordinação, contudo, não apagou o espírito
nacional. Pelo contrário, alimentou o fenômeno do Sebastianismo, a crença no
retorno messiânico de D. Sebastião para restaurar a independência. Stephens
mostra como essa esperança, embora mística, funcionou como uma poderosa força
cultural e política, mantendo viva a chama da autonomia e preparando o terreno
para a restauração.
e) A Restauração da Independência e a Aliança com
Inglaterra
A revolução de 1640, que culminou na aclamação de D. João IV
como rei, marcou o fim do domínio espanhol e a restauração da independência
portuguesa. Stephens descreve a complexidade deste processo, que exigiu não
apenas a união interna, mas também o apoio de potências estrangeiras. A aliança
com a Inglaterra, que se tornaria uma constante na política externa portuguesa,
emerge como um pilar estratégico para a manutenção da soberania.
O Tratado de Methuen, assinado em 1703, é analisado como um
marco dessa aliança, que, embora garantisse a proteção militar inglesa, também
estabelecia uma relação comercial desfavorável para Portugal, trocando vinhos
por têxteis ingleses. Stephens explora as implicações a longo prazo dessa
dependência econômica, que moldaria as relações luso-britânicas por séculos.
f) O Século XVIII: A Era do Marquês de Pombal
O século XVIII é retratado como um período de contrastes.
Enquanto Portugal era, em muitos aspectos, uma "província de
Inglaterra" economicamente, a riqueza proveniente do ouro e dos diamantes
do Brasil, durante o reinado de D. João V, permitiu a construção de obras
grandiosas e um certo fausto. Contudo, foi a figura do Marquês de Pombal que
verdadeiramente marcou este século com suas reformas iluministas.
Stephens dedica atenção especial ao Terramoto de 1755, que
devastou Lisboa, como um catalisador para as profundas mudanças pombalinas. O
Marquês, com sua visão modernizadora, empreendeu a reconstrução da capital,
reformou a educação, a economia e a administração pública, e aboliu a
escravatura em Portugal continental. Sua gestão, embora autoritária, é vista
como um esforço para modernizar o país e fortalecer o poder real, desafiando a
influência da Igreja e da nobreza tradicional.
g) Guerras Napoleônicas e a Perda do Brasil
O impacto das ideias revolucionárias francesas e as
subsequentes Guerras Napoleônicas abalaram profundamente Portugal no início do
século XIX. Stephens narra a invasão francesa, a fuga da família real para o
Brasil em 1807 e as consequências devastadoras para o país. A presença da corte
no Rio de Janeiro elevou o status da colônia, mas também criou as condições
para sua eventual independência.
A independência do Brasil em 1822 é apresentada como um
ponto de ruptura histórica, marcando o fim do império transatlântico e o início
de uma nova fase para Portugal, que precisava redefinir seu papel no cenário
mundial e lidar com a perda de sua mais rica colônia.
h) O Século XIX Turbulento
O século XIX em Portugal foi um período de intensa agitação
política e social. Stephens descreve as guerras civis entre liberais e
absolutistas, que opuseram D. Pedro IV, defensor da Carta Constitucional, a seu
irmão D. Miguel, que aspirava ao trono com um regime absolutista. Este conflito
fratricida dividiu o país e teve profundas repercussões.
A vitória liberal levou ao estabelecimento de um governo
parlamentar e à consolidação da Carta Constitucional de 1826, que, embora com
interrupções, se tornou o alicerce do sistema político português. Stephens
analisa os desafios da implementação de um regime liberal em um país com fortes
tradições monárquicas e a luta contínua por estabilidade e progresso.
Análise dos Temas Recorrentes
Ao longo da narrativa de Stephens, emergem temas recorrentes
que definem a essência da história portuguesa. A resiliência é, sem dúvida, uma
característica nacional proeminente; a capacidade de Portugal de se reerguer
após invasões, terremotos e perdas imperiais é um fio condutor que perpassa os
séculos. A luta contínua pela independência e soberania, seja contra Castela,
Espanha ou as pressões inglesas, demonstra um profundo apego à autonomia
nacional.
O papel das alianças internacionais, especialmente com a
Inglaterra, é constantemente destacado, revelando como a geopolítica moldou o
destino português. Além disso, Stephens sublinha a importância da literatura e
da educação na consciência nacional, desde Camões até os esforços pombalinos.
Finalmente, a transformação das posses coloniais, inicialmente asiáticas e
depois africanas, é um tema que mostra a adaptação e a persistência do projeto
imperial português, mesmo após a perda do Brasil.
Avaliação Crítica
A obra de Henry Morse Stephens destaca-se pela sua
abrangência e pela clareza narrativa. Seus pontos fortes residem na capacidade
de sintetizar séculos de história complexa em uma prosa acessível, sem
sacrificar o rigor acadêmico. A perspectiva do autor, como um historiador
britânico do século XIX, oferece um olhar externo, por vezes mais objetivo,
sobre os eventos portugueses, especialmente no que tange às relações
anglo-portuguesas. Ele consegue tecer uma narrativa envolvente que mantém o
leitor engajado, mesmo ao abordar períodos densos.
Contudo, é importante considerar que a obra reflete as
perspectivas e as fontes disponíveis em sua época. Algumas interpretações podem
ser influenciadas pelo contexto historiográfico do século XIX, e a análise de
certos aspectos sociais ou econômicos pode não ter a profundidade que se
esperaria de estudos mais contemporâneos. No entanto, sua relevância para
leitores atuais é inegável, pois oferece uma base sólida e um panorama
essencial para quem deseja aprofundar-se na história de Portugal, servindo como
um excelente ponto de partida para estudos mais especializados.
Conclusão Inspiradora
"A História de uma Nação: Portugal" de Henry Morse
Stephens é muito mais do que um compêndio de fatos; é uma ode à persistência e
ao espírito de um povo. A jornada que o livro nos propõe, desde as brumas da
formação medieval até os desafios do século XIX, é um testemunho da capacidade
humana de construir, desconstruir e reconstruir sua própria identidade.
Stephens nos lembra que a história não é estática, mas um fluxo contínuo de
eventos que moldam o presente e influenciam o futuro.
Este livro continua relevante porque nos convida a refletir
sobre a identidade portuguesa através dos séculos: uma identidade forjada na
audácia dos Descobrimentos, na dor do cativeiro, na resiliência pós-terramoto e
na busca incessante por liberdade e progresso. É uma narrativa que inspira a
valorizar a herança cultural e a compreender as complexidades que definem uma
nação.
Ao fechar as páginas desta obra, o leitor não apenas adquire
conhecimento histórico, mas também uma apreciação mais profunda pela alma
portuguesa, por sua capacidade de sonhar grande, de enfrentar adversidades e
de, contra todas as probabilidades, manter-se firme e orgulhosa. É um convite a
olhar para Portugal não apenas como um ponto no mapa, mas como um farol de
história e resiliência.
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