Escrito por Olavo de
Carvalho | 18 Outubro 2013
Artigos - Cultura
kohlbergSe você quer
entender e não tem medo de perceber em que tipo de ambiente mental está metido
nesse nosso Brasil, nada melhor do que estudar um pouco a Teoria do
Desenvolvimento Moral de Lawrence Kohlberg. Enunciada pela primeira vez em 1958
e depois muito aperfeiçoada, ela mede o grau de consciência moral dos
indivíduos conforme os valores que motivam as suas ações, numa escala que vai
do simples reflexo de autopreservação natural até o sacrifício do ego ao
primado dos valores universais.
Kohlberg, que foi
professor de psicologia na Faculdade de Educação em Harvard, desenvolveu alguns
testes para avaliar o desenvolvimento moral, mas os críticos responderam que
isso só media a interpretação que os indivíduos testados faziam de si mesmos,
não a sua motivação efetiva nas situações reais. Essa dificuldade pode ser
neutralizada se em vez de testes tomarmos como ponto de partida as condutas
reais, discernindo, por exclusão, as motivações que as determinaram.
Os graus admitidos
por Kohlberg são seis. No mais baixo e primitivo, em que a conduta humana faz
fronteira com a dos animais, a motivação principal das ações é o medo do
castigo. É o estágio da “Obediência e Punição”. No segundo (“Individualismo e
Intercâmbio”), o indivíduo busca conscientemente a via mais eficaz para
satisfazer a seus próprios interesses e entende que às vezes a reciprocidade e
a troca são vantajosas. No terceiro (“Relações Interpessoais”), os interesses
imediatos cedem lugar ao desejo de captar simpatia, de ser aceito num grupo, de
sentir que tem “amigos” e distinguir-se dos estranhos, dos concorrentes e
inimigos. No quarto (“Manutenção da Ordem”), o indivíduo percebe que há uma
ordem social acima dos grupos e empenha-se em obedecer as leis, em cumprir suas
obrigações. No quinto (“Contrato Social e Direitos Individuais”), ele se torna
sensível à diversidade de opiniões e entende a ordem social já não como um
imperativo mecânico, mas como um acordo complexo necessário à convivência
pacífica entre os divergentes, No sexto e último (“Princípios Universais”), ele
busca orientar sua conduta por valores universais, mesmo quando estes entram em
conflito com os seus interesses pessoais, com a vontade dos vários grupos ou
com a ordem social presente.
Essas seis motivações
refletem três níveis de moralidade: os dois primeiros expressam a “moralidade
pré-convencional”; os dois intermediários a “moralidade convencional”, os dois
últimos a “moralidade pós-convencional”.
Se não atentamos para
os discursos, mas para as escolhas reais que as pessoas fazem na vida, não é
preciso observar muito para notar que os indivíduos que nos governam, bem como
os seus porta-vozes na mídia e nas universidades, não passam do terceiro
estágio, o mais baixo da moralidade convencional, em que a identidade, a coesão
e a solidariedade interna do grupo prevalecem sobre a ordem social, as leis, os
direitos dos adversários e quaisquer valores universais que se possa conceber
(e que desde esse nível de consciência são mesmo inconcebíveis, embora nada
impeça que sua linguagem seja macaqueada como camuflagem dos desejos do grupo).
Duas condutas típicas
atestam-no acima de qualquer dúvida possível. De um lado, a mobilização
instantânea e geral em favor dos condenados do Mensalão. O instinto de
autodefesa grupal predominou aí de maneira tão ostensiva e tão pública sobre as
exigências da lei e da ordem, que até pessoas identificadas ideologicamente ao
partido governante se sentiram escandalizadas diante dessa conduta.
De outro lado, não
havendo nenhum movimento político “de direita” que se oponha ao grupo
dominante, este dirige seus ataques contra meros indivíduos e movimentos de
opinião sem a menor expressão política, fingindo e depois até sentindo ver
neles uma ameaça eleitoral ou o perigo de um golpe de Estado. Aí o instinto de
autodefesa grupal assume as dimensões de uma fantasia persecutória que se
traduz na necessidade de calar por todos os meios qualquer voz divergente, por
mais débil e apolítica que seja.
Também não é preciso
nenhum estudo especial para mostrar que essa conduta, normal na adolescência,
quando a solidariedade do grupo é uma etapa indispensável na consolidação da
identidade pessoal, não é de maneira alguma aceitável em cidadãos adultos
investidos de prestígio, autoridade e poder de mando. Aí ela passa a caracterizar
precisamente a associação mafiosa, a solidariedade no crime.
É evidente que, numa
sociedade onde essa é a mentalidade do grupo dominante, os níveis superiores de
consciência moral (pós-convencionais) se tornam cada vez mais abstratos e
inapreensíveis, de modo que o máximo de moralidade que se concebe é o quarto
grau, o apego à lei e à ordem. Os indivíduos cuja conduta evidencia essa
motivação tornam-se então emblemas do que de mais alto e sublime uma sociedade
moralmente degradada pode imaginar, e são quase beatificados. O ministro
Joaquim Barbosa é o exemplo mais típico.
Os dois graus
superiores da escala são exemplificados por um número tão reduzido de pessoas,
que já não têm nenhuma presença ou ação na sociedade e passam a existir apenas
em versão caricatural, como fornecedores de chavões para legitimar e embelezar
as condutas mais baixas. A autopreservação paranóica do grupo dominante
envolve-se com freqüência na linguagem dos “direitos humanos” (quinto grau), e
qualquer imbecil que tenha lido a Bíblia já sai usando a Palavra de Deus (sexto
grau) como porrete para atemorizar os estranhos e impor a hegemonia do grupo
“fiel” sobre os “infiéis” e “hereges”.
Isso, e nada mais que
isso, é a moralidade nacional. - (Publicado no Diário do Comércio)
http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/14610-a-moral-do-brasil.html
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