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Murillo La Greca |
O Berço das Revoltas: A Semente da Autonomia em
Pernambuco
No início do século XIX, Pernambuco era uma província
economicamente forte, mas profundamente afetada pelas desigualdades sociais e
pelo controle centralista da Coroa Portuguesa. O aumento da carga tributária, a
centralização administrativa e a influência direta de Lisboa sobre os negócios
locais alimentavam o descontentamento entre as elites e setores populares
urbanos.
Frei Caneca, influenciado pelos ideais do Iluminismo, pela
Revolução Francesa e pela Independência dos EUA, emerge como uma das figuras
intelectuais mais articuladas da época. Na Revolução Pernambucana de 1817, ele
atuou não apenas como religioso, mas como pensador político, propagandista e
educador. Usou a palavra impressa e falada para questionar a legitimidade do
domínio colonial e defender uma república inspirada em princípios de
autodeterminação e representação.
Contudo, o movimento esbarrou em contradições típicas de sua
época: a escravidão — sustentáculo econômico das elites — não foi posta em
questão; tampouco se desenvolveu uma estrutura capaz de garantir a adesão
militar e popular ampla. A repressão portuguesa foi rápida e eficaz,
desmantelando o governo revolucionário após poucos meses.
A Confederação do Equador: Um Projeto de Nordeste
Federado
Sete anos depois, em 1824, após a independência do Brasil, o
centro do poder foi transferido de Lisboa para o Rio de Janeiro, mas as
práticas autoritárias continuaram. A imposição da Constituição de 1824 por D.
Pedro I, sem participação das províncias, e a dissolução da Assembleia
Constituinte acirraram as tensões regionais, especialmente no Nordeste.
A Confederação do Equador representou uma nova tentativa de
afirmar a autonomia regional frente ao centralismo imperial. Caneca, agora mais
maduro politicamente, tornou-se um dos principais ideólogos do movimento. Pelo
jornal Typhis Pernambucano, denunciou o despotismo do imperador,
defendeu o republicanismo e o federalismo e clamou por uma nova forma de
organização territorial que respeitasse as especificidades das províncias
nordestinas.
O projeto previa uma confederação entre Pernambuco, Ceará,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas e Sergipe — uma união de
repúblicas autônomas dentro de um pacto federativo. Foi uma proposta ousada e
precursora de debates que só ganhariam forma institucional no Brasil com a
proclamação da República, em 1889.
Porém, a falta de coesão entre os estados nordestinos, a
resistência das elites locais e a força das tropas imperiais selaram o fracasso
da Confederação. Frei Caneca foi preso e, após recusar o perdão imperial, foi
fuzilado em 13 de janeiro de 1825, recusando-se a ser enforcado — um símbolo de
sua firmeza moral.
O Legado de Frei Caneca: Federalismo, Autonomia e Justiça
Social
Frei Caneca tornou-se mártir da causa republicana e
federalista. Sua figura transcende o romantismo da resistência e inscreve-se
como uma das vozes mais lúcidas do Brasil pré-republicano. Seus escritos,
principalmente os publicados no Typhis Pernambucano, demonstram domínio
sobre as ideias políticas mais avançadas de seu tempo, aliadas a uma crítica
mordaz à concentração de poder e à injustiça social.
Seu legado permanece vivo nos debates sobre descentralização
política, autonomia regional e representação democrática. O Nordeste,
historicamente visto como periferia do poder, teve em Caneca um pensador que
antecipou pautas que ainda hoje desafiam a estrutura político-administrativa do
país.
Caneca representa a convicção de que uma nação justa precisa
ouvir suas vozes regionais, reconhecer suas diversidades e equilibrar poder
entre centro e periferia. Sua vida e morte são, portanto, partes indissociáveis
da luta por um Brasil plural e verdadeiramente democrático.
Referências Bibliográficas
- CANCA,
Frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias. Org.
Antônio Joaquim de Melo. Recife: Assembleia Legislativa de Pernambuco,
1972.
- LIMA,
Manuel de Oliveira. Pernambuco e D. João VI: A revolução de 1817.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
- LYRA,
Maria de Lourdes Viana. “Pátria do cidadão: A concepção de pátria/nação em
Frei Caneca.” Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, 1998.
- MOREL,
Marco. Frei Caneca: entre Marília e a Pátria. Rio de Janeiro: FGV,
2000.
- TAURISANO,
D. Alemão. Frei Caneca: Um mártir da liberdade. Petrópolis: Vozes,
1968.
- TAVARES,
Francisco. Frei Caneca: a última voz da Confederação do Equador.
Recife: Editora Massangana, 2011.
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