A Administração Omíada e a Centralização do
Poder
Durante o califado omíada (661–750), o Egito foi administrado por governadores
(wālīs) nomeados diretamente por Damasco. A capital regional foi estabelecida
em Fustat, cidade fundada por Amr ibn al-As, que rapidamente se tornou o centro
político e comercial do Egito islâmico nascente. Os governadores omíadas
mantiveram os sistemas fiscais e burocráticos bizantinos, embora tenham
introduzido novos impostos voltados especificamente para a população não
muçulmana, como a jizya (tributo pessoal) e o kharaj (imposto sobre a terra) —
ferramentas tanto de arrecadação quanto de distinção religiosa e social
(KENNEDY, 2007).
O processo de arabização intensificou-se,
particularmente com a introdução do árabe como língua oficial da administração
a partir do final do século VII. Esse movimento linguístico teve implicações de
longo alcance na vida cotidiana, afetando a educação, o comércio e as relações
jurídicas (PAPACONSTANTINOU, 2010).
O Califado Abássida e o Enfraquecimento da
Autoridade Central
Com a ascensão do califado abássida em 750, a administração egípcia sofreu
alterações importantes. A capital do mundo islâmico foi transferida para Bagdá,
e o Egito passou a ser governado por emires enviados pelo centro abássida.
Inicialmente, a relação entre Bagdá e o Egito foi marcada por estabilidade e
investimentos em obras públicas, como canais de irrigação e mesquitas.
No entanto, ao longo do século IX, a
autoridade abássida começou a declinar, e o Egito viu crescer o poder de
dinastias locais e governadores autônomos. Grupos como os tulúnidas e,
posteriormente, os ikshídidas, passaram a exercer controle quase independente
sobre o país, apesar de manterem formalmente a lealdade ao califa (BOSWORTH,
2004). Essa descentralização foi acompanhada de uma maior islamização da elite
governante e de transformações profundas nas instituições urbanas e religiosas.
Transformações Religiosas e o Lugar dos
Coptas
Durante os primeiros séculos do domínio muçulmano, os cristãos coptas
continuaram a representar uma parcela significativa da população egípcia. A
Igreja Copta manteve sua estrutura hierárquica e seus mosteiros, sendo
reconhecida pelas autoridades muçulmanas como ahl al-dhimma — “povo do livro”
protegido pelo Islã.
Contudo, ao longo dos séculos VIII e IX, as
pressões sociais e econômicas incentivaram conversões ao Islã, especialmente
entre os estratos mais pobres. O aumento dos impostos sobre os não muçulmanos,
a marginalização das elites coptas e, ocasionalmente, episódios de repressão
contribuíram para a progressiva diminuição do número de cristãos (BAUR, 2000).
Ainda assim, a Igreja Copta continuou como guardiã de uma identidade religiosa
e cultural distinta, com suas liturgias em copta e a tradição iconográfica resiliente.
Cultura, Arte e Arquitetura em
Transformação
A arte copta e a tradição monástica egípcia continuaram a florescer mesmo sob
domínio islâmico, influenciadas tanto pelas heranças helenísticas quanto pelas
novas estéticas muçulmanas. A convivência entre diferentes estilos e técnicas é
visível na decoração arquitetônica, nos manuscritos iluminados e nos tecidos
coptas do período, que hoje constituem valiosas fontes arqueológicas para o
estudo da resistência cultural (MEYER, 2000).
Por outro lado, a arquitetura islâmica começou
a se impor nas paisagens urbanas do Egito, com destaque para as primeiras
mesquitas de Fustat, como a Mesquita de Amr ibn al-As. Essa arquitetura
islâmica inicial incorporava elementos locais e romanos, resultando em uma
síntese criativa que marcaria o estilo egípcio islâmico nas gerações seguintes.
Conclusão: Permanência e Mudança na
Transição Islâmica
O Egito dos primeiros califados não foi um território passivo diante das
mudanças políticas e religiosas. Ao contrário, foi palco de um processo
dinâmico de negociação entre tradições locais e imperativos impostos pelo novo
poder islâmico. A continuidade das instituições administrativas, a
sobrevivência do cristianismo copta e a adaptação cultural demonstram a
complexidade dessa transição.
A transição do Egito tardo-antigo para a Idade
Média islâmica não apagou o passado, mas o reelaborou em novas formas. Ao longo
dos séculos seguintes, o Egito se tornaria um dos centros intelectuais e
espirituais do mundo islâmico, mantendo, ao mesmo tempo, vínculos profundos com
sua herança faraônica e cristã.
Referências Bibliográficas
- Baur, John. 2000 Years of Christianity in Africa: An African Church History.
Paulines Publications Africa, 2000.
- Bosworth, C.E. The New Islamic Dynasties: A Chronological and Genealogical
Manual. Edinburgh University Press, 2004.
- Kennedy, Hugh. The Great Arab Conquests: How the Spread of Islam Changed the
World We Live In. Da Capo Press, 2007.
- Meyer, Eva-Maria. Coptic Art and Archaeology: The Art of the Christian
Egyptians from the Late Antique to the Middle Ages. University of California
Press, 2000.
- Papaconstantinou, Arietta (ed.). The Multilingual Experience in Egypt: From
the Ptolemies to the Abbasids. Ashgate, 2010.
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