O Vácuo de Poder e a Chegada de um Herdeiro Inesperado
Com César morto, duas facções principais disputavam o
controle: os "Libertadores", liderados por Bruto e Cássio, e os
cesaristas, sob a liderança do cônsul Marco Antônio, o leal e experiente
general de César. A situação era instável, com o Senado tentando mediar um
conflito que parecia inevitável.
Foi nesse cenário que uma terceira força surgiu. Um jovem de
apenas 18 anos, Caio Otávio, sobrinho-neto de César que, para surpresa
de todos, fora nomeado em testamento como seu filho adotivo e principal
herdeiro. Inicialmente subestimado por figuras experientes como Cícero e Marco
Antônio, o jovem, que passou a se chamar Caio Júlio César Otaviano,
demonstrou uma maturidade política e uma astúcia notáveis. Usando o imenso
prestígio do nome de César e a fortuna herdada, ele rapidamente levantou um
exército particular com os veteranos de seu pai adotivo.
A Formação do Triunvirato: Uma Aliança de Conveniência e
Sangue
Após um período de confrontos e alianças instáveis,
Otaviano, Marco Antônio e um terceiro general cesarista, Marco Emílio Lépido,
perceberam que lutar entre si apenas fortaleceria seus inimigos em comum: os
assassinos de César.
Em novembro de 43 a.C., eles se encontraram perto de Bolonha
e formalizaram o Segundo Triunvirato. Diferente do primeiro (uma aliança
informal entre César, Pompeu e Crasso), este foi uma magistratura oficial,
sancionada por lei (a Lex Titia). O título oficial era Triumviri Rei
Publicae Constituendae ("Triúnviros para a Restauração da
República"), conferindo-lhes poder supremo por cinco anos para reorganizar
o Estado.
O primeiro ato do Triunvirato foi brutal: as proscrições.
Listas de inimigos políticos e pessoais foram publicadas, e qualquer um poderia
matá-los legalmente em troca de uma recompensa. Cerca de 300 senadores e 2.000
cavaleiros foram executados, incluindo o grande orador Cícero, um inimigo
pessoal de Marco Antônio. O objetivo era duplo: eliminar a oposição e confiscar
suas riquezas para financiar as legiões necessárias para enfrentar Bruto e
Cássio, que haviam fugido para o Oriente.
A Vingança e a Divisão do Poder
Com Roma "limpa" de seus inimigos, os triúnviros
voltaram sua atenção para o Oriente. Em 42 a.C., na Batalha de Filipos,
na Macedônia, os exércitos combinados de Antônio e Otaviano esmagaram as forças
de Bruto e Cássio, que cometeram suicídio. A causa republicana estava morta.
Com a vitória, eles dividiram o controle do mundo romano:
- Marco
Antônio ficou com o Oriente, as províncias mais ricas e prestigiosas,
incluindo o Egito e sua rainha, Cleópatra.
- Otaviano
recebeu o Ocidente, uma tarefa difícil que incluía a Itália, a Gália e a
Hispânia, e a responsabilidade de assentar dezenas de milhares de
veteranos.
- Lépido,
o parceiro menos influente, recebeu a província da África.
A Colisão dos Titãs: Otaviano vs. Marco Antônio
A paz era frágil. Lépido foi o primeiro a cair. Em 36 a.C.,
ao tentar tomar o controle das legiões de Otaviano na Sicília, foi abandonado
por suas próprias tropas. Otaviano, magnânimo na vitória, poupou sua vida, mas
o removeu do Triunvirato e o exilou, onde permaneceu como Pontifex Maximus
até sua morte.
O confronto final seria entre os dois gigantes restantes.
Enquanto Antônio governava o Oriente a partir de Alexandria, sua relação
política e amorosa com Cleópatra se aprofundava. Ele começou a adotar
costumes orientais e a distribuir territórios romanos para Cleópatra e seus
filhos, em um evento conhecido como as "Doações de Alexandria".
Em Roma, Otaviano conduziu uma magistral campanha de
propaganda. Ele retratou Antônio não como um rival, mas como um traidor
romanizado, enfeitiçado por uma rainha estrangeira e que havia abandonado suas
raízes e sua esposa romana, Otávia (irmã de Otaviano). O ápice da campanha foi
quando Otaviano leu ilegalmente o testamento de Antônio no Senado, revelando
seus desejos de ser enterrado em Alexandria, o que selou sua imagem como
inimigo de Roma.
A guerra tornou-se inevitável. Em 31 a.C., as frotas se
encontraram na costa da Grécia. A Batalha de Ácio foi decisiva. Embora
as forças terrestres fossem equivalentes, a marinha de Otaviano, comandada por
seu brilhante general Marco Agripa, superou a frota de Antônio e Cleópatra, que
fugiram de volta para o Egito. Suas forças restantes se renderam. No ano seguinte,
Otaviano invadiu o Egito, e tanto Antônio quanto Cleópatra cometeram suicídio.
A Ascensão de Augusto e o Nascimento do Império
Aos 33 anos, Otaviano era o senhor absoluto e incontestável
do mundo romano. O Egito foi anexado como sua província pessoal. Ele aprendeu
com o erro de seu pai adotivo: em vez de se declarar ditador, ele agiu com
cautela.
Em 27 a.C., em um movimento político genial, ele se
apresentou ao Senado e "restaurou" a República, devolvendo
simbolicamente seus poderes. Em gratidão, o Senado lhe concedeu um pacote de
poderes legais e um novo nome: Augusto, que significa "o
venerável" ou "o sagrado". Ele também adotou o título de Princeps,
ou "primeiro cidadão".
Na prática, a República nunca retornou. Augusto manteve o
controle sobre as províncias mais importantes (aquelas com legiões), o tesouro
e a autoridade para legislar. Nascia o Principado, o sistema que
conhecemos como o Império Romano. O período de guerras civis que durou quase um
século havia terminado, dando início à era da Pax Romana. O Segundo
Triunvirato, nascido da vingança e da ambição, serviu como o instrumento
sangrento que encerrou uma era e deu início a outra, transformando Otaviano, o
jovem herdeiro, em Augusto, o primeiro imperador.
Referências Bibliográficas
- SUETÔNIO.
A Vida dos Doze Césares. (Especificamente as biografias de "O
Divino Júlio" e "O Divino Augusto").
- PLUTARCO.
Vidas Paralelas. (As biografias de "Antônio",
"Bruto" e "Cícero" são fundamentais para este
período).
- ÁPIO
DE ALEXANDRIA. As Guerras Civis. (Um dos relatos mais detalhados
sobre o período).
- CÁSSIO
DIO. História Romana. (Oferece uma visão senatorial dos eventos).
- GOLDWORTHY,
Adrian. Augustus: First Emperor of Rome. Yale University Press,
2014. (Considerada uma das biografias modernas mais completas de
Augusto).
- SYME,
Ronald. The Roman Revolution. Oxford University Press, 1939. (Uma
obra clássica e seminal que analisa a transformação da República em
Império como uma revolução liderada por Augusto).
- HOLLAND,
Tom. Rubicon: The Last Years of the Roman Republic. Anchor Books,
2005. (Oferece um excelente panorama do contexto que levou ao fim da
República).
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