O arquétipo do "monstro raptor" não é uma
exclusividade do folclore brasileiro. Figuras como o Bicho-Papão, o Homem do
Saco ou o Boogeyman anglo-saxão cumprem a mesma função social. Eles dão
forma a uma ameaça abstrata, tornando-a compreensível para a mente infantil. A
Cuca, especificamente, ameaça sequestrar crianças desobedientes, especialmente
aquelas que não dormem na hora certa ou se aventuram sozinhas em locais
proibidos. A mensagem é clara e direta: a transgressão das regras parentais
resulta em uma consequência terrível e imediata — ser levado para a caverna da
bruxa.
Esse método disciplinar opera em duas frentes.
Primeiramente, ele estabelece fronteiras físicas e comportamentais. A noite, a
floresta e o desconhecido tornam-se o território do monstro, reforçando a
segurança do lar e a autoridade dos pais como protetores. A criança aprende a
temer não apenas a criatura, mas tudo o que ela representa: o afastamento do
núcleo familiar, a quebra de rotinas e a desobediência. Em segundo lugar, o
medo promove a internalização das normas. A ameaça externa da Cuca transforma-se,
com o tempo, em uma voz de controle interna. A regra deixa de ser apenas uma
imposição dos pais para se tornar um princípio que a própria criança busca
seguir para garantir sua segurança.
Contudo, a pedagogia do medo, embora eficaz em seu objetivo
de gerar obediência, é hoje amplamente criticada por suas consequências
psicológicas. Especialistas em desenvolvimento infantil apontam que o uso
sistemático do medo pode gerar ansiedade crônica, pesadelos, distúrbios de sono
e uma relação de desconfiança com as figuras de autoridade. A disciplina
imposta pelo terror não ensina à criança o porquê das regras — os
perigos reais do mundo ou a importância da convivência social —, mas apenas a
obedecer para evitar uma punição fantasiosa.
Em conclusão, a Cuca é um poderoso símbolo de um modelo de
educação que, por séculos, viu no medo uma ferramenta legítima e eficaz. Ela
representa a sabedoria popular encontrando uma forma de traduzir a necessidade
de ordem e segurança em uma linguagem acessível à infância. Ao mesmo tempo, a
evolução das práticas pedagógicas e a crescente valorização da saúde emocional
infantil nos levaram a reavaliar esse método. Hoje, a Cuca sobrevive mais como
um ícone cultural nostálgico do que como uma ameaça real, um testemunho de como
as sociedades transformam seus mitos à medida que seus próprios valores e
conhecimentos evoluem.
Referências Bibliográficas
- CASCUDO,
Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 12. ed. São
Paulo: Global Editora, 2012.
- LOBATO,
Monteiro. O Saci. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. (Obra
original de 1921).
- LAJOLO,
Marisa; ZILBERMAN, Regina. A Formação da Leitura no Brasil. 3. ed.
São Paulo: Editora Ática, 2007.
- ARIÈS,
Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 1981.
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