O Contexto de Efervescência
Para compreender a revolução, é crucial analisar o cenário
egípcio pós-Segunda Guerra Mundial. Embora o Egito tivesse obtido uma
independência nominal do Reino Unido em 1922, a presença militar britânica e
sua influência política e econômica persistiram, especialmente na estratégica
Zona do Canal de Suez. Esta tutela estrangeira alimentava um ressentimento
profundo entre a população e as elites nacionalistas.
Internamente, o Reino do Egito, sob a liderança do Rei
Farouk I, era percebido como corrupto, ineficaz e desconectado das necessidades
de seu povo. A vasta maioria da população vivia na pobreza, enquanto uma
pequena elite, muitas vezes ligada à monarquia ou aos interesses britânicos,
desfrutava de grande riqueza. A estrutura fundiária era extremamente desigual,
com a maior parte da terra cultivável concentrada nas mãos de poucos
latifundiários.
A humilhante derrota egípcia na Guerra Árabe-Israelense de
1948-1949 foi a gota d'água. Oficiais militares jovens e desiludidos, que
haviam testemunhado a desorganização e a corrupção que minavam seus esforços
bélicos, começaram a se organizar em segredo. Este grupo, conhecido como
Movimento dos Oficiais Livres, liderado por figuras como Gamal Abdel Nasser e
Muhammad Naguib, acreditava que apenas uma mudança radical poderia salvar a
nação.
O Dia da Mudança: 23 de Julho de 1952
Na madrugada de 23 de julho de 1952, os Oficiais Livres
lançaram seu golpe. Com uma coordenação impressionante e pouca resistência,
eles tomaram os principais pontos estratégicos do Cairo, incluindo quartéis
militares, prédios governamentais e a estação de rádio. O Rei Farouk, pego de
surpresa e sem apoio militar significativo, foi forçado a abdicar em favor de
seu filho bebê, Fuad II, e exilar-se. A mensagem transmitida pelo rádio
anunciava o fim da tirania e da corrupção e o início de uma nova era para o Egito.
Inicialmente, o Conselho de Comando Revolucionário (CCR),
composto pelos Oficiais Livres, manteve a fachada de uma monarquia
constitucional, nomeando um governo civil. No entanto, a verdadeira autoridade
residia nas mãos do CCR. Em 18 de junho de 1953, a monarquia foi oficialmente
abolida e a República do Egito foi proclamada, com o General Muhammad Naguib
como seu primeiro presidente.
O Nascimento do Egito Moderno e o Legado de Nasser
A ascensão de Gamal Abdel Nasser ao poder, após uma disputa
com Naguib, marcou o início de uma era de transformações profundas. Nasser
tornou-se a figura central do novo Egito, implementando uma série de reformas
radicais:
- Reforma
Agrária: Grandes latifúndios foram redistribuídos, visando melhorar as
condições de vida dos camponeses e quebrar o poder da antiga elite
fundiária.
- Nacionalizações:
Setores-chave da economia, incluindo o emblemático Canal de Suez em 1956,
foram nacionalizados. Esta ação desafiou abertamente potências coloniais
como o Reino Unido e a França, elevando o status do Egito no cenário
internacional e solidificando a imagem de Nasser como um líder
anticolonialista.
- Desenvolvimento
Industrial e Social: O governo investiu pesadamente em
industrialização, educação e saúde, buscando modernizar o país e melhorar
a qualidade de vida da população.
- Pan-Arabismo
e Não-Alinhamento: Nasser tornou-se um dos principais expoentes do
movimento pan-arabista, defendendo a unidade dos povos árabes. Ele também
foi uma figura proeminente no Movimento dos Não-Alinhados, buscando uma
via independente durante a Guerra Fria, equidistante dos blocos soviético
e ocidental.
A Revolução de 1952 foi, portanto, muito mais do que uma
simples troca de poder. Ela representou um divisor de águas na história
egípcia, marcando o fim de uma era de dominação estrangeira e feudalismo, e o
nascimento de um Egito com aspirações nacionalistas, socialistas e
pan-arabistas. Embora o regime de Nasser tenha sido alvo de críticas por seu
caráter autoritário e pela supressão da oposição, é inegável que a revolução
estabeleceu as bases para a identidade e o papel do Egito no século XX e além,
definindo o curso de sua política interna e externa por décadas.
Referências Bibliográficas
- Goldschmidt
Jr., Arthur. Modern Egypt: The Formation of a Nation-State.
Westview Press, 2004.
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P. J. The History of Modern Egypt: From Muhammad Ali to Mubarak.
Johns Hopkins University Press, 1991.
- Owen,
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East. Routledge, 2004.
- Aburish,
Said K. Nasser, The Last Arab. St. Martin's Press, 2004.
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