O Sistema da Mita: O Tributo do Trabalho Obrigatório
O pilar da economia inca era a mita, um sistema de
trabalho compulsório que funcionava como um tributo ao Estado. Não se tratava
de escravidão, mas de um serviço público rotativo e obrigatório para todos os
chefes de família do sexo masculino (hatun runa) em idade produtiva, geralmente
entre 25 e 50 anos.
Características e Funcionamento:
- Convocação:
Cada comunidade (ayllu) era obrigada a enviar uma porcentagem de seus
homens para trabalhar em projetos estatais por um período determinado, que
podia variar de algumas semanas a meses. O sistema era rotativo para não
comprometer a produção agrícola e a subsistência da própria comunidade.
- Tipos
de Trabalho: Os trabalhadores, conhecidos como mitayos, eram
mobilizados para uma vasta gama de atividades essenciais para a manutenção
e expansão do império. Isso incluía:
- Construção
de Infraestrutura: Edificação de estradas (a vasta rede do Qhapaq
Ñan), pontes suspensas, templos, fortalezas (como Sacsayhuamán) e
centros administrativos.
- Agricultura
Estatal: Cultivo de terras pertencentes ao Sapa Inca e ao clero, cuja
produção era destinada aos armazéns estatais.
- Mineração:
Extração de metais preciosos como ouro e prata, que tinham valor
cerimonial e estético, não monetário.
- Serviço
Militar: Formação de exércitos para a defesa e expansão das
fronteiras do império.
- Reciprocidade
Estatal: Em contrapartida ao serviço prestado, o Estado Inca tinha a
obrigação de cuidar dos mitayos. Pelo princípio da reciprocidade, o
governo fornecia alojamento, alimentação (milho, carne seca, batata),
ferramentas, vestimentas e itens de consumo ritual, como folhas de coca e chicha
(uma bebida fermentada de milho). Essa contrapartida era fundamental para
legitimar o sistema e garantir a cooperação das populações subjugadas.
A mita foi a engrenagem que permitiu aos incas realizar suas
monumentais obras de engenharia e sustentar a complexa burocracia imperial,
transformando o trabalho humano no principal capital do Estado.
Produção Agrícola e Armazenamento
A agricultura era a base da subsistência e da riqueza do
Império Inca. Para superar os desafios do terreno andino – com suas encostas
íngremes e variações climáticas extremas –, os incas desenvolveram técnicas
agrícolas sofisticadas.
- Terraços
Agrícolas (Andenes): São a mais notável proeza da engenharia agrícola
inca. Consistiam em estruturas de pedra construídas nas encostas das
montanhas, criando degraus de terra plana. Os terraços serviam a múltiplos
propósitos:
- Maximização
do Espaço: Transformavam áreas íngremes e inutilizáveis em terras
férteis.
- Controle
de Erosão: As paredes de pedra continham o solo, evitando que fosse
levado pelas chuvas.
- Gestão
Hídrica: Eram frequentemente acompanhados por complexos canais de
irrigação que distribuíam a água de forma eficiente.
- Criação
de Microclimas: A retenção de calor pelas pedras durante o dia
protegia as plantas das geadas noturnas, permitindo o cultivo de
diferentes espécies em variadas altitudes.
- Principais
Culturas: A diversidade de ecossistemas permitiu o cultivo de uma
grande variedade de alimentos. Os mais importantes eram:
- Batata:
O principal alimento da dieta andina. Os incas cultivavam milhares de
variedades, adaptadas a diferentes altitudes e condições climáticas. Era
a base da segurança alimentar.
- Milho
(Sara): Cultivado em vales mais baixos e quentes, o milho tinha
grande importância nutricional e cerimonial. Era usado para produzir a chicha,
bebida essencial em rituais e festividades, e também como alimento para a
elite e os exércitos.
- Quinoa:
Conhecido como o "grão-mãe", é um superalimento rico em
proteínas, cultivado nas altas planícies andinas e fundamental para a
nutrição da população.
- Armazenamento
e as Colcas: Para garantir a subsistência durante períodos de escassez
e sustentar o aparato estatal, os incas criaram um elaborado sistema de
armazenamento. A produção agrícola excedente era guardada em armazéns
estatais chamados colcas.
- Essas
estruturas eram estrategicamente construídas em encostas secas e
ventiladas para aproveitar as correntes de ar e as baixas temperaturas,
que ajudavam a conservar os alimentos por longos períodos.
- As
colcas armazenavam alimentos desidratados como o chuño (batata
liofilizada através da exposição ao sol e ao gelo noturno) e o charqui
(carne de lhama ou alpaca seca e salgada), além de grãos, tecidos, armas
e ferramentas.
- Essa
rede de armazéns garantia o sustento dos exércitos em campanha, dos
trabalhadores da mita, da nobreza, dos sacerdotes e da população em geral
em caso de quebra de safra ou desastres naturais. Era a materialização do
poder redistributivo do Estado.
Em síntese, a economia inca era um sistema de gestão de
energia humana e recursos naturais. A mita fornecia a mão de obra, a
agricultura avançada gerava os bens, e as colcas garantiam a estabilidade, tudo
orquestrado por um Estado centralizador que utilizava a redistribuição como sua
principal ferramenta de controle político e social.
Referências Bibliográficas
- D'ALTROY,
Terence N. The Incas. 2ª ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2015.
- ROSTWOROWSKI,
María. History of the Inca Realm. Cambridge: Cambridge University
Press, 1999.
- MURRA,
John V. The Economic Organization of the Inka State. Greenwich, CT:
JAI Press, 1980.
- MC
EWAN, Gordon F. The Incas: New Perspectives. New York: W. W. Norton
& Company, 2006.
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