Escrita por Maquiavel durante seu retiro forçado entre 1513
e 1520, "A Arte da Guerra" reflete sua vivência como secretário da
Chancelaria da República de Florença e sua profunda preocupação com a
fragilidade dos estados italianos da época. O texto é apresentado como um
diálogo envolvente no jardim do palácio Rucellai, em Florença, onde o
comandante Fabrizio Colonna, voz principal do autor, discorre sobre a primazia
da milícia na vida de uma nação.
A Filosofia da Guerra: Uma Necessidade Civil
Um dos pontos mais impactantes que Maquiavel estabelece logo
no prólogo é a inseparabilidade entre a vida civil e a militar. Contrariando a
visão comum de sua época, que as via como dessemelhantes, ele argumenta que
"não se encontrariam coisas mais unidas, mais afins e que,
necessariamente mais se amassem uma a outra" (PROÊMIO). A
defesa é o alicerce de qualquer sociedade bem ordenada; sem ela, todas as leis
e estruturas seriam vãs, como um palácio majestoso sem teto, exposto à chuva.
Para Maquiavel, o cuidado com a segurança é central e crítico para a vida
civil, de sorte que, negligenciá-lo, leva à ruína das cidades. Marte, o deus da
guerra, é também o deus da pólis – uma cidade livre é uma cidade armada.
Essa perspectiva radicalmente realista sobre a política e o
poder destaca que a força e a violência são dimensões incontornáveis para a
conquista, manutenção e preservação do poder político. A guerra não é um evento
isolado, mas uma expressão concreta da vida política, e a preparação militar é
a garantia da sobrevivência.
O Soldado-Cidadão: Uma Revolução para a Época
No coração da proposta maquiaveliana está a defesa fervorosa
de um exército nacional, composto por cidadãos, em detrimento das tropas
mercenárias que dominavam o cenário italiano. Esta era uma ideia subversiva,
pois os mercenários, como explica Fabrizio Colonna, são "rapaces,
fraudulentos, violentos e possuem muitas qualidades as quais necessariamente
não o façam ser bom" (LIVRO PRIMEIRO). Sua lealdade é ao soldo,
não à pátria, o que os torna um perigo constante, tanto em tempos de guerra
(por sua ineficácia e falta de compromisso) quanto de paz (pela tendência a
saquear e desestabilizar para se sustentar).
Maquiavel ilustra isso com exemplos da própria história
italiana e romana, como o caso de Francesco Sforza, que, sendo mercenário,
tomou Milão para si. A preferência por um recrutamento forçado ("deletto")
entre os súditos é a melhor forma de obter um exército confiável, comprometido
com a defesa direta do seu território e das pessoas que nele vivem. O
soldado-cidadão é aquele que, em tempo de paz, retorna às suas artes e ofícios,
e na guerra, combate por amor à sua terra, não por dinheiro. Essa visão, que
preza a virtù e o amor à pátria acima do ganho material, era um clamor
por uma reestruturação profunda da sociedade italiana.
As Lições da Antiguidade: Roma como Modelo Insuperável
Para Maquiavel, a inspiração reside no passado glorioso. O
livro é uma ode à organização militar romana, considerada por ele o modelo mais
eficaz já existente. O pressuposto central de "A Arte da Guerra" é
que a problemática militar moderna deve ser analisada e resolvida à luz das
lições dos antigos, "notadamente dos romanos, os quais, como ninguém,
foram capazes de organizar-se militarmente" (LIVRO PRIMEIRO).
Ele detalha minuciosamente a organização da infantaria
romana, sua superioridade sobre a cavalaria, e a importância de armamentos como
o pilo e o uso estratégico do escudo e da espada. A falange macedônica,
com suas longas sarissas, é analisada e comparada à legião romana,
concluindo-se que, embora eficaz em certas situações, a flexibilidade e a
capacidade de reagrupamento da legião a tornavam imbatível.
A disciplina e o treinamento são exaltados. Os romanos,
segundo Maquiavel, não apenas possuíam a melhor estrutura, mas também se
dedicavam exaustivamente ao aprimoramento físico e técnico de seus soldados. A
ênfase na preparação física (velocidade, destreza, força, resistência a
desconfortos) e no manuseio das armas, com exercícios que incluíam o uso de
armamentos mais pesados que os reais, visava tornar as verdadeiras armas
"levíssimas" em combate. A constante exercitação, o reconhecimento de
sinais e comandos, a capacidade de manter a ordem em qualquer situação – tudo
isso contribuía para a "virtù" de um exército. Maquiavel
lamenta que, em seu tempo, esses exercícios tivessem sido negligenciados,
levando à fraqueza militar da Itália.
A Atualidade Perene de Maquiavel
"A Arte da Guerra" transcende sua época e seu tema
específico para oferecer insights valiosos sobre liderança, organização e
resiliência. Embora o contexto da guerra tenha mudado drasticamente com a
evolução tecnológica (Maquiavel já aborda o impacto da artilharia, mas ainda em
seus primórdios), os princípios que ele estabelece permanecem atemporais:
- A
Importância da Preparação: A necessidade de constante treinamento e
adaptação para enfrentar desafios inesperados.
- Liderança
e Disciplina: A figura do capitão, sua reputação e a obediência cega
dos soldados como pilares de um exército eficaz.
- Análise
Estratégica: A consideração do terreno, do clima, da quantidade e
qualidade do inimigo, e a capacidade de inovar e enganar.
- Psicologia
do Combate: A importância de manter o moral da tropa, lidar com o medo
e a superstição, e a arte da oratória para inspirar.
- A
Vulnerabilidade dos Impérios: A decadência de uma sociedade está
intrinsecamente ligada à sua capacidade de defender-se.
Maquiavel encerra a obra com um lamento patriótico,
expressando seu desejo de ver a Itália ressuscitar e se unir, forjando uma
milícia com a virtù dos antigos romanos. Ele desafia os príncipes de sua
época a adotarem essas ideias, afirmando que "Aquele então que despreza
tais pensamentos, se ele é príncipe, ele despreza o seu principado; se ele é
cidadão, sua cidade" (LIVRO SÉTIMO). Sua obra é um convite à ação,
uma denúncia da indolência e uma visão de como a disciplina e o conhecimento
podem transformar a fortuna de um povo.
Se você se interessa por estratégia, liderança, história
militar, ou simplesmente quer entender a mente de um dos maiores pensadores
políticos de todos os tempos, "A Arte da Guerra" é uma obra que
desafia e ilumina.
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esta obra continua a ser um clássico indispensável para líderes e estrategistas
em qualquer campo.
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