Os Pilares da Cidadania
Para entender a democracia ateniense, é crucial primeiro
definir quem era o "cidadão" (polites). O direito à cidadania
era restrito e exclusivo. Apenas homens adultos (geralmente acima de 20 anos),
livres, nascidos em Atenas e filhos de pai e mãe atenienses podiam participar
plenamente da vida política. Mulheres, escravos e estrangeiros residentes
(metecos) estavam completamente excluídos do processo político, o que significa
que a democracia ateniense era, na prática, o governo de uma minoria da
população total.
As Instituições Centrais do Governo
O sistema democrático ateniense era sustentado por três
instituições principais, onde o poder popular se manifestava de forma mais
clara.
1. A Assembleia (Ekklesia)
A Ekklesia era o coração da democracia ateniense. Era
o órgão soberano onde todos os cidadãos qualificados tinham o direito de
comparecer, debater e votar sobre as questões mais importantes do Estado.
- Funcionamento:
As reuniões ocorriam cerca de 40 vezes por ano na colina Pnyx. Qualquer
cidadão podia tomar a palavra para propor, debater ou emendar leis. As
decisões eram tomadas por maioria simples, geralmente com a mão levantada.
- Poderes:
A Assembleia detinha o poder supremo. Suas responsabilidades incluíam
declarar guerra e paz, aprovar leis, eleger certos magistrados (como os
generais, ou strategoi), auditar as contas públicas e decidir sobre
o ostracismo — o exílio de um cidadão por dez anos, caso fosse considerado
uma ameaça à democracia.
2. O Conselho dos 500 (Boulé)
Enquanto a Assembleia era o poder soberano, a Boulé
funcionava como o comitê executivo e administrativo do governo.
- Composição:
Era composta por 500 cidadãos, com mais de 30 anos, sendo 50 de cada uma
das dez tribos de Atenas. A seleção era feita por sorteio
(sortition), não por eleição. Cada cidadão só podia servir no conselho
duas vezes na vida, e nunca em anos consecutivos.
- Função:
A principal tarefa da Boulé era preparar a pauta (probouleuma) para
as reuniões da Assembleia. Além disso, supervisionava a administração
diária da cidade, fiscalizava as finanças e os magistrados, e cuidava das
relações exteriores. O uso do sorteio era fundamental, pois garantia a
rotatividade e impedia a formação de uma classe política profissional ou a
concentração de poder.
3. Os Tribunais Populares (Dikasteria)
O poder judiciário também estava nas mãos dos cidadãos. Os Dikasteria
eram grandes júris populares que julgavam casos públicos e privados.
- Composição:
Os jurados (dikastas) eram selecionados por sorteio anualmente
entre um corpo de 6.000 voluntários com mais de 30 anos. Para cada
julgamento, um número variável de jurados (de 201 a mais de 1.001) era
sorteado para ouvir o caso.
- Funcionamento:
Não havia juízes profissionais ou advogados no sentido moderno. Os
próprios litigantes apresentavam seus casos, e os jurados votavam
secretamente, sem deliberação, para dar o veredito. Este sistema garantia
que a justiça refletisse os valores da comunidade e não fosse controlada
por uma elite.
Princípios Fundamentais
Dois conceitos eram essenciais para o ideal democrático
ateniense:
- Isonomia:
A igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Independentemente de sua
riqueza ou status social, todo cidadão tinha os mesmos direitos e deveres
legais.
- Isegoria:
O direito igual de todos os cidadãos de falar na Assembleia. Este
princípio garantia que qualquer voz, de um artesão pobre a um aristocrata
rico, pudesse ser ouvida no debate público.
O Legado e as Limitações
A democracia ateniense era um sistema extraordinariamente
radical para sua época, que afirmava a capacidade dos cidadãos comuns de se
autogovernarem. Mecanismos como o sorteio, a rotatividade de cargos e o
pagamento por serviços públicos permitiram uma participação ampla e efetiva.
Contudo, suas falhas são evidentes para os padrões modernos.
A exclusão da vasta maioria da população e a vulnerabilidade à demagogia
(quando oradores carismáticos manipulavam as emoções da multidão) são suas
críticas mais contundentes. Apesar disso, o experimento ateniense lançou as
bases para o pensamento político ocidental, criando um ideal de governo pelo
povo que, mesmo transformado, continua a inspirar o mundo até hoje.
Referências Bibliográficas
- Hansen,
Mogens Herman. The Athenian Democracy in the Age of Demosthenes:
Structure, Principles, and Ideology. University of Oklahoma Press,
1999. (Considerada a obra de referência mais completa sobre o
funcionamento prático da democracia ateniense).
- Aristóteles.
A Constituição de Atenas. (Uma fonte primária fundamental, escrita
no século IV a.C., que descreve a história e a estrutura das instituições
políticas de Atenas).
- Ober,
Josiah. Mass and Elite in Democratic Athens: Rhetoric, Ideology,
and the Power of the People. Princeton University Press, 1989.
(Analisa a dinâmica de poder entre a elite e a massa de cidadãos,
argumentando sobre a força real do povo).
- Finley,
M. I. Democracy Ancient and Modern. Rutgers University Press,
1985. (Um ensaio clássico que compara os princípios e as práticas da
democracia ateniense com as democracias modernas, destacando suas
diferenças fundamentais).
- Tucídides.
História da Guerra do Peloponeso. (Especialmente o "Discurso
Fúnebre de Péricles" no Livro II, que oferece uma visão idealizada
dos valores democráticos atenienses por um de seus maiores estadistas).
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