O Sistema Comunitário: O Ayllu e as Relações Familiares
O pilar da sociedade Inca era o ayllu, a unidade
social e econômica fundamental. O ayllu pode ser definido como um grupo de
famílias que se consideravam descendentes de um antepassado comum, real ou
mítico (huaca). Essa ancestralidade compartilhada criava laços de
parentesco e solidariedade que governavam a vida cotidiana.
As principais características do ayllu eram:
- Propriedade
Coletiva da Terra: A terra não pertencia a indivíduos, mas ao ayllu
como um todo. O chefe local, o kuraka, era responsável por
distribuir anualmente os lotes de terra (tupus) para cada família
nuclear, com base em seu tamanho e necessidades. Embora a posse fosse
coletiva, o usufruto era familiar.
- Reciprocidade
(Ayni): As relações dentro do ayllu eram regidas pelo princípio do ayni,
um sistema de ajuda mútua. Se uma família precisava de ajuda para
construir uma casa ou colher sua safra, seus vizinhos a ajudavam, com a
expectativa de que o favor seria retribuído no futuro. Esse sistema
garantia a coesão e a sobrevivência da comunidade.
- Trabalho
Comunal (Minka): Além do ayni, existia a minka, que consistia
no trabalho coletivo realizado em benefício de todo o ayllu, como a
construção de terraços agrícolas, canais de irrigação ou depósitos de
alimentos.
- Liderança
do Kuraka: Cada ayllu era liderado por um kuraka, que atuava
como intermediário entre a comunidade e o poder central do Estado Inca.
Ele organizava a distribuição de terras, supervisionava os trabalhos e,
crucialmente, era o responsável por garantir que o ayllu cumprisse sua
obrigação de trabalho para o Estado, a mita.
Dentro deste sistema, a família nuclear era a unidade de
produção básica. O casamento (servinakuy, em alguns casos um período de
teste) era um passo fundamental, pois apenas casais estabelecidos recebiam o
direito a uma parcela de terra e eram considerados membros plenos da comunidade
(hatun runa).
A Hierarquia Social Inca
A sociedade Inca era profundamente estratificada,
assemelhando-se a uma pirâmide com pouca ou nenhuma mobilidade social. No topo
estava o imperador, e na base, os trabalhadores e prisioneiros.
Classe
Social |
Composição |
Funções e Direitos |
Sapa Inca e Realeza |
O imperador (Sapa Inca), considerado filho do deus sol
(Inti), sua esposa principal (Coya) e o príncipe herdeiro (Auqui). |
Poder absoluto, divino e centralizado. Dono de todas as
terras e recursos do império. Comandava o exército, a religião e a
administração. |
Nobreza (Panaca) |
Nobreza de Sangue: Parentes do Sapa Inca e
descendentes dos imperadores anteriores. Nobreza de Privilégio: Indivíduos
de origem comum que ascendiam por mérito militar, administrativo ou
intelectual. |
Ocupavam os mais altos cargos do governo, como
governadores de províncias (apos), chefes militares e sumos
sacerdotes. Isentos de tributos em trabalho e possuíam terras, servos e bens
de luxo. |
Povo Comum |
Artesãos: Especialistas como ourives, ceramistas e
tecelões que trabalhavam para o Estado e a nobreza. Camponeses (Hatun
Runa): A grande maioria da população, organizada nos ayllus. |
Os artesãos tinham um status superior ao dos camponeses.
Os hatun runa eram a força de trabalho do império, cultivavam a terra
e prestavam o serviço obrigatório da mita (trabalho em obras públicas,
minas ou no exército). |
Base da Sociedade |
Yanaconas: Servos que eram retirados de seus ayllus
para servir permanentemente à nobreza ou ao Estado. Sua condição era
frequentemente hereditária. Piñas: Prisioneiros de guerra,
considerados a classe mais baixa. Eram forçados a trabalhar em condições
perigosas, como em plantações de coca ou minas, sendo o grupo mais próximo do
que se entende por escravizados. |
Os yanaconas não possuíam terras nem estavam
sujeitos à mita, mas sim a um estado de servidão. Os piñas não
tinham quaisquer direitos e eram propriedade do Estado. |
Conclusão
A sociedade Inca demonstrava uma fascinante dualidade. Em
sua base, o ayllu promovia a solidariedade, a reciprocidade e um senso de
comunidade que garantia a subsistência coletiva. Em contraste, o Estado impunha
uma estrutura hierárquica e autoritária, na qual o indivíduo estava subordinado
aos interesses do império, personificados na figura divina do Sapa Inca. Foi a
capacidade de articular essa organização comunitária com um controle
centralizado, através de mecanismos como a mita e a administração dos kurakas,
que permitiu aos Incas construir e sustentar um dos maiores e mais organizados
impérios da história.
Referências Bibliográficas (conforme ABNT NBR 6023)
ROSTWOROWSKI, María. História do Império Inca.
Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MURRA, John V. La organización económica del estado inca.
3. ed. Cidade do México: Siglo XXI Editores, 1989.
METRAUX, Alfred. Os Incas. Tradução de Maria Lúcia de
Oliveira. Lisboa: Edições 70, 1982.
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