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Introdução
O Conde de Palma, Francisco da Borja Garção Stockler, é uma
das figuras mais intrigantes da transição entre o Iluminismo e o período das
lutas liberais no mundo luso-brasileiro. Matemático de renome, membro da
Academia das Ciências de Lisboa e autor de obras importantes em lógica e
filosofia, Stockler também desempenhou papel político como governador dos
Açores e presidente da Junta do Rio de Janeiro, tendo sido nomeado Conde por D.
João VI.
Entretanto, sua atuação pública nem sempre refletiu os
valores racionalistas e humanistas que defendia em seus escritos. Suas ações
como censor e repressor de ideias liberais lhe renderam severas críticas,
incluindo acusações de hipocrisia e autoritarismo. O presente estudo visa
apresentar uma análise crítica de sua vida e obra, destacando os paradoxos de
sua trajetória.
Formação Intelectual e Produção Científica
Garção Stockler nasceu em Lisboa, em 1759, filho de um
oficial do exército austríaco. Demonstrando cedo talento para as ciências
exatas, estudou matemática na Universidade de Coimbra, numa época de reformas
pombalinas que buscavam modernizar o ensino superior em Portugal.
Publicou obras de grande impacto, como "Elementos de
Lógica" (1791) e "Ensaio Histórico sobre a Origem e os
Progressos das Matemáticas em Portugal" (1819), considerada uma das
primeiras tentativas sistemáticas de historiografia científica em língua
portuguesa (Simões, 1995). Sua filiação ao Iluminismo era visível em sua
valorização da razão, da ciência e da educação como instrumentos de progresso nacional.
“A razão pura, quando livre de preconceitos, é a luz que
guia os povos à felicidade civil” (Stockler, 1791, p. 12).
Atuação Política: Dos Açores ao Brasil
Nomeado Governador e Capitão General dos Açores em 1812,
Garção Stockler enfrentou o avanço das ideias liberais com repressão. Defensor
da monarquia absolutista, reprimiu levantes populares e perseguiu adversários
políticos, atitude que contrastava fortemente com seus ideais teóricos de
liberdade intelectual.
Durante a Revolução Liberal do Porto (1820), foi acusado de
traição à causa liberal e preso. Em 1823, após a restauração absolutista
liderada por D. Miguel, foi recompensado com o título de Conde de Palma e
enviado ao Brasil como presidente da Junta do Rio de Janeiro, onde manteve sua
postura autoritária.
Segundo Saraiva (2000), “sua figura simboliza a tensão entre
o Iluminismo e o absolutismo lusitano, uma espécie de Diderot que, ao invés de
subverter a ordem, a reforça com verniz científico”.
Contradições e Legado
O dualismo entre o cientista iluminista e o político
conservador revela um dos traços mais marcantes da vida de Garção Stockler. Sua
obra científica é inegavelmente relevante, mas seu legado político é
controverso.
Autores como Luís Reis Torgal (1981) destacam que Stockler
representa o “iluminista de gabinete” que, fora do campo acadêmico, alinha-se
ao autoritarismo, anulando a crítica e a liberdade de pensamento que tanto
valorizava em teoria.
Em seus escritos filosóficos, Stockler criticava o
dogmatismo religioso e defendia o livre exame; na prática, censurava obras e
perseguia opositores liberais. Essa ambiguidade reflete os dilemas enfrentados
por muitos intelectuais do final do século XVIII e início do XIX em Portugal.
Conclusão
Francisco da Borja Garção Stockler é uma figura complexa que
ilustra as ambiguidades da transição entre o Antigo Regime e a modernidade
política em Portugal e no Brasil. Sua trajetória mostra que o Iluminismo, no
mundo luso-brasileiro, não foi um bloco homogêneo, mas um campo de disputas
entre ideais e práticas contraditórias. Estudar Stockler é compreender os
limites da razão no contexto do absolutismo tardio e os dilemas de uma elite
intelectual que oscilava entre o progresso e a repressão.
Referências Bibliográficas
- SIMÕES,
C. J. (1995). A matemática em Portugal no século XVIII. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
- TORGAL,
L. R. (1981). Ideologia e Política: A Revolução de 1820. Coimbra:
Almedina.
- SARAIVA,
J. H. (2000). História Concisa de Portugal. Lisboa: Publicações
Europa-América.
- STOCKLER,
F. B. G. (1791). Elementos de Lógica. Lisboa: Tipografia Régia.
- STOCKLER,
F. B. G. (1819). Ensaio Histórico sobre a Origem e os Progressos das
Matemáticas em Portugal. Lisboa: Academia Real das Ciências.
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