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terça-feira, 27 de maio de 2025

Francisco da Borja Garção Stockler, o Conde de Palma: Ciência, Política e Contradições de um Iluminista Luso-Brasileiro

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Francisco da Borja Garção Stockler (1759–1829), mais conhecido como Conde de Palma, representa uma figura multifacetada do final do Antigo Regime português. Matemático, filósofo, político e escritor, Stockler transitou entre os ideais iluministas e a repressão absolutista, especialmente durante seu governo nos Açores e sua atuação no Brasil. Este artigo busca analisar sua trajetória intelectual e política, destacando as contradições entre sua produção científica e sua prática autoritária no exercício do poder. A pesquisa fundamenta-se em fontes primárias e secundárias, discutindo sua relevância na história luso-brasileira.

Introdução

O Conde de Palma, Francisco da Borja Garção Stockler, é uma das figuras mais intrigantes da transição entre o Iluminismo e o período das lutas liberais no mundo luso-brasileiro. Matemático de renome, membro da Academia das Ciências de Lisboa e autor de obras importantes em lógica e filosofia, Stockler também desempenhou papel político como governador dos Açores e presidente da Junta do Rio de Janeiro, tendo sido nomeado Conde por D. João VI.

Entretanto, sua atuação pública nem sempre refletiu os valores racionalistas e humanistas que defendia em seus escritos. Suas ações como censor e repressor de ideias liberais lhe renderam severas críticas, incluindo acusações de hipocrisia e autoritarismo. O presente estudo visa apresentar uma análise crítica de sua vida e obra, destacando os paradoxos de sua trajetória.

Formação Intelectual e Produção Científica

Garção Stockler nasceu em Lisboa, em 1759, filho de um oficial do exército austríaco. Demonstrando cedo talento para as ciências exatas, estudou matemática na Universidade de Coimbra, numa época de reformas pombalinas que buscavam modernizar o ensino superior em Portugal.

Publicou obras de grande impacto, como "Elementos de Lógica" (1791) e "Ensaio Histórico sobre a Origem e os Progressos das Matemáticas em Portugal" (1819), considerada uma das primeiras tentativas sistemáticas de historiografia científica em língua portuguesa (Simões, 1995). Sua filiação ao Iluminismo era visível em sua valorização da razão, da ciência e da educação como instrumentos de progresso nacional.

“A razão pura, quando livre de preconceitos, é a luz que guia os povos à felicidade civil” (Stockler, 1791, p. 12).

Atuação Política: Dos Açores ao Brasil

Nomeado Governador e Capitão General dos Açores em 1812, Garção Stockler enfrentou o avanço das ideias liberais com repressão. Defensor da monarquia absolutista, reprimiu levantes populares e perseguiu adversários políticos, atitude que contrastava fortemente com seus ideais teóricos de liberdade intelectual.

Durante a Revolução Liberal do Porto (1820), foi acusado de traição à causa liberal e preso. Em 1823, após a restauração absolutista liderada por D. Miguel, foi recompensado com o título de Conde de Palma e enviado ao Brasil como presidente da Junta do Rio de Janeiro, onde manteve sua postura autoritária.

Segundo Saraiva (2000), “sua figura simboliza a tensão entre o Iluminismo e o absolutismo lusitano, uma espécie de Diderot que, ao invés de subverter a ordem, a reforça com verniz científico”.

Contradições e Legado

O dualismo entre o cientista iluminista e o político conservador revela um dos traços mais marcantes da vida de Garção Stockler. Sua obra científica é inegavelmente relevante, mas seu legado político é controverso.

Autores como Luís Reis Torgal (1981) destacam que Stockler representa o “iluminista de gabinete” que, fora do campo acadêmico, alinha-se ao autoritarismo, anulando a crítica e a liberdade de pensamento que tanto valorizava em teoria.

Em seus escritos filosóficos, Stockler criticava o dogmatismo religioso e defendia o livre exame; na prática, censurava obras e perseguia opositores liberais. Essa ambiguidade reflete os dilemas enfrentados por muitos intelectuais do final do século XVIII e início do XIX em Portugal.

Conclusão

Francisco da Borja Garção Stockler é uma figura complexa que ilustra as ambiguidades da transição entre o Antigo Regime e a modernidade política em Portugal e no Brasil. Sua trajetória mostra que o Iluminismo, no mundo luso-brasileiro, não foi um bloco homogêneo, mas um campo de disputas entre ideais e práticas contraditórias. Estudar Stockler é compreender os limites da razão no contexto do absolutismo tardio e os dilemas de uma elite intelectual que oscilava entre o progresso e a repressão.

Referências Bibliográficas

  • SIMÕES, C. J. (1995). A matemática em Portugal no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
  • TORGAL, L. R. (1981). Ideologia e Política: A Revolução de 1820. Coimbra: Almedina.
  • SARAIVA, J. H. (2000). História Concisa de Portugal. Lisboa: Publicações Europa-América.
  • STOCKLER, F. B. G. (1791). Elementos de Lógica. Lisboa: Tipografia Régia.
  • STOCKLER, F. B. G. (1819). Ensaio Histórico sobre a Origem e os Progressos das Matemáticas em Portugal. Lisboa: Academia Real das Ciências.

 

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