Radio Evangélica

domingo, 31 de agosto de 2025

O Segundo Período Intermediário: A Ascensão dos Hicsos e o Declínio do Poder Egípcio

O Egito Antigo, conhecido por sua longa história de estabilidade e prosperidade sob o domínio de faraós unificadores, enfrentou períodos de fragmentação e desafios internos. Um dos mais emblemáticos desses tempos turbulentos foi o Segundo Período Intermediário (c. 1650-1550 a.C.), uma era marcada pelo declínio da autoridade central, o surgimento de reinos regionais e, notavelmente, a ascensão e o domínio de um povo estrangeiro conhecido como Hicsos. Este período não apenas testou a resiliência do Estado egípcio, mas também pavimentou o caminho para a glória do Novo Reino.

A Fragmentação Pós-Reino Médio e a Chegada dos Hicsos

O Segundo Período Intermediário sucedeu o próspero Reino Médio (c. 2055-1650 a.C.), que, apesar de suas realizações culturais e administrativas, começou a mostrar sinais de fraqueza no final da 12ª e, principalmente, durante a 13ª Dinastia. A centralização do poder faraônico gradualmente diminuiu, enquanto a autonomia dos nomarcas (governadores regionais) aumentava. Problemas econômicos, possíveis mudanças climáticas afetando as cheias do Nilo e uma sucessão de faraós de curta duração contribuíram para a desestabilização (SHAW, 2000, p. 195).

Nesse cenário de fragmentação, grupos de povos semitas oriundos do Levante (Ásia Ocidental) começaram a migrar para o Delta do Nilo. Inicialmente, essas migrações eram pacíficas e visavam o comércio ou a busca por terras férteis. No entanto, com o enfraquecimento do controle egípcio, esses grupos, que já possuíam uma presença significativa no Delta oriental, consolidaram seu poder, dando origem à 15ª Dinastia, conhecida como os Hicsos (do egípcio heka khasut, "governantes de terras estrangeiras") (GRIMAL, 1992, p. 187).

O Domínio Hicso: Governança e Influência Cultural

Os Hicsos estabeleceram sua capital em Avaris (moderna Tell el-Dab'a), no Delta oriental. De lá, eles controlavam vastas porções do Baixo Egito e exerciam influência sobre o Médio Egito. A 15ª Dinastia Hicso coexistiu com outras dinastias egípcias locais, sendo a mais proeminente a 16ª Dinastia, também estabelecida no Delta, e a 17ª Dinastia tebana, que mantinha o controle do Alto Egito (RYHOLT, 1997, p. 1). Essa coexistência não era sempre harmoniosa, mas caracterizava uma dinâmica política complexa e multifacetada.

Apesar de serem considerados invasores por historiadores egípcios posteriores, os Hicsos não buscaram erradicar a cultura egípcia. Pelo contrário, eles adotaram muitos aspectos da administração, religião e arte egípcias. Seus governantes assumiram títulos faraônicos e patrocinaram escribas egípcios. Contudo, trouxeram consigo inovações tecnológicas militares que seriam cruciais para o futuro do Egito: o arco composto, mais poderoso que os arcos egípcios tradicionais, e o uso de cavalos e carros de guerra (CHARRON, 2018, p. 89). Essas tecnologias seriam posteriormente assimiladas pelos próprios egípcios e fundamentais para a expansão militar do Novo Reino.

A Resistência Tebana e a Expulsão dos Hicsos

Ainda que o poder hicso fosse substancial, o Alto Egito, com sua capital em Tebas, permaneceu sob o controle de dinastias egípcias nativas (a 17ª Dinastia). Os príncipes tebanos consideravam os Hicsos usurpadores e gradualmente consolidaram uma resistência, buscando a reunificação do Egito. Essa fase é marcada por figuras heróicas que se tornariam símbolos da libertação egípcia.

O conflito escalou sob faraós tebanos como Seqenenre Tao, que provavelmente morreu em batalha contra os Hicsos, como sugerem as severas feridas encontradas em sua múmia (SHAW, 2000, p. 200). Seu sucessor, Kamose, continuou a guerra, avançando profundamente no território hicso e registrando suas vitórias em estelas comemorativas. Ele descreveu os Hicsos como "asiáticos" e expressou seu desejo de "expulsá-los" de suas terras (GRIMAL, 1992, p. 192).

A tarefa final de expulsão coube a Ahmose, irmão de Kamose e fundador da 18ª Dinastia, que inauguraria o Novo Reino. Ahmose liderou uma campanha militar decisiva que culminou na tomada de Avaris e na perseguição dos Hicsos até Sharuchen, no sul da Palestina, pondo fim ao seu domínio sobre o Egito (SHAW, 2000, p. 204).

Legado do Segundo Período Intermediário

A expulsão dos Hicsos e a reunificação do Egito por Ahmose não apenas restauraram a soberania egípcia, mas também moldaram profundamente a mentalidade do Estado. A experiência da dominação estrangeira instilou nos faraós do Novo Reino uma nova abordagem política: a necessidade de criar um império defensivo, expandindo as fronteiras egípcias para proteger o Vale do Nilo de futuras invasões. As inovações militares hicsas, agora dominadas pelos egípcios, seriam instrumentos poderosos nessa nova política expansionista. Assim, o Segundo Período Intermediário, embora um capítulo de declínio e fragmentação, foi também um catalisador para um dos períodos mais gloriosos da história egípcia, o Novo Reino, caracterizado por sua força militar, prosperidade e influência imperial.

 

Referências Bibliográficas

CHARRON, Andrew. Warfare and Military Development in Ancient Egypt: An Overview. In: WILKINSON, Richard H.; CHARRON, Andrew (ed.). Egyptology Today. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. p. 80-105.

GRIMAL, Nicolas. A History of Ancient Egypt. Translated by Ian Shaw. Oxford, UK: Blackwell Publishers, 1992.

RYHOLT, Kim. The Political Situation in Egypt during the Second Intermediate Period, c. 1800-1550 B.C.. Copenhagen: Carsten Niebuhr Institute of Near Eastern Studies, University of Copenhagen, 1997.

SHAW, Ian (ed.). The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford: Oxford University Press, 2000.

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