A Fragmentação Pós-Reino Médio e a Chegada dos Hicsos
O Segundo Período Intermediário sucedeu o próspero Reino
Médio (c. 2055-1650 a.C.), que, apesar de suas realizações culturais e
administrativas, começou a mostrar sinais de fraqueza no final da 12ª e,
principalmente, durante a 13ª Dinastia. A centralização do poder faraônico
gradualmente diminuiu, enquanto a autonomia dos nomarcas (governadores
regionais) aumentava. Problemas econômicos, possíveis mudanças climáticas
afetando as cheias do Nilo e uma sucessão de faraós de curta duração
contribuíram para a desestabilização (SHAW, 2000, p. 195).
Nesse cenário de fragmentação, grupos de povos semitas
oriundos do Levante (Ásia Ocidental) começaram a migrar para o Delta do Nilo.
Inicialmente, essas migrações eram pacíficas e visavam o comércio ou a busca
por terras férteis. No entanto, com o enfraquecimento do controle egípcio,
esses grupos, que já possuíam uma presença significativa no Delta oriental,
consolidaram seu poder, dando origem à 15ª Dinastia, conhecida como os Hicsos
(do egípcio heka khasut, "governantes de terras estrangeiras")
(GRIMAL, 1992, p. 187).
O Domínio Hicso: Governança e Influência Cultural
Os Hicsos estabeleceram sua capital em Avaris (moderna Tell
el-Dab'a), no Delta oriental. De lá, eles controlavam vastas porções do Baixo
Egito e exerciam influência sobre o Médio Egito. A 15ª Dinastia Hicso coexistiu
com outras dinastias egípcias locais, sendo a mais proeminente a 16ª Dinastia,
também estabelecida no Delta, e a 17ª Dinastia tebana, que mantinha o controle
do Alto Egito (RYHOLT, 1997, p. 1). Essa coexistência não era sempre
harmoniosa, mas caracterizava uma dinâmica política complexa e multifacetada.
Apesar de serem considerados invasores por historiadores
egípcios posteriores, os Hicsos não buscaram erradicar a cultura egípcia. Pelo
contrário, eles adotaram muitos aspectos da administração, religião e arte
egípcias. Seus governantes assumiram títulos faraônicos e patrocinaram escribas
egípcios. Contudo, trouxeram consigo inovações tecnológicas militares que
seriam cruciais para o futuro do Egito: o arco composto, mais poderoso que os
arcos egípcios tradicionais, e o uso de cavalos e carros de guerra (CHARRON,
2018, p. 89). Essas tecnologias seriam posteriormente assimiladas pelos
próprios egípcios e fundamentais para a expansão militar do Novo Reino.
A Resistência Tebana e a Expulsão dos Hicsos
Ainda que o poder hicso fosse substancial, o Alto Egito, com
sua capital em Tebas, permaneceu sob o controle de dinastias egípcias nativas
(a 17ª Dinastia). Os príncipes tebanos consideravam os Hicsos usurpadores e
gradualmente consolidaram uma resistência, buscando a reunificação do Egito.
Essa fase é marcada por figuras heróicas que se tornariam símbolos da
libertação egípcia.
O conflito escalou sob faraós tebanos como Seqenenre Tao,
que provavelmente morreu em batalha contra os Hicsos, como sugerem as severas
feridas encontradas em sua múmia (SHAW, 2000, p. 200). Seu sucessor, Kamose,
continuou a guerra, avançando profundamente no território hicso e registrando
suas vitórias em estelas comemorativas. Ele descreveu os Hicsos como
"asiáticos" e expressou seu desejo de "expulsá-los" de suas
terras (GRIMAL, 1992, p. 192).
A tarefa final de expulsão coube a Ahmose, irmão de Kamose e
fundador da 18ª Dinastia, que inauguraria o Novo Reino. Ahmose liderou uma
campanha militar decisiva que culminou na tomada de Avaris e na perseguição dos
Hicsos até Sharuchen, no sul da Palestina, pondo fim ao seu domínio sobre o
Egito (SHAW, 2000, p. 204).
Legado do Segundo Período Intermediário
A expulsão dos Hicsos e a reunificação do Egito por Ahmose
não apenas restauraram a soberania egípcia, mas também moldaram profundamente a
mentalidade do Estado. A experiência da dominação estrangeira instilou nos
faraós do Novo Reino uma nova abordagem política: a necessidade de criar um
império defensivo, expandindo as fronteiras egípcias para proteger o Vale do
Nilo de futuras invasões. As inovações militares hicsas, agora dominadas pelos
egípcios, seriam instrumentos poderosos nessa nova política expansionista.
Assim, o Segundo Período Intermediário, embora um capítulo de declínio e
fragmentação, foi também um catalisador para um dos períodos mais gloriosos da
história egípcia, o Novo Reino, caracterizado por sua força militar,
prosperidade e influência imperial.
Referências Bibliográficas
CHARRON, Andrew. Warfare and Military Development in Ancient
Egypt: An Overview. In: WILKINSON, Richard H.; CHARRON, Andrew (ed.). Egyptology
Today. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. p. 80-105.
GRIMAL, Nicolas. A History of Ancient Egypt.
Translated by Ian Shaw. Oxford, UK: Blackwell Publishers, 1992.
RYHOLT, Kim. The Political Situation in Egypt during the
Second Intermediate Period, c. 1800-1550 B.C.. Copenhagen: Carsten Niebuhr
Institute of Near Eastern Studies, University of Copenhagen, 1997.
SHAW, Ian (ed.). The Oxford History of Ancient Egypt.
Oxford: Oxford University Press, 2000.
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