Uma das passagens mais provocativas sobre esse tema se
encontra no Evangelho de Mateus, em uma parábola contada por Jesus. Em Mateus
22:5, lemos uma resposta desconcertante a um convite grandioso:
"Mas eles não lhes deram atenção e se foram, um para
o seu campo, e outro para os seus negócios."
Este versículo, embora breve, carrega o peso de uma verdade
universal e atemporal sobre as prioridades humanas.
Desvendando a Parábola: Mais do que uma Recusa
A passagem está na Parábola das Bodas. Um rei prepara um
suntuoso banquete de casamento para seu filho – um evento de máxima honra e
celebração. Ele envia seus servos para chamar os convidados, mas a reação é de
puro desinteresse.
O ponto crucial aqui não é uma oposição hostil ou uma
impossibilidade genuína de comparecer. A resposta foi a indiferença. Os
convidados não argumentaram, não se revoltaram; eles simplesmente ignoraram o
convite e voltaram para suas rotinas. O campo (o trabalho braçal, a
subsistência) e os negócios (o comércio, a ambição financeira) foram
considerados mais importantes do que a honra de estar na presença do rei.
No simbolismo da parábola, o Rei é Deus, o banquete é a
oferta da salvação, da comunhão e do Reino dos Céus, e os convidados somos nós.
O convite é a graça divina estendida a todos.
O "Campo" e os "Negócios" do Século
XXI
Hoje, nossos "campos" e "negócios"
assumiram formas diversas e sofisticadas. Eles são:
- Nossa
carreira: A busca por promoções, o crescimento profissional e a
construção de um legado.
- Nossos
projetos: As metas de expansão, os empreendimentos autônomos e a busca
por inovação.
- Nossos
estudos: A aquisição de novas habilidades e o aprimoramento contínuo.
- Nossas
finanças: A administração de investimentos e a busca por segurança
material.
- Nossas
distrações: As redes sociais, o entretenimento sob demanda e os
passatempos que consomem nosso tempo livre.
Nenhuma dessas atividades é inerentemente má. Pelo
contrário, são partes legítimas e necessárias da vida. O perigo descrito por
Jesus não reside no ato de trabalhar ou de administrar negócios, mas em
permitir que essas atividades nos tornem surdos a convites de ordem superior.
A Tragédia da Indiferença
A indiferença é mais traiçoeira que a rejeição declarada. A
rejeição exige uma decisão consciente, um posicionamento. A indiferença, por
outro lado, é passiva. Ela se disfarça de responsabilidade, de prudência, de
"apenas viver a vida".
Quantas vezes o convite para um momento de silêncio e
reflexão é ignorado em favor de mais uma hora de trabalho? Quantas vezes a
oportunidade de uma conversa profunda com um familiar é adiada por causa de um
e-mail "urgente"? Quantas vezes o chamado para servir a um propósito
maior é abafado pelo ruído de nossas próprias ambições?
O convite do Rei continua a ser feito. Ele se manifesta no
anseio por significado, na necessidade de paz interior, nos momentos de
quietude que nos convidam à introspecção e na oportunidade de cultivar
relacionamentos que nutrem a alma.
Conclusão: Onde Está a Sua Atenção?
A reflexão proposta por Mateus 22:5 não é um chamado para
abandonar nossas responsabilidades, mas sim para reordenar nossas prioridades.
É um convite para auditar nossa própria vida e perguntar: o que, de fato, está
recebendo a minha atenção primária?
O grande risco não é odiar o banquete, mas amarmos tanto
nosso "campo" e nossos "negócios" a ponto de nem notarmos
que fomos convidados para algo infinitamente maior. A tragédia final dos
convidados da parábola não foi a de serem barrados na porta, mas a de nunca
terem chegado perto dela, ocupados demais com o que consideravam mais
importante.
Que possamos ter a sabedoria para administrar nossos campos
e negócios com excelência, sem permitir que eles nos impeçam de ouvir e aceitar
os convites que verdadeiramente dão sentido à nossa jornada. A questão final
não é se o convite foi feito, mas se daremos atenção a ele.
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