Oliveira Torres introduz a tese central de que o Império
brasileiro não foi uma monarquia absolutista ou meramente um anacronismo
europeu em terras tropicais, mas sim uma "democracia coroada". Esta
formulação, aparentemente paradoxal, é meticulosamente desenvolvida ao longo da
obra, demonstrando como o sistema político imperial buscou conciliar a
estabilidade e a unidade proporcionadas por uma Coroa hereditária com os
princípios liberais e representativos emergentes do século XIX.
A obra se estrutura em uma análise detalhada das raízes
ideológicas e históricas do Império, seguida por um exame aprofundado de suas
instituições e, finalmente, pela evolução de suas fases de desenvolvimento.
Raízes Ideológicas e Históricas: O autor remonta as
origens do regime imperial às tradições da realeza portuguesa medieval,
caracterizada por uma monarquia limitada e uma forte noção de justiça e lei
consuetudinária, onde o rei governava, mas a nação se administrava. A
Independência do Brasil, nesse sentido, é apresentada não como uma ruptura
radical, mas como uma "revolução legítima", impulsionada pela vontade
conjunta do povo e do Príncipe Regente D. Pedro I, visando a preservação da
unidade e a adoção de um sistema constitucional representativo. Oliveira Torres
explora a influência de pensadores como Benjamin Constant, que defendia o
"Poder Moderador" como uma força neutra e imparcial, essencial para o
equilíbrio dos demais poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), e de
Filangieri, cujas ideias reformistas contribuíram para a visão de uma Coroa
atenta às necessidades sociais. A discussão sobre "Liberdade, Igualdade e
Fraternidade" é particularmente rica, contextualizando os ideais liberais
da época e a peculiar "democracia racial" brasileira, que, apesar da
escravidão, tendia a uma homogeneização social e jurídica notável em comparação
com outros contextos.
As Instituições Imperiais: O coração da
"democracia coroada" reside na teoria do Estado Imperial, onde a
soberania é delegada tanto ao Imperador quanto à Assembleia Geral, formando uma
"Nação Brasileira" que transcende a soma dos cidadãos atuais. O Poder
Moderador, delegado "privativamente" ao Imperador, é dissecado
como a "chave de toda a organização política", destinado a velar pela
harmonia e equilíbrio entre os poderes. Oliveira Torres argumenta que esse
poder, embora pessoal ao monarca, era exercido de forma institucional, atuando
como um árbitro suprapartidário, especialmente evidente na atuação de D. Pedro
II. A evolução do Parlamentarismo é tratada com nuance, mostrando como,
apesar de não ser explicitamente previsto na Constituição, o regime de gabinete
se consolidou na prática, com o Imperador frequentemente intervindo para
assegurar a alternância partidária e a representatividade em face de eleições
nem sempre autênticas.
O Poder Legislativo é analisado em suas duas câmaras
– a Câmara dos Deputados (representando a opinião pública atual) e o Senado
(representando a tradição e a experiência, com membros vitalícios). O autor
destaca a interdependência desses órgãos e a complexidade do processo
legislativo. A organização militar e a estrutura jurídica também
são abordadas, revelando como as forças armadas e o judiciário se integraram
(ou não) na dinâmica política, com a reforma do Código de Processo Criminal
(Lei de 1841) sendo um marco da centralização e da profissionalização da
justiça e polícia, em contraste com a descentralização do Código de 1832.
A obra não negligencia os direitos civis e políticos dos
cidadãos, enfatizando que, embora limitados pela existência da escravidão,
esses direitos eram amplos e inovadores para a época, com a Constituição de
1824 garantindo liberdades individuais e jurídicas que rivalizavam com as de
nações mais avançadas. A análise do sistema eleitoral e dos partidos
políticos é crucial, desmistificando a ideia de partidos homogêneos e
revelando a complexa teia de alianças e rivalidades que, apesar das
deficiências eleitorais da época (como o "coronelismo" embrionário),
buscavam legitimidade e influência.
Fases do Desenvolvimento e Causas da República: O
livro acompanha a trajetória do Império, desde a elaboração da Constituição e o
Ato Adicional (que concedeu autonomia às províncias), passando pela Regência e
o Segundo Reinado, até as "questões" que culminaram na Proclamação da
República. As "questões militar, religiosa, servil e federal" são
detalhadamente examinadas não apenas como causas isoladas, mas como tensões
inerentes a um sistema em constante adaptação. Oliveira Torres argumenta que o
"poder pessoal" de D. Pedro II, frequentemente criticado pelos
liberais da época, era, na verdade, uma manifestação da função moderadora do
Imperador, atuando como um baluarte contra as oligarquias e a ineficiência do
sistema eleitoral. A ascensão de uma nova classe média urbana e o início da
industrialização são apontados como forças sociais que, ao buscar uma
representação política mais alinhada com seus interesses, contribuíram para a
transição para a República.
Conclusão da Obra: "A Democracia Coroada" é
um trabalho de fôlego que desvenda a engenharia política do Brasil Imperial com
erudição e perspicácia. João Camillo de Oliveira Torres nos oferece uma visão
multifacetada e profundamente brasileira de um regime que, em sua complexidade
e capacidade de conciliar princípios aparentemente opostos, forjou a identidade
institucional do país. Sua análise é um convite à reflexão sobre a resiliência
das instituições e a contínua busca brasileira por equilíbrio entre autoridade
e liberdade.
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singularidade política do Brasil Imperial e desejam apoiar a continuidade de
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