Radio Evangélica

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Boitatá e os Incêndios Florestais: Lenda ou Alerta Ambiental?

Nas profundezas do imaginário brasileiro, habita uma entidade de fogo e mistério: o Boitatá. Descrito como uma serpente de fogo com olhos que ardem como brasas, ele desliza pelas matas e campos, protegendo a fauna e a flora. Mas essa figura mítica, que por séculos povoou histórias contadas ao redor de fogueiras, poderia ser mais do que apenas uma lenda? Em um Brasil que enfrenta recordes de incêndios florestais, a saga do Boitatá ressurge como um poderoso e antigo alerta ambiental.

O Guardião do Folclore

Para compreender a relevância do Boitatá, é essencial recorrer à sua origem. O renomado folclorista Luís da Câmara Cascudo, em sua obra fundamental, o Dicionário do Folclore Brasileiro, descreve o Boitatá como um protetor dos campos contra aqueles que provocam incêndios criminosos. Segundo Cascudo (2000), a lenda varia regionalmente, mas o núcleo de sua função permanece: a defesa da natureza. Ele persegue e cega os homens que desmatam e queimam as florestas, personificando a vingança da própria terra contra a destruição humana.

Essa narrativa ancestral não é apenas uma história fantástica. Ela reflete uma sabedoria popular que reconhece o fogo como uma força perigosa quando usada de forma irresponsável, estabelecendo uma clara dicotomia entre o fogo natural (simbolizado pelo próprio ser mítico) e o fogo predatório, ateado pelo homem.

O Fogo da Lenda e a Realidade das Cinzas

Se na lenda o Boitatá é o fogo que protege, na realidade, o fogo é o protagonista de uma tragédia contínua. Os dados são alarmantes. O monitoramento realizado por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revela, ano após ano, a extensão devastadora das queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Esses incêndios, em sua grande maioria, não são acidentes naturais, mas sim resultado de ações humanas, como o desmatamento para a expansão agrícola e a limpeza de pastagens (INPE, [s.d.]).

A consequência é um cenário que o Boitatá da lenda lutaria para impedir: perda de biodiversidade, destruição de ecossistemas inteiros, emissão de gases de efeito estufa e ameaça direta a povos indígenas e comunidades tradicionais. A fumaça que cobre cidades e a terra carbonizada são a prova material de que o alerta contido no mito foi ignorado.

Reinterpretando o Mito: Um Alerta Ancestral

O mito do Boitatá pode ser interpretado como uma manifestação da consciência ecológica dos povos que primeiro habitaram estas terras. O acadêmico Antonio Carlos Diegues (1996), em sua obra O Mito Moderno da Natureza Intocada, argumenta que as sociedades tradicionais possuem um conhecimento profundo sobre seus ambientes, muitas vezes codificado em suas histórias e mitos.

Nessa perspectiva, o Boitatá deixa de ser apenas uma criatura fantasmagórica para se tornar um símbolo da resiliência ecológica. Sua fúria contra os incendiários é uma metáfora para as consequências inevitáveis da quebra do equilíbrio ambiental. A lenda ensina que a agressão à natureza gera uma resposta igualmente poderosa, seja ela mítica ou, como vemos hoje, na forma de crises climáticas e ambientais.

Conclusão: Da Lenda à Ação

O Boitatá nos força a questionar nossa relação com o meio ambiente. Enquanto a lenda fala de um guardião sobrenatural, a responsabilidade de hoje é inteiramente humana. A proteção de nossas florestas não virá de uma serpente de fogo, mas de políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa e uma mudança coletiva de consciência. O trabalho de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) na prevenção e combate a incêndios é a materialização moderna da proteção que o mito do Boitatá representa.

Ouvir a voz do Boitatá no século XXI significa, portanto, valorizar o conhecimento ancestral, reconhecer a ciência que aponta a urgência da crise e, acima de tudo, agir. A lenda não é uma solução, mas um eco profundo em nossa cultura, nos lembrando que somos parte da natureza e que incendiá-la é, em última análise, incendiar a nós mesmos.

 

Referências

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

DIEGUES, Antonio Carlos Sant'Ana. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB-USP, 1996.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Prevenção e combate a incêndios florestais. Brasília, DF, [s.d.]. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/incendios-florestais. Acesso em: 8 ago. 2025.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). Programa Queimadas. São José dos Campos, [s.d.]. Disponível em: https://www.inpe.br/queimadas/portal. Acesso em: 8 ago. 2025.

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