Áudios que
derrubaram dois ministros colocam investidores em compasso de espera sobre
futuro
![]() |
O ministro da Fazenda, Henrique Meireles Sebastião Moreira (EFE) |
O Governo interino de Michel Temer provou,
nos últimos dias, um pouco do que foi o segundo mandato da presidenta afastada
Dilma Rousseff, quando a crise política se impôs como ator principal. Depois de
ser saudado pelo mercado financeiro por conseguir
aprovar junto ao Congresso uma nova meta fiscal mais realista, os
investidores assumem um tom de cautela sobre os próximos passos do presidente
interino. Os
desdobramentos da Lava Jato que já derrubaram dois ministros no
Governo Temer – Romero Jucá, do Planejamento, no último dia 23, e Fabiano
Pereira, da Transparência, nesta segunda 30 – trazem apreensão à medida que novas
gravações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, revelam o
envolvimento de integrantes da atual gestão no esquema de corrupção da
Petrobras. “O ambiente político voltou a criar certa instabilidade. O movimento
dos investidores nos próximos dias será de cautela. Não se sabe quais novos
nomes podem aparecer nessas gravações e quais deles poderiam trazer novos
problemas para a credibilidade do Governo Temer”, explica a economista Camila
Abdelmalack da Capital Market.
No início da semana passada,
Romero Jucá (PMDB - RR) teve que deixar o Ministério do Planejamento após
a Folha de S. Paulo divulgar áudio de um conversa dele com Machado,
em que o ex-ministro sugeria que a troca de Governo resultaria em pacto para
frear a Operação Lava Jato. Jucá era um dos principais articuladores do Governo
junto ao Congresso Nacional e tinha entre suas funções conseguir apoio às
medidas do ajuste que precisam passar pelo crivo dos deputados e senadores. “Não
há dúvidas que esse foi um fato negativo para Temer, porque seguramente Jucá
seria um ajudante muito importante no cumprimento dos objetivos do Governo. A
competência dele no manejo do orçamento era grande, ele tem um profundo
conhecimento da máquina”, afirma Delfim Netto, economista e ex-ministro da
Fazenda, que também já foi citado em uma delação premiada da Operação Lava Jato
pelo suposto recebimento de valores na obra da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte. O economista nega ter recebido dinheiro e diz que prestou apenas
assessoria a um grupo que participaria da concorrência da obra.
Na avaliação de Delfim Netto, o presidente interino tem
uma árdua tarefa pela frente, mas começou bem a gestão com “uma boa equipe de
talentos e medidas bastantes razoáveis”. “No entanto, esses programas e
talentos são simples exercícios acadêmicos caso não haja poder político para
salvar o economista”, explica Delfim. O novo presidente do Banco Central, Ilan
Goldfajn, por exemplo, ainda não passou pela sabatina da Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) do Senado, que precisa aprovar o seu nome para que ele seja
confirmado no cargo. A reunião, que deveria acontecer nesta semana, ficou para
o dia 7. Delfim, entretanto, confia no poder de articulação política de Temer
para lidar com as intempéries. “Ele é um velho político hábil, que faz tricô
com quatro agulhas. Essas propostas irão para o Congresso e serão aparadas,
lixadas, não sairão inteiras, mas estarão no caminho certo”, explica.
Para Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset
Corretora, os primeiros anúncios da equipe foram ouvidos de forma positiva pelo
mercado, que já tinha precificado a mudança do Governo nos primeiros meses do
ano. “No geral o mercado recebeu muito bem a nova equipe econômica, ela traz
uma âncora de credibilidade para Temer. O grande problema é que o imbróglio
político afeta o curto prazo”, explica. Na semana passada, a equipe econômica
do Governo interino anunciou uma
série de medidas - que vão desde o congelamento de gastos ao fim de subsídios -
com a missão de colocar em ordem as contas do Governo e retomar o crescimento
do país. Mas as boas notícias econômicas passaram a disputar espaço nos jornais
com o noticiário político que pode fragilizar a posição de Temer no Congresso
num momento em que ele precisa aprovar medidas de austeridade fiscal em meio à
recessão.
No mercado financeiro, a instabilidade inicial do Governo
Temer, que assumiu o poder interinamente no dia 12 de maio, se refletiu no
balanço mensal da bolsa de valores, que fechou maio em queda de 10%. O dado
seria o pior resultado para um mês desde setembro de 2014. Em entrevista ao G1,
o analista Fabio Colombo afirmou que a queda de 10% no mês reflete os problemas
políticos enfrentados pelo governo Temer “em relação à nova presidência da
Câmara de Deputados e a liderança do governo" e pelas "novas
denúncias da operação Lava Jato, atingindo, diretamente, o novo
ministério".
Spyer, da Mirae, alerta que a possibilidade de novos
processos jurídicos contra a Petrobras e outras empresas brasileiras, como o a
Eletrobras, começarem a se ampliar em outros países também preocupa
investidores. “Pode começar uma chuva de processos globais contra empresas
brasileiras e obviamente o mundo não olha isso com bons olhos”, explica.
Sinais
de estabilização
Embora precise do Congresso para colocar em marcha o seu
plano econômico e não possa controlar os desdobramentos das investigações da
Lava Jato, o Governo Temer tem a seu favor alguns indícios de estabilização
da economia. "Já há sinais de que estamos chegando no fundo do poço e
vamos começar a virar", afirmou Felipe Salles, economista do banco Itaú,
em encontro com jornalistas. A indústria, por exemplo, é um dos setores que
parece estar perto de voltar a crescer, segundo Salles. "Isso acontece
pois a demanda se estabiliza ao mesmo tempo em que os estoques já estão se
esgotando após forte queda de produção", diz. A previsão do Itaú é de que
no segundo semestre deste ano já haja uma "relativa estabilidade" do
Produto Interno Bruto (PIB).
Caio Megale, também economista do banco, ressalta que o
Governo interino está diante de uma economia um pouco melhor do que a
presidenta Dilma
Rousseffprecisou enfrentar no ano uma vez que parte do ajuste, como o
realinhamento do câmbio e o reajuste de preços administrados, já aconteceu.
"Temer herda de Dilma 2 uma economia melhor que Dilma 2 herdou de
Dilma", explica Megale.
Na visão dos dois economistas do Itaú, as primeiras
propostas econômicas anunciadas vão na direção correta e, caso aprovadas, devem
gerar, no longo prazo, uma melhora nas contas públicas do país que
devem fechar o ano com um rombo de 170,5 bilhões de reais, segundo a meta
fiscal aprovada nesta semana. Dependendo de quais propostas passem no
Congresso, a projeção do PIB de 2018, estimada pelo banco, poderia passar de um
crescimento de 2,5% para 4%.
A ambiciosa proposta de limitar um teto de gastos da
União – que hoje chega a 20% do PIB – à inflação do ano anterior, como
anunciada pela equipe econômica na semana passada, é uma das mais importantes e
que dependem da aprovação dos parlamentares. Sem ela, o Brasil precisaria de um
crescimento de 3% do PIB para estabilizar os gastos, segundo simulação do Itaú.
Megale ressalta, porém, que mesmo com o pacote de medidas de Meirelles será
muito difícil alcançar um superávit no ano que vem e que a estabilização da
relação dívida-PIB pode demorar ainda mais.
Por Heloísa Mendonça para o El País
Nenhum comentário:
Postar um comentário