Radio Evangélica

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Os Deuses Maias e a Cosmovisão Religiosa: Uma Análise da Mitologia e Rituais

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A civilização maia, uma das mais fascinantes e complexas da Mesoamérica, desenvolveu uma profunda e intrincada visão de mundo, onde o sagrado e o profano estavam intrinsecamente ligados. Sua religião não era apenas um conjunto de crenças, mas a própria lente através da qual interpretavam o cosmos, o tempo e a existência humana.

No centro dessa cosmovisão estava um panteão diversificado de deuses que governavam as forças da natureza e influenciavam cada aspecto da vida cotidiana.

A Cosmovisão Maia: Um Universo Estruturado

Para os maias, o universo era estruturado em três planos distintos, conectados por uma árvore sagrada gigante, a Ceiba (Yaxché), cujas raízes mergulhavam no submundo e os galhos se estendiam até os céus.

  1. O Mundo Superior (Oxlahuntikú): A morada celestial, dividida em 13 níveis, cada um governado por uma deidade diferente. Era o lar dos deuses mais proeminentes e o destino de almas nobres.
  2. O Mundo Médio (Kab): O plano terrestre, onde os humanos viviam. Era concebido como uma superfície plana e quadrada, com cada canto associado a uma cor, um deus (Bacab) e um presságio.
  3. O Submundo (Xibalbá): Conhecido como "o lugar do medo", era um reino subterrâneo dividido em 9 níveis, governado por deuses da morte e da decomposição. Xibalbá não era um inferno no sentido cristão, mas uma parte essencial do ciclo cósmico, associada à noite, à água e ao renascimento.

Nota: O tempo para os maias era cíclico, não linear. Eles utilizavam múltiplos calendários complexos (como o Tzolk'in de 260 dias e o Haab' de 365 dias) para marcar rituais e entender o fluxo de energia cósmica.

O Panteão Maia: Principais Deidades

O panteão maia era vasto, com centenas de deuses que frequentemente possuíam múltiplos aspectos. Abaixo estão algumas das figuras mais centrais:

  • Itzamná: Considerado o deus criador e o senhor dos céus, do dia e da noite. Frequentemente retratado como um ancião, governava o conhecimento, a escrita e a sabedoria.
  • Kukulkán: A "Serpente Emplumada" (conhecida como Quetzalcóatl pelos astecas). Associada ao vento, à água e ao planeta Vênus. Templos como o de Chichén Itzá foram construídos em sua honra.
  • Chaac: O deus da chuva, do trovão e das tempestades. Vital para a agricultura, Chaac é representado com um nariz longo e curvo e um machado de raio.
  • Ah Puch (Yum Cimil): O principal deus da morte e senhor de Xibalbá. Retratado como um corpo em decomposição, presidia o submundo e era temido por sua associação com a escuridão.
  • Ixchel: A deusa da lua, do amor, da gestação e da medicina. Esposa de Itzamná, representava a fertilidade e a força feminina.
  • Os Gêmeos Heróis (Hunahpú e Xbalanqué): Figuras centrais do Popol Vuh. Suas aventuras, incluindo a derrota dos senhores de Xibalbá no jogo de bola, simbolizam a vitória da vida sobre a morte.

Rituais e a Manutenção da Ordem Cósmica

A liturgia maia era fundamental para nutrir os deuses e garantir a continuidade do universo. Os rituais, guiados por sacerdotes-xamãs (Ah Kin), incluíam:

  • Oferendas e Sacrifícios: Os deuses precisavam de sustento (k'ex), fornecido através de incenso e sangue. O auto-sacrifício (sangria) da elite era comum, pois o sangue real era a oferenda mais potente.
  • Sacrifício Humano: Embora menos massivo que entre os astecas, era praticado em ocasiões importantes, como a dedicação de templos, utilizando frequentemente prisioneiros de guerra.
  • O Jogo de Bola (Pitz): Mais do que um esporte, era um ritual que recriava batalhas míticas. O jogo tinha profundas conotações cosmológicas sobre o ciclo do sol e da lua.

Conclusão

A religião maia era uma força integradora que permeava a política, a arte e a ciência. Seus deuses não eram figuras distantes, mas entidades ativas cujas necessidades moldavam o mundo.

Através de uma complexa cosmovisão e de rituais precisos, os maias buscavam entender seu lugar no cosmos e participar ativamente na manutenção de sua frágil ordem — um legado de profundidade espiritual que continua a fascinar o mundo moderno.

Referências Bibliográficas

COE, Michael D. The Maya. Thames & Hudson.

TEDLOCK, Dennis (trad.). Popol Vuh: The Mayan Book of the Dawn of Life. Simon & Schuster.

SCHELE, Linda & FREIDEL, David. A Forest of Kings: The Untold Story of the Ancient Maya. William Morrow Paperbacks.

MARTIN, Simon & GRUBE, Nikolai. Chronicle of the Maya Kings and Queens. Thames & Hudson.

FOSTER, Lynn V. Handbook to Life in the Ancient Maya World. Oxford University Press.

O Eco da Oração: Quando Seu Clamor Chega aos Ouvidos de Deus

Em meio às tempestades da vida, quando a escuridão parece nos engolir e as palavras se perdem na garganta, há uma verdade que ressoa através dos séculos, um bálsamo para a alma aflita. Ela está registrada nas Escrituras, um testemunho da fidelidade de um Deus que ouve:

"Na minha angústia invoquei o Senhor, sim, clamei ao meu Deus; do seu templo ouviu ele a minha voz; o clamor que eu lhe fiz chegou aos seus ouvidos." (Salmos 18:6)

Este versículo, proferido por Davi, um homem que conheceu tanto a glória dos palácios quanto a solidão das cavernas, é um farol de esperança para todos nós. Ele nos lembra que, não importa quão profunda seja a nossa dor, existe um caminho direto para o coração do Pai.

1. O Grito na Escuridão: A Ação Humana na Angústia

A vida é uma jornada de altos e baixos, e inevitavelmente, todos nós enfrentaremos momentos de "angústia". A palavra hebraica para angústia aqui sugere um "aperto", uma situação de grande aflição, onde nos sentimos encurralados, sem saída. É a sensação de que o chão sumiu sob nossos pés, e a esperança parece um luxo distante.

É nesse cenário de vulnerabilidade extrema que Davi nos mostra o caminho: ele "invocou" e "clamou".

  • Invocar o Senhor: Não é apenas chamar um nome qualquer. É um ato de reconhecimento da soberania e do poder de Deus. É declarar: "Eu sei quem Tu és, e é a Ti que eu recorro, pois não há outro que possa me ajudar." É um ato de fé que se recusa a buscar soluções em lugares vazios.
  • Clamar ao meu Deus: O clamor é mais do que uma oração sussurrada. É um grito visceral, uma expressão honesta e sem reservas da nossa alma. É a voz da urgência, da dependência total, daquele que não tem mais recursos próprios. Não precisamos de palavras bonitas ou de uma oratória perfeita; Deus anseia pela sinceridade do nosso coração, mesmo que ela venha em forma de um gemido inarticulado.

Este versículo nos dá permissão para sermos autênticos em nossa dor. Deus não espera que finjamos estar bem quando não estamos. Ele nos convida a trazer nossa angústia, nosso medo e nosso desespero diretamente a Ele, com toda a intensidade que eles carregam.

2. A Resposta do Céu: A Audição Soberana de Deus

A segunda parte do versículo nos transporta do nosso vale de lágrimas para o trono celestial. É aqui que a promessa se manifesta:

  • "Do seu templo ouviu ele a minha voz;": O templo, na visão bíblica, é o lugar da presença divina, o centro do poder e da santidade de Deus. A imagem é poderosa: mesmo estando em Sua glória inatingível, governando o universo, Deus não está distante ou indiferente. Ele inclina Seu ouvido para nós. Nosso grito não se perde no vasto cosmos; ele é distinguido, reconhecido e ouvido por Ele.
  • "o clamor que eu lhe fiz chegou aos seus ouvidos.": Esta repetição não é um mero floreio poético; é uma ênfase divina. O clamor não apenas foi ouvido, ele chegou. Ele completou sua jornada, atravessou as barreiras do tempo e do espaço, e alcançou o destino mais importante: os ouvidos do Deus Todo-Poderoso. Não há filtro, não há burocracia celestial, não há "caixa postal" divina. Nosso clamor tem acesso direto.

Isso revela um Deus que é, ao mesmo tempo, transcendente (acima de tudo) e imanente (próximo de nós). Ele é grande o suficiente para sustentar o universo e íntimo o suficiente para ouvir o sussurro mais fraco de um coração aflito.

3. Aplicações Práticas: O que Isso Significa para Nós Hoje?

Este versículo não é apenas uma bela poesia; é uma verdade viva que tem implicações profundas para a nossa jornada de fé:

  • Sua dor é válida: Não se sinta culpado por sentir angústia. A Bíblia está repleta de exemplos de homens e mulheres de fé que experimentaram profunda dor. Sua vulnerabilidade não diminui sua fé, mas pode ser o portal para uma experiência mais profunda com Deus.
  • A oração é seu refúgio e sua arma: Em momentos de desespero, a oração não é um último recurso, mas o primeiro e mais poderoso. Não se preocupe com a forma; preocupe-se com a sinceridade. Clame, invoque, chore, gema – Deus entende a linguagem do coração.
  • Deus é pessoal e acessível: Davi clama ao "meu Deus". Ele não é uma força cósmica impessoal, mas um Pai que se importa com cada um de Seus filhos. Ele conhece sua voz, suas lutas e seus anseios.
  • Confiança na audição divina: A promessa não é que a angústia desaparecerá instantaneamente, mas que Deus ouve. Saber que somos ouvidos é o primeiro passo para a paz. É a certeza de que não estamos sozinhos e que o socorro, no tempo e no modo de Deus, está a caminho.

Quando a vida parecer esmagadora e você se sentir sem voz, lembre-se de Salmos 18:6. Não hesite em clamar. Lance seu grito de socorro em direção ao céu com a plena convicção de que ele não se perderá no vazio. Ele tem um destino certo: os ouvidos atentos e amorosos do seu Deus, que está sempre pronto para ouvir e responder. Confie que seu clamor chegará, e a resposta de Deus trará a esperança e a força que você precisa.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Vendeu um Imóvel? Descubra Como Isentar ou Reduzir o Imposto de Renda sobre o Lucro (GCAP)

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A venda de um imóvel é, para muitas pessoas, um momento de realização financeira e novas possibilidades. Seja para mudar de casa, investir ou simplesmente aproveitar o lucro, esse processo traz satisfação — mas também levanta uma dúvida importante: como funciona o Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital?

Muitos vendedores se surpreendem com a cobrança mínima de 15% sobre o lucro obtido, mas o que poucos sabem é que existem formas totalmente legais de reduzir ou até zerar essa tributação.

Este guia explica, de forma clara, como funciona o GCAP e quais são as regras para isenção ou redução do imposto.

O Que é o Ganho de Capital (Lucro Imobiliário)?

De modo simples, o ganho de capital é a diferença positiva entre o valor da venda e o custo de aquisição do imóvel.

Fórmula: Lucro Imobiliário = Valor da Venda – Custo de Aquisição

Muitos erram ao pensar que o "Custo de Aquisição" é apenas o preço que pagaram lá atrás. O custo pode (e deve) ser ajustado para diminuir seu imposto. Veja o que entra no cálculo:

  • Valor pago na compra: O valor original da escritura.
  • Obras, reformas e benfeitorias: Ampliações, pintura, pisos, desde que comprovadas com notas fiscais.
  • Comissão de corretagem: O valor pago ao corretor (seja quando você comprou ou agora ao vender) pode ser abatido.
  • ITBI: O imposto de transmissão pago na época da aquisição.
  • Juros de financiamento: Os juros pagos em financiamentos habitacionais (SFH/SFI) podem ser somados ao custo do imóvel.

Quanto maior o custo comprovado, menor será o lucro tributável — e, portanto, menor o imposto a pagar no final. A regra de ouro é simples: guarde e declare todos os comprovantes!

Casos de Isenção do Imposto de Renda na Venda de Imóvel

A legislação brasileira prevê três situações principais em que o vendedor fica totalmente isento do imposto.

1. Regra dos 180 Dias – Venda e Compra de Imóvel Residencial

Se você vender um imóvel residencial e, em até 180 dias, usar o dinheiro para comprar outro(s) imóvel(is) residencial(is) no Brasil, o lucro pode ser 100% isento.

Pontos importantes:

  • Só vale para imóveis residenciais (vender terreno ou sala comercial não entra nessa regra).
  • Só pode ser utilizada uma vez a cada cinco anos.
  • Se reinvestir apenas parte do valor, a isenção será proporcional.

2. Venda do Único Imóvel por Até R$ 440.000,00

Se você vender seu único imóvel por um valor de até R$ 440 mil, o lucro é isento de IR.

Condições:

  • Não ter realizado nenhuma outra venda de imóvel nos últimos cinco anos.
  • Ser realmente o único imóvel do contribuinte (incluindo residenciais, comerciais, terrenos e frações ideais).

3. Imóveis Adquiridos Antes de 1969

Imóveis comprados antes de 1969 têm isenção total, independentemente do valor da venda.

Não se Enquadrou na Isenção? Existe Redução!

Se você não tem isenção total, ainda pode pagar menos. Para imóveis adquiridos entre 1969 e 1988, há um fator de redução previsto na legislação (Lei nº 11.196/2005).

A lógica é: quanto mais antigo é o imóvel, maior a redução aplicada sobre o ganho de capital — resultando em menos imposto a pagar.

Como o Imposto é Calculado?

A alíquota é progressiva, conforme o tamanho do lucro obtido:

  • Até R$ 5 milhões de lucro: 15%
  • De R$ 5 a R$ 10 milhões: 17,5%
  • De R$ 10 a R$ 30 milhões: 20%
  • Acima de R$ 30 milhões: 22,5%

O imposto deve ser pago até o último dia útil do mês seguinte à venda. A guia de pagamento (DARF) é gerada no próprio programa GCAP (Ganhos de Capital), disponível no site da Receita Federal. As informações desse programa deverão ser importadas para a sua Declaração de Ajuste Anual do ano seguinte.

Conclusão: Informação e Planejamento Fazem a Diferença

Vender um imóvel com lucro é ótimo. Vender e pagar menos imposto de forma legal é ainda melhor. As regras de isenção e redução do Ganho de Capital não são "brechas", mas direitos garantidos por lei. Conhecê-los permite:

  1. Economizar dinheiro;
  2. Evitar erros perante a Receita (malha fina);
  3. Planejar melhor seu próximo investimento.

Organização, documentos guardados e orientação profissional formam o trio perfeito para uma venda segura e vantajosa.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 nov. 2018.

BRASIL. Instrução Normativa SRF nº 84, de 11 de outubro de 2001. Dispõe sobre a apuração e tributação de ganhos de capital nas alienações de bens e direitos por pessoas físicas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 out. 2001.

BRASIL. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 dez. 1988.

BRASIL. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (REPES)… e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 22 nov. 2005.


Aviso Importante: Este artigo é um guia informativo. Cada caso possui particularidades próprias. Para garantir segurança jurídica e economia máxima, consulte um contador especialista ou advogado tributarista antes de tomar decisões.

A Máquina de Guerra Inca: Estratégia, Logística e a Arte da Expansão

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O Império Inca, conhecido como Tahuantinsuyu ("a terra das quatro partes"), floresceu nos Andes em um período relativamente curto, expandindo-se de um pequeno reino em Cusco para se tornar o maior império da América pré-colombiana.

Esse crescimento meteórico não foi um acaso, mas o resultado de uma sofisticada e implacável máquina militar, apoiada por uma engenharia logística sem precedentes e uma genial estratégia de integração dos povos conquistados.

Os Pilares da Estratégia Militar Inca

A força militar inca não residia apenas no número de soldados, mas na organização, disciplina e, acima de tudo, na capacidade de sustentar longas campanhas a milhares de quilômetros de sua capital.

Logística Impecável: O Qhapaq Ñan como Espinha Dorsal

O verdadeiro segredo do sucesso militar inca era o Qhapaq Ñan, uma vasta e complexa rede de estradas que se estendia por dezenas de milhares de quilômetros, conectando os pontos mais distantes do império. Mais do que simples trilhas, essas estradas eram projetos de engenharia, com pontes suspensas, escadarias esculpidas na rocha e calçadas.

Sua função militar era vital:

  • Movimento Rápido de Tropas: Exércitos podiam marchar em formação, cobrindo distâncias enormes em tempo recorde.
  • Abastecimento Contínuo: Ao longo do Qhapaq Ñan, foram construídos tambos (postos de abastecimento) e colcas (armazéns). Esses depósitos estavam sempre repletos de alimentos (como batata desidratada e milho), armas, uniformes e outros suprimentos essenciais.

Isso significava que o exército não precisava saquear os territórios por onde passava, garantindo uma fonte constante de recursos e evitando a hostilidade imediata das populações locais.

Fortalezas (Pukarás) e Organização do Exército

Estrategicamente posicionados ao longo das estradas e em fronteiras, os pukarás serviam como fortalezas defensivas, centros de controle administrativo e pontos de observação.

O exército em si era uma força altamente organizada, baseada em um sistema decimal:

  • As unidades eram fracionadas em grupos de 10, 100, 1.000 e 10.000 homens, cada uma com seu próprio oficial.
  • O serviço militar era uma forma de tributo (a mita militar), e todos os homens aptos poderiam ser convocados.
  • Os guerreiros eram equipados com uma variedade de armas, incluindo fundas (extremamente precisas), maças com pontas de pedra ou bronze, lanças e escudos.

Mais que Conquista: A Incorporação de Povos Subjugados

A genialidade inca não estava apenas em vencer batalhas, mas em transformar inimigos em súditos. A expansão era frequentemente um processo de duas etapas:

1. Diplomacia Primeiro, Guerra Depois

Antes de iniciar um ataque, os Incas enviavam emissários. A oferta era clara: aceitem a soberania do Sapa Inca, adorem o deus sol Inti (sem abandonar completamente seus próprios deuses) e paguem tributos.

Em troca, receberiam proteção, acesso aos armazéns em tempos de fome e participação na infraestrutura imperial. Muitos líderes, intimidados, aceitavam. A força militar avassaladora era o último recurso.

2. A Estratégia de Integração (Mitmac)

Uma vez conquistado um território, os Incas implementavam o sistema de Mitmac (ou Mitimaes). Populações leais ao império eram transferidas para os novos territórios para ensinar a cultura e vigiar os locais. Simultaneamente, grupos rebeldes recém-conquistados eram dispersados para regiões já consolidadas e leais.

Isso quebrava a resistência, disseminava a língua quechua e criava uma interdependência forçada. Além disso, os líderes locais (curacas) que cooperavam eram mantidos no poder, mas seus filhos eram levados a Cusco para serem educados — reféns de luxo que garantiam a lealdade dos pais e formavam a próxima geração de administradores imperiais.

Conclusão

A expansão inca foi um projeto meticulosamente planejado. A força bruta abria as portas, mas eram a logística, a administração e uma sofisticada engenharia social que mantinham o vasto Tahuantinsuyu unido e funcional.

Referências Bibliográficas:

D'ALTROY, Terence N. The Incas. 2. ed. Malden: Wiley-Blackwell, 2014.

ROSTWOROWSKI, María. História do Tahuantinsuyu. São Paulo: Editora Vozes, 2002.

COVEY, R. Alan. Inca Administration of the Far South Coast of Peru. Latin American Antiquity, v. 11, n. 2, p. 119-138, 2000.

JENKINS, David. A Network Analysis of Inka Roads, Administrative Centers, and Storage Facilities. Ethnohistory, v. 48, n. 4, p. 655-687, 2001.

A Riqueza de Significados por Trás do Nome “Maranhão”

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O nome “Maranhão”, que batiza um dos estados mais ricos em cultura e belezas naturais do Nordeste brasileiro, é um termo cuja origem exata se perdeu no tempo, dando lugar a um fascinante debate entre historiadores, linguistas e geógrafos.

Não há um consenso único, mas sim um conjunto de teorias que exploram desde a língua dos povos originários até as características geográficas da região e a influência de exploradores europeus. Cada uma dessas hipóteses nos oferece uma janela para a percepção que os primeiros habitantes e viajantes tiveram daquela terra.

Para conhecer mais sobre símbolos e identidade regional, veja também A Bandeira do Maranhão: História e Significados.

Abaixo, exploramos as três interpretações mais difundidas para o significado da palavra Maranhão.

A Teoria do “Mar que Corre”

A teoria mais aceita academicamente e poeticamente rica liga o nome à língua Tupi-Guarani. A palavra seria uma adaptação de termos como “Pará-nã” ou “Mbará-nã”.

  • “Pará” ou “Mbará” significa mar ou rio grande;
  • “Nã” traduz-se como corrente ou “que corre”.

Portanto, Maranhão significaria “mar que corre” ou “grande rio que corre como o mar”.

Essa descrição encaixa-se perfeitamente com a impressão causada pelo fenômeno da pororoca e pela força das águas na foz do Rio Amazonas — historicamente conhecida como “Grande Maranhão” —, onde o encontro violento com o Oceano Atlântico cria correntes avassaladoras.

Para uma abordagem comparativa de etimologias de nomes de regiões brasileiras, veja O Nome Para: Significado, Origem e Curiosidades dos Nomes de Estados e Regiões — lá você encontrará reflexões que dialogam diretamente com essa hipótese.

A Referência ao Cajueiro (Origem Espanhola)

Outra hipótese bastante popular conecta o nome à palavra “Marañón”. Muitas vezes confunde-se essa palavra como sendo de origem indígena, mas, na verdade, “Marañón” é o nome dado ao caju e ao cajueiro na língua espanhola.

A teoria sugere que os primeiros exploradores espanhóis que navegaram pela costa norte do Brasil (como Vicente Yáñez Pinzón) notaram a imensa abundância de cajueiros na região litorânea. Ao batizarem o local ou o rio, teriam usado o termo “Marañón”.

Com o tempo e a colonização portuguesa, a pronúncia teria sido adaptada para “Maranhão”. Vale notar que, em Tupi, o caju é chamado de aka'yu, reforçando que a origem do termo “Marañón” é, de fato, externa.

Se interessar por estudos sobre nomes de estados e suas origens culturais e linguísticas, confira também O Significado e Etimologia do Nome “Amapá” — é um bom paralelo de análise de etimologias regionais.

A Hipótese do “Emaranhado”

Uma terceira linha de interpretação, desta vez com base na língua portuguesa, sugere que o nome seja uma variação da palavra “emaranhado”.

Embora linguistas considerem esta uma “etimologia popular” (sem base filológica comprovada), ela faz muito sentido geográfico. A descrição refere-se à complexa rede hidrográfica da região, com seus inúmeros rios, igarapés, lagos e, principalmente, os vastos manguezais que formam um verdadeiro labirinto de canais e vegetação.

Para os navegadores que chegavam à costa, a paisagem parecia um grande “emaranhado” de terras e águas.

Vale também a leitura de A Origem do Nome Amazonas: Da Mitologia à Geografia — esse texto aborda como geografia e mitologia se misturam na formação de nomes, o que dialoga com essa hipótese de “emaranhado”.

Conclusão

Embora a teoria do “mar que corre” seja a mais difundida entre os estudiosos do Tupi, a ausência de um registro histórico definitivo permite que todas as hipóteses coexistam no imaginário popular.

Essa incerteza não diminui a força do nome; pelo contrário, enriquece a identidade do estado, refletindo tanto a grandiosidade de sua natureza quanto a profundidade cultural de sua história.

O nome Maranhão, assim como o próprio estado, é um mosaico de possibilidades.

Para aprofundar a reflexão sobre nomes e identidades regionais, você também pode explorar:
A Bandeira do Maranhão: História e Significados
O Nome Para: Significado, Origem e Curiosidades dos Nomes de Estados e Regiões

 

Referências Bibliográficas

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global Editora, 2012.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. Dicionário de Tupi Antigo: A Língua Indígena Clássica do Brasil. 1. ed. São Paulo: Global Editora, 2013.

SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na Geografia Nacional. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O Declínio dos Elétricos e a Ascensão da Gasolina: Uma Virada Histórica (1912–1960)

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No início do século XX, o cenário automotivo era muito mais diversificado do que muitos imaginam. Longe de ser uma novidade exclusiva do século XXI, os carros elétricos eram concorrentes populares, disputando o mercado com os veículos a vapor e os incipientes modelos a gasolina. Eles eram silenciosos, limpos e fáceis de dirigir, características que os tornavam atraentes, especialmente para o uso urbano. No entanto, em poucas décadas, os carros elétricos praticamente desapareceram das ruas.

Leia também O Início Surpreendente (1830–1890): Os Primeiros Inventores da Mobilidade Elétrica.

A Invenção que Mudou Tudo: O Adeus à Manivela

Um dos maiores obstáculos dos primeiros carros a gasolina era seu método de partida. O motorista precisava girar uma manivela manual na frente do veículo, um processo trabalhoso, sujo e perigoso. O "coice" do motor — um contragolpe inesperado da manivela — era uma causa comum de fraturas e outras lesões graves. Essa dificuldade era a principal desvantagem da combustão em comparação com os elétricos, que ligavam com um simples apertar de botão.

Tudo mudou em 1912, quando a Cadillac introduziu o motor de arranque elétrico. A inovação foi desenvolvida por Charles Kettering, motivado por uma tragédia pessoal: a morte de um amigo próximo devido a complicações de um ferimento causado por uma manivela. O invento de Kettering eliminou o perigo e o esforço físico, tornando a partida de um carro a gasolina tão simples quanto a de um elétrico. De repente, a maior vantagem de conveniência dos veículos a bateria foi neutralizada.

Veja também Do Magnetofone ao Ampex 200A: A máquina que mudou a forma como ouvimos o mundo.

A Revolução de Henry Ford: O Carro para as Massas

Enquanto os carros elétricos eram produzidos de forma quase artesanal e vistos como itens de luxo para a alta sociedade, Henry Ford estava prestes a mudar a indústria para sempre.

Com a introdução do Ford Modelo T em 1908 e, fundamentalmente, a implementação da linha de montagem móvel em 1913, Ford revolucionou a produção. Ele conseguiu reduzir o tempo de fabricação de um chassi de 12,5 horas para apenas 93 minutos. Consequentemente, o preço do Modelo T despencou, tornando-o acessível para a classe média e transformando o carro em um meio de transporte de massa. Os fabricantes de carros elétricos, presos a métodos caros e lentos, simplesmente não conseguiam competir com essa escala.

Leia também Solar vs. Eólica vs. Hidrelétrica: Qual é a Melhor Fonte de Energia para o Brasil?.

Petróleo Barato e Estradas para o Futuro

A virada econômica foi impulsionada pela descoberta de vastas reservas de energia. O marco inicial foi o gigantesco poço de Spindletop, no Texas, em 1901, que inundou o mercado com petróleo barato e tornou a gasolina um combustível abundante e acessível.

Paralelamente, o governo americano começou a investir pesadamente na infraestrutura viária. O ápice desse movimento foi o Federal-Aid Highway Act de 1956, assinado pelo presidente Eisenhower, que criou o Sistema de Rodovias Interestaduais. Essas novas estradas incentivaram viagens de longa distância, para as quais os carros a gasolina — com autonomia superior e reabastecimento rápido — eram perfeitos. Os carros elétricos, com alcance limitado, ficaram restritos às cidades, perdendo a batalha pela liberdade que a "estrada aberta" representava.

Saiba mais em Carregadores Solares: Como a Energia Solar Está Revolucionando os Veículos Elétricos.

Conclusão

A conveniência do motor de partida elétrico, a acessibilidade radical do Ford Modelo T e a dupla imbatível de combustível barato com uma infraestrutura em expansão criaram uma "tempestade perfeita". Essa confluência de eventos selou o destino dos carros elétricos por mais de meio século.

A história nos mostra que a tecnologia dominante não é necessariamente a "melhor" em termos absolutos, mas aquela que se encaixa em um ecossistema de preço, conveniência e infraestrutura. Hoje, enquanto vemos os carros elétricos ressurgirem, essa lição do passado é mais relevante do que nunca, lembrando-nos de que a história da indústria automotiva é um ciclo contínuo de inovação e disrupção.

Continue lendo sobre energia e mobilidade elétrica:
Carregadores Solares e Mobilidade Elétrica
O Início da Mobilidade Elétrica (1830–1890)

Referências Bibliográficas

BRINKLEY, Douglas. Wheels for the World: Henry Ford, His Company, and a Century of Progress. New York: Penguin Books, 2004.
KIRSCH, David A. The Electric Vehicle and the Burden of History. New Jersey: Rutgers University Press, 2000.

YERGIN, Daniel. The Prize: The Epic Quest for Oil, Money, and Power. New York: Simon & Schuster, 1991. 

O Coração Pulsante do Império Asteca: Os Grandes Mercados de Tenochtitlán

Imagine um shopping center a céu aberto, mas no ano de 1519. Este artigo transporta você para o Tlatelolco, o mercado que deixou os conquistadores espanhóis boquiabertos. Descubra como funcionava a economia asteca, onde grãos de cacau valiam mais que ouro e "espiões comerciais" garantiam a ordem do imperador.

O Espetáculo de Tlatelolco

Para os astecas, o mercado (chamado tianquiztli em náuatle) era muito mais do que um local de compras; era a espinha dorsal da vida social. Enquanto Tenochtitlán era o centro político, sua cidade-irmã, Tlatelolco, abrigava o maior mercado das Américas.

Quando os espanhóis chegaram em 1519, ficaram atônitos. Eles esperavam encontrar selvageria, mas encontraram uma civilização sofisticada. O soldado e cronista Bernal Díaz del Castillo registrou o choque europeu:

"Ficamos maravilhados com a multidão de pessoas e a quantidade de mercadorias... e com a boa ordem e o controle que eram mantidos."

Estima-se que, nos dias de pico (a cada cinco dias), entre 40.000 e 60.000 pessoas circulavam por ali. O ruído das negociações podia ser ouvido a quilômetros de distância, uma cacofonia de línguas e dialetos de todo o império.

Uma Organização Impecável

O caos era apenas aparente. O mercado era um exemplo de urbanismo e logística, dividido em "ruas" temáticas. O visitante não precisava procurar muito para encontrar o que desejava. As seções eram rigorosamente separadas:

  • Metais e Luxo: Áreas exclusivas para ouro, prata e pedras preciosas.
  • Aves e Plumas: Venda de penas de pássaros exóticos (como o Quetzal), essenciais para os trajes da nobreza.
  • Alimentação: A maior seção, com montanhas de milho, feijão, pimentas, tomates, peixes frescos trazidos das lagoas e carnes (incluindo perus e cães criados para consumo).
  • Manufaturados: Tecidos de algodão, cerâmicas complexas e ferramentas de obsidiana (vidro vulcânico) afiadas como bisturis.

Dinheiro que dá em Árvore? A Economia Asteca

Como funcionava o pagamento? A base era o escambo (troca direta), mas para facilitar a vida, os astecas desenvolveram um sistema de "moedas-mercadoria" fascinante. Se você fosse às compras em Tlatelolco, levaria na bolsa:

  1. Grãos de Cacau: O "trocado" do dia a dia. Usado para comprar frutas ou vegetais.
  2. Quachtli: Pedaços de tecido de algodão padronizados. Eram como as notas de valor médio.
  3. Canudos de Ouro: Penas de ganso transparentes cheias de pó de ouro. Eram usadas para grandes transações, como comprar escravos ou joias caras.

Juízes e Espiões: A Ordem Rigorosa

A segurança era levada a sério. Um tribunal com três magistrados ficava de plantão no próprio mercado para resolver disputas na hora. Vendeu gato por lebre? Roubou uma mercadoria? A punição era imediata e severa, podendo variar da destruição dos bens do fraudador até a pena de morte.

Além disso, o mercado era o palco dos Pochteca. Eles eram comerciantes de elite que viajavam longas distâncias buscando itens de luxo. Mas tinham uma função secreta: atuavam como espiões do Imperador (Tlatoani), trazendo notícias de terras distantes e observando o humor da população no mercado.

Conclusão

Os mercados de Tenochtitlán e Tlatelolco eram o microcosmo do Império Asteca: vibrantes, organizados e implacáveis. Eles provam que, muito antes da chegada europeia, existia no México uma economia complexa que conectava povos e culturas. O mercado não era apenas onde se comprava comida; era onde a sociedade asteca se via no espelho.

Referências Bibliográficas

BERDAN, Frances F. The Aztecs of Central Mexico: An Imperial Society. 1982.

CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. (Relatos enviados ao Rei Carlos V, 1519-1526).

DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. História verdadeira da conquista da Nova Espanha. (c. 1568).

SOUSTELLE, Jacques. A Vida Cotidiana dos Astecas às vésperas da Conquista Espanhola. 1955.

General Pierre Labatut: O Herói Controverso da Independência na Bahia

Acervo do Museu do Ipiranga
Herói de guerra ou tirano perigoso? Este artigo mergulha na trajetória de Pierre Labatut, o general francês das Guerras Napoleônicas contratado para liderar o Exército Pacificador no Brasil. Peça-chave na expulsão das tropas portuguesas da Bahia, Labatut viveu uma dualidade: sua genialidade militar garantiu a vitória, mas seu temperamento despótico e seus métodos radicais quase provocaram uma guerra civil entre os patriotas. Uma análise sobre como a "mão de ferro" estrangeira moldou a identidade nacional brasileira.

Um Barril de Pólvora no Recôncavo

A Independência do Brasil, proclamada em 1822 às margens do Ipiranga, foi apenas o início de uma batalha sangrenta que demoraria a terminar no Norte e Nordeste. Enquanto o Sul celebrava, a Bahia permanecia sob o julgo do General português Inácio Luís Madeira de Melo, que transformou Salvador em uma fortaleza leal a Lisboa.

O Brasil recém-nascido tinha vontade, mas não tinha um exército profissional. As milícias locais eram corajosas, porém desorganizadas. Foi nesse cenário de incerteza que José Bonifácio, o Patriarca da Independência, jogou uma cartada arriscada: importar a guerra moderna. Ele contratou Pierre Labatut, um veterano francês calejado nos campos de batalha da Europa, com uma missão clara e brutal: organizar o caos e expulsar os portugueses a qualquer custo.

A Sombra de Napoleão nos Trópicos

Pierre Labatut (1776-1849) não era um diplomata; era um soldado forjado no fogo das campanhas napoleônicas. Ele trouxe para o clima tropical da Bahia a disciplina rígida e a frieza tática dos exércitos europeus. Para as milícias brasileiras — acostumadas a comandos informais e guerrilhas esporádicas —, a chegada de Labatut foi um choque cultural.

Ao assumir o comando do "Exército Pacificador", Labatut encontrou tropas dispersas, mal alimentadas e mal armadas. Com uma eficiência implacável, ele profissionalizou o conflito. Sua estratégia não se baseava apenas em heroísmo, mas em logística e cerco. Ele entendeu que, para vencer Madeira de Melo, não bastava atacar; era preciso sufocar.

O Cerco de Salvador: A Vitória da Estratégia

A atuação de Labatut foi decisiva. Ele unificou o comando e impôs um cerco terrestre impenetrável ao redor de Salvador, cortando o fluxo de alimentos e suprimentos que vinham do Recôncavo.

Combinando essa pressão terrestre com o bloqueio naval liderado por Lord Cochrane (outro mercenário a serviço do Império), a situação dos portugueses tornou-se desesperadora. A fome assolou a capital baiana. A estratégia de desgaste de Labatut funcionou perfeitamente, forçando Madeira de Melo a abandonar a cidade em 2 de julho de 1823. A data marca a verdadeira consolidação da independência nacional, mas o arquiteto dessa estratégia não estaria lá para ver seu triunfo.

O "General Francês" contra as Elites Brasileiras

Se no campo de batalha Labatut era um gênio, na política era um desastre. Seu estilo centralizador e arrogante colidiu frontalmente com os interesses dos poderosos senhores de engenho e coronéis locais. Labatut não confiava nos oficiais brasileiros e não hesitava em usar de violência extrema — incluindo execuções sumárias — para manter a ordem.

Mas o ponto de ruptura foi social. Labatut, focado apenas na vitória militar, começou a recrutar escravizados e libertos para as linhas de frente, prometendo ascensão e glória. Isso aterrorizou a elite escravocrata baiana, que temia uma revolução no estilo do Haiti (haitianismo) caso as classes baixas fossem armadas e empoderadas.

Acusado de tirania e de planejar golpes, Labatut tornou-se insuportável. Em um episódio dramático antes mesmo da vitória final, as próprias tropas brasileiras se voltaram contra seu comandante. Labatut foi deposto, preso e enviado ao Rio de Janeiro sob a acusação de abuso de poder, encerrando sua campanha na Bahia de forma melancólica.

O Legado de um Mal Necessário

Pierre Labatut permanece como uma das figuras mais fascinantes e contraditórias da nossa história. Ele foi o "mal necessário": sem sua expertise militar, a Bahia poderia ter permanecido portuguesa por muito mais tempo, fragmentando o território nacional. No entanto, sua incapacidade de compreender a política e a cultura do país que o contratou selou seu destino.

Sua trajetória expõe as dores do parto do Brasil Império: uma nação que precisou de mãos estrangeiras para garantir sua soberania, mas que lutou ferozmente para afirmar sua própria identidade diante delas. Labatut foi um herói sem estátua no coração da elite de sua época, mas fundamental para que o Brasil fosse um só.

Referências Bibliográficas

GOMES, Laurentino. 1822. São Paulo: Globo Livros, 2010.

KRAAY, Hendrik. "A política de raça, cor e outras exclusões durante a Guerra da Independência na Bahia". Estudos Afro-Asiáticos, 2002.

TAVARES, Luís Henrique Dias. A Independência do Brasil na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da Independência do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Década da Flexibilidade: Como os Anos 90 Moldaram a Jornada e Remuneração no Brasil

Os anos 1990 foram um período de profundas transformações econômicas e sociais no Brasil. Marcados pela abertura econômica, estabilização monetária e uma busca por maior competitividade, o mercado de trabalho não ficou imune a essas mudanças. Em meio a esse cenário, surgiram e se consolidaram mecanismos de flexibilização da jornada e da remuneração, que visavam adaptar as relações de trabalho às novas demandas empresariais. Para contadores e profissionais da área trabalhista, compreender o legado dessa década é fundamental para navegar pelas complexidades da legislação atual.

O Contexto da Flexibilização Pontual

A década de 90 no Brasil foi caracterizada por um movimento de modernização e desregulamentação em diversas esferas. No campo trabalhista, a ideia era permitir que empresas tivessem maior agilidade para ajustar suas operações às flutuações do mercado, sem necessariamente recorrer a demissões em massa ou contratações permanentes que pudessem se tornar um fardo em momentos de retração.

Não se tratava de uma reforma trabalhista abrangente, mas sim de "flexibilização pontual", ou seja, a introdução de medidas específicas que permitiam maior maleabilidade em aspectos como jornada e remuneração, muitas vezes via negociação coletiva. Essa abordagem buscava um equilíbrio entre a proteção do trabalhador e a necessidade de as empresas se manterem competitivas em um cenário globalizado.

Banco de Horas: A Compensação que Virou Regra

Um dos mecanismos mais emblemáticos dessa era foi o "banco de horas", que ganhou força legal justamente com a Lei nº 9.601/1998 (a mesma que instituiu o contrato por prazo determinado). Antes de sua formalização, a compensação de jornada era rígida. Com a nova redação dada ao art. 59 da CLT, as empresas ganharam a possibilidade de gerenciar as horas extras de forma estratégica.

  • O que é o Banco de Horas? Em sua essência, permite que as horas extras trabalhadas em um período sejam compensadas com a correspondente diminuição da jornada em outro momento, em vez de serem pagas em dinheiro com adicional.
  • Impactos para a Contabilidade: A implementação do banco de horas exigiu um controle rigoroso. Para os contadores, isso significou a necessidade de monitorar o ponto detalhado e validar a existência de Acordos ou Convenções Coletivas (requisito obrigatório na época). O banco de horas, quando bem gerido, reduz custos, mas sua complexidade de cálculo adicionou uma camada de responsabilidade aos departamentos pessoais.

Acordos de Compensação de Jornada: Além do Banco de Horas

Paralelamente, os "acordos de compensação de jornada" também ganharam destaque. Diferente do banco de horas (que lida com saldo a longo prazo), a compensação clássica foca na semana.

  • O que são? Pactos para distribuir as horas da semana de forma diferente, respeitando o limite constitucional. O exemplo clássico é a "Semana Inglesa" ou "Espanhola", onde se trabalha mais de segunda a sexta para suprimir o trabalho aos sábados.
  • Relevância Contábil: O contador precisa garantir que esses acordos estejam devidamente formalizados. Erros aqui podem descaracterizar o acordo, gerando passivos de horas extras retroativas.

Lei nº 9.601/1998: O Contrato por Prazo Determinado

O grande marco legislativo da década foi, sem dúvida, a Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998. Ela não só pavimentou o caminho para o banco de horas, como introduziu o contrato de trabalho por prazo determinado desvinculado da CLT tradicional (que exigia a natureza transitória do serviço), focando no aumento de postos de trabalho.

  • A Novidade: A lei permitiu contratações temporárias para qualquer atividade da empresa, desde que houvesse aumento no quadro de funcionários e previsão em acordo coletivo.
  • Incentivos Fiscais e Verbas: Para incentivar a adesão, a lei reduziu encargos sociais e flexibilizou verbas rescisórias (isentando, por exemplo, o aviso prévio e a multa de 40% do FGTS para esses contratos específicos, mediante negociação).
  • O Papel do Contador: Foi crucial para auxiliar no planejamento de contratações, verificando a elegibilidade da empresa e os limites percentuais de temporários permitidos por lei, evitando a criação de passivos ocultos.

O Legado dos Anos 90 para o Profissional Contábil

A década de 1990 deixou um legado duradouro. A introdução dessas ferramentas transformou o contador: ele deixou de ser apenas um "calculista" de folha para se tornar um consultor estratégico.

Compreender a gênese desses instrumentos — Banco de Horas, Compensação e Contratos Flexíveis — é crucial, pois eles são a base das discussões que culminaram, anos mais tarde, na Reforma Trabalhista de 2017. O entendimento aprofundado dessa história permite uma atuação mais segura e inteligente no dinâmico cenário trabalhista brasileiro.

Palavras-chave: flexibilização trabalhista, anos 90, banco de horas, acordos de compensação, Lei 9.601/98, contrato por prazo determinado, contabilidade trabalhista, gestão de jornada.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998. Dispõe sobre o contrato de trabalho por prazo determinado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jan. 1998.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar.

Painéis Solares Entre as Plantações: Agrivoltaica é a Inovação que o Campo Esperava

Imagem desenvolvida por IA
Em um mundo que enfrenta o duplo desafio de garantir a segurança alimentar para uma população crescente e, ao mesmo tempo, migrar para fontes de energia mais limpas, a otimização do uso da terra tornou-se uma prioridade global. É nesse cenário que a agrivoltaica surge como uma solução engenhosa e promissora, unindo o melhor de dois mundos: a agricultura e a geração de energia solar. Esta abordagem inovadora não apenas propõe uma coexistência pacífica entre painéis solares e plantações, mas demonstra que essa sinergia pode impulsionar a produtividade, gerar renda e fortalecer a sustentabilidade no campo.

O Conceito de Agrivoltaica

A agrivoltaica, também conhecida como sistema agrovoltaico ou APV (do inglês, Agri-Photovoltaics), é a prática de utilizar a mesma área de terra para a produção agrícola e para a geração de energia fotovoltaica simultaneamente. Diferente das usinas solares tradicionais que ocupam vastas extensões de terra de forma exclusiva, os sistemas agrivoltaicos são projetados para permitir que a luz solar chegue às culturas.

Isso é alcançado de três maneiras principais:

  • Elevação dos Painéis: As estruturas que sustentam os painéis solares são construídas a uma altura maior (geralmente de 2 a 5 metros), permitindo que máquinas agrícolas e trabalhadores transitem por baixo.
  • Espaçamento Otimizado: Os painéis são instalados com um espaçamento maior entre as fileiras, criando faixas de sol e sombra que se movem ao longo do dia.
  • Painéis Semitransparentes: Utilização de tecnologias de painéis que permitem a passagem de parte da luz, filtrando-a para as plantas abaixo.

A premissa fundamental é que, para muitas culturas, a exposição solar direta e constante não é necessária e pode até ser prejudicial. A sombra parcial criada pelos painéis pode, na verdade, criar um microclima mais favorável ao desenvolvimento das plantas.

Aumento de Produtividade Agrícola

Contrariando a intuição inicial de que menos sol resultaria em menor produtividade, estudos e projetos-piloto ao redor do mundo têm demonstrado o oposto para diversas culturas. Os benefícios agronômicos são notáveis:

  1. Redução do Estresse Hídrico: A sombra parcial dos painéis diminui a evaporação da água no solo e a transpiração das plantas. Isso resulta em uma economia significativa de água de irrigação — um recurso cada vez mais escasso e caro — e torna as culturas mais resilientes a períodos de seca.
  2. Proteção contra Intempéries: As estruturas protegem as plantas de eventos climáticos extremos, como granizo, geadas e chuvas torrenciais, além de reduzir os danos causados por excesso de radiação UV em dias muito quentes.
  3. Criação de Microclima: A temperatura sob os painéis é mais amena durante o dia e ligeiramente mais quente durante a noite. Esse ambiente mais estável é ideal para culturas sensíveis ao calor, como hortaliças folhosas (alface, espinafre), ervas, morangos e até mesmo algumas variedades de café e feijão.

Além disso, os próprios painéis solares se beneficiam da presença das plantas. A evapotranspiração das culturas ajuda a resfriar a superfície dos painéis, aumentando sua eficiência na conversão de luz solar em eletricidade.

Renda Adicional para Produtores Rurais

A vantagem econômica é um dos maiores atrativos da agrivoltaica. O produtor rural diversifica suas fontes de receita, tornando seu negócio mais resiliente e lucrativo.

  • Venda da Colheita: A produção agrícola continua sendo a principal atividade, garantindo o fluxo de caixa tradicional.
  • Geração e Venda de Energia: A eletricidade gerada pelos painéis pode ser consumida na própria fazenda (reduzindo os custos com energia para irrigação, refrigeração e outras máquinas) e o excedente pode ser vendido para a rede de distribuição local. Isso cria uma fonte de renda passiva, estável e previsível, que não depende das flutuações de preços das commodities agrícolas.
  • Valorização da Terra: A capacidade de gerar duas safras — uma agrícola e outra energética — no mesmo hectare aumenta exponencialmente o valor e a produtividade da propriedade rural.

Casos de Sucesso no Brasil

O Brasil, com sua vasta extensão territorial agrícola e alta incidência solar, é um terreno fértil para a agrivoltaica. Embora a tecnologia ainda esteja em fase de expansão, já existem casos notáveis:

  • Pesquisas da Embrapa: A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem conduzido estudos importantes. Em Petrolina (PE), no coração do semiárido, projetos-piloto com hortaliças e frutas sob painéis solares mostraram resultados promissores na economia de água e na viabilidade da produção.
  • Projetos em Minas Gerais: O estado, conhecido tanto por sua produção agrícola quanto por ser um polo de energia solar, tem visto iniciativas em fazendas de café. O sombreamento parcial fornecido pelos painéis pode melhorar a qualidade dos grãos de cafés especiais, que se beneficiam de um amadurecimento mais lento.
  • Parceria Eletrobras e CEPEL: No município de São João, em Pernambuco, um projeto pioneiro testou o cultivo de feijão, milho e outras culturas em um sistema agrivoltaico, validando a eficiência do uso compartilhado da terra e servindo de modelo para futuras implementações em escala comercial.

Esses casos demonstram que a agrivoltaica não é uma fantasia futurista, mas uma realidade aplicável e vantajosa para o agronegócio brasileiro, alinhada às demandas por sustentabilidade e inovação.

Referências Bibliográficas

DUPRAZ, C. et al. "Combining solar photovoltaic panels and food crops for optimising land use: Towards new agrivoltaic schemes". Renewable Energy, vol. 36, n. 10, pp. 2725-2732, 2011.

AMADUCCI, S. et al. "Agrivoltaic systems to optimise land use for food and energy production". Applied Energy, vol. 220, pp. 545–561, 2018.

TROMMSDORFF, M. et al. "Agrivoltaics: opportunities for agriculture and the energy transition – A Guideline". Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE, Freiburg, 2022.

EMBRAPA SEMIÁRIDO. Relatórios e Comunicados Técnicos sobre sistemas agrovoltaicos e o uso eficiente da água na agricultura. Petrolina: Embrapa, [s.d.].