O incêndio que nunca aconteceu e a criação da data por Stalin
![]() |
Reprodução |
Neste artigo, vamos revelar as verdadeiras origens do 8 de
março, mostrando como essa data foi construída politicamente e como a figura de
Josef Stalin e a União Soviética desempenharam um papel crucial
nessa narrativa.
O mito do incêndio de 8 de março
Durante décadas, foi amplamente divulgado que, em 8 de
março de 1857, operárias têxteis de Nova York realizaram uma greve por
melhores condições de trabalho e salários justos. Como resposta, donos da
fábrica teriam trancado as portas e iniciado um incêndio criminoso, matando
dezenas de mulheres carbonizadas.
Por mais trágica e impactante que essa história seja, não
há registros históricos que comprovem que esse evento tenha acontecido naquela
data. Pesquisadores e historiadores que se debruçaram sobre jornais da
época, documentos oficiais e arquivos históricos não encontraram evidências que
sustentem essa versão.
O que realmente existiu foi o trágico incêndio da fábrica
Triangle Shirtwaist, ocorrido em 25 de março de 1911, também em Nova
York, que matou 146 trabalhadores, a maioria mulheres imigrantes.
Contudo, esse episódio, apesar de real e marcante para a luta trabalhista, não
foi a origem do Dia Internacional da Mulher, nem ocorreu em março de 1857,
como tantas vezes se repete.
A verdadeira origem do Dia Internacional da Mulher
Para entender a escolha do 8 de março, precisamos
viajar até a Rússia e observar o contexto político do início do século
XX.
Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário
juliano, usado na época na Rússia), milhares de operárias saíram às ruas de
Petrogrado exigindo "pão e paz", protestando contra as
condições miseráveis de vida e o envolvimento do país na Primeira Guerra
Mundial. Essa manifestação foi um estopim que desencadeou a Revolução
Russa, resultando na queda do czarismo.
Esse fato concreto motivou, anos depois, o movimento
comunista a estabelecer o 8 de março como um dia simbólico da luta das
mulheres trabalhadoras, principalmente nas nações socialistas.
Stalin e a propaganda soviética
Foi em 1921, durante a Segunda Conferência
Internacional de Mulheres Comunistas, em Moscou, que o 8 de março
foi oficializado como a data para celebrar a luta das mulheres, reforçando sua
importância na revolução e no movimento socialista.
Com o tempo, a máquina de propaganda soviética, sob o
comando de Josef Stalin, ajudou a consolidar e exportar essa celebração
para outros países. Como estratégia política, buscou-se uma narrativa
universal, que pudesse sensibilizar não só os países comunistas, mas também o
Ocidente. É justamente nesse cenário que a lenda do incêndio de 1857 começou a
circular como uma justificativa emocional e trágica para reforçar a simbologia
do 8 de março.
Mesmo sem fundamentos históricos, essa história pegou. Foi
repetida em discursos, jornais, livros e até nos sistemas educacionais,
transformando-se em um mito que muitos acreditam até hoje.
O 8 de março e sua consolidação global
Apesar do mito do incêndio, a data foi sendo adotada
gradualmente ao redor do mundo. A ONU, em 1977, reconheceu
oficialmente o Dia Internacional da Mulher, consolidando a celebração
como um momento para refletir sobre as conquistas femininas e os desafios que
ainda permanecem.
A partir daí, a data ganhou força não apenas entre
movimentos comunistas, mas em todo o mundo, tornando-se símbolo das lutas
femininas por igualdade, respeito e direitos trabalhistas e políticos.
Por que é importante conhecer essa história?
Saber que o famoso incêndio de 1857 não aconteceu não
diminui a importância do Dia Internacional da Mulher. Pelo contrário:
entender a verdadeira história permite reconhecer as reais lutas que deram
origem à data e refletir sobre como narrativas podem ser criadas e perpetuadas
para atender interesses políticos.
Além disso, valorizar eventos concretos, como as greves
femininas, a participação das mulheres nas revoluções e as mobilizações
trabalhistas, fortalece ainda mais a data como um símbolo autêntico da luta por
direitos.
Conclusão
O 8 de março não nasceu de uma tragédia isolada, mas
sim de décadas de mobilização feminina e da articulação política em torno da
valorização das mulheres como agentes transformadoras da sociedade.
Embora o mito do incêndio tenha servido como ferramenta de
sensibilização, a verdadeira força do Dia Internacional da Mulher está nas
histórias reais de resistência, trabalho e coragem de mulheres em todo o mundo.
Referências
- RAGO,
Margareth. Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar. São
Paulo: Paz e Terra, 1985.
- SCOTT,
Joan Wallach. Gênero e a Política da História. São Paulo: Ed.
UNESP, 1995.
- REIS,
Daniel Aarão. A Revolução Russa: Os Fatos e as Interpretações. São
Paulo: Brasiliense, 1992.
- PINSKY,
Carla Bassanezi. História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012.
- ONU
Mulheres. “História do Dia Internacional da Mulher”. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br
- COUTINHO,
Afrânio. Enciclopédia de Literatura Brasileira. Rio de Janeiro:
MEC/INL, 1990.
- VIEIRA,
Evaldo. A Construção do Mito do 8 de Março e a Influência Soviética.
Revista de História Social, 2015.
- SEVCENKO,
Nicolau. A Revolta dos Modernistas e a Nova Mulher. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992.
Nenhum comentário:
Postar um comentário