Pendurados em seus tradicionais barbantes — ou cordéis, daí o nome — os
folhetos de capas coloridas e gravuras rústicas são muito mais do que simples
histórias em rima; representam um pilar fundamental na preservação e difusão
da cultura popular do Brasil.
A força do cordel reside em sua capacidade de ser,
simultaneamente, espelho e cronista do povo. Nascido da tradição oral
dos trovadores medievais e adaptado com maestria no sertão nordestino, o cordel
se tornou o jornal, a escola e o entretenimento de comunidades inteiras,
especialmente em uma época de acesso restrito à educação formal.
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Entenda como as narrativas moldam identidades e preservam valores — tanto nos
mitos antigos quanto no cordel brasileiro.
O Cordel como Registro Histórico e Social
Antes da popularização do rádio e da televisão, eram os poetas
cordelistas que narravam os grandes acontecimentos — da política nacional
aos dramas do sertão.
As aventuras de Lampião, os milagres de Padre Cícero, as secas e
as transformações sociais eram meticulosamente versadas em sextilhas e
setilhas. Essa função de jornalismo popular não apenas informava, mas
também interpretava a realidade sob a ótica do homem comum.
Assim, o cordel é um arquivo vivo da memória coletiva
brasileira — um testemunho em versos da vida, da fé e da resistência
nordestina.
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Culturas distintas, mas com o mesmo propósito: eternizar saberes por meio da
arte.
A Transmissão de Saberes e Valores
A literatura de cordel funciona como um potente vetor
de transmissão de conhecimento e valores.
Por meio de narrativas que mesclam o real e o fantástico, ensinam-se lições de
moral, ética e sabedoria popular.
Os desafios entre cantadores e as fábulas de animais perpetuam um código de
valores que molda o caráter de gerações.
A oralidade, marca essencial do cordel, reforça esse papel
pedagógico e afetivo: os versos declamados em feiras e praças públicas criam
laços comunitários e mantêm viva a voz do povo.
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Assim como o cordel, o texto bíblico também ecoa coragem, fé e superação diante
da adversidade.
Uma Estética Única: A Palavra e a Imagem
Não se pode falar de cordel sem mencionar a xilogravura,
técnica de impressão em madeira que ilustra as capas dos folhetos.
Essas imagens de traços fortes e expressivos criam uma identidade visual
inconfundível.
A união entre poesia metrificada e arte visual transforma o
cordel em um objeto cultural completo, onde texto e imagem se
complementam para contar histórias.
Essa estética singular conecta o cordel às raízes mais
profundas da cultura nordestina — simples, simbólica e profundamente
humana.
Desafios e a Resiliência no Século XXI
Apesar da concorrência com as mídias digitais e da mudança
nos hábitos de leitura, o cordel mostra uma extraordinária capacidade de
adaptação.
Hoje, ele está nas redes sociais, escolas e universidades,
conquistando novos públicos e sendo reconhecido oficialmente como Patrimônio
Cultural Imaterial Brasileiro pelo IPHAN.
A força do cordel não está apenas em seu passado, mas em sua
permanente relevância.
Apoiar um cordelista, ler um folheto ou compartilhar um verso é um ato de
preservação da alma brasileira — é garantir que a voz do povo
continue ecoando pelas gerações futuras.
Referências Bibliográficas
CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros
e Cantadores: Folclore Poético do Sertão de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
LUYTEN, Joseph M. O que é
Literatura de Cordel. São Paulo: Brasiliense, 2005.
ABREU, Márcia. Histórias de
Cordéis e Folhetos. Campinas: Mercado de Letras, 1999.
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel:
Leitores e Ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Dossiê de Registro
da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil. Brasília:
IPHAN, 2018.