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A Conturbada Invenção do Telefone: Uma Disputa de
Patentes Centenária
O final do século XIX foi um período efervescente de
invenções, mas também de intensas disputas por patentes, especialmente no campo
das mídias e comunicações. A invenção do telefone, em particular, é um exemplo
paradigmático dessas controvérsias, com litígios que se estenderam por décadas
e discussões que persistem até hoje sobre quem realmente o inventou (CHALINE,
2014).
Essa efervescência tecnológica frequentemente levava ao
desenvolvimento simultâneo de inovações similares, impulsionadas por princípios
teóricos conhecidos e componentes disponíveis. No contexto da telefonia,
diversos inventores ao redor do mundo contribuíram com avanços cruciais antes
da consolidação de um modelo comercialmente viável (BRUCE, 1973). Entre eles,
destacam-se:
- Charles
Bourseul (1829-1912): O franco-belga que, já em 1854, descreveu o
princípio da transmissão elétrica da voz, antecipando conceitos de
telefonia.
- Johann
Philipp Reis (1834-1874): O alemão que, em 1861, construiu um
dispositivo que chamou de "Telephon", capaz de transmitir tons
musicais e, de forma rudimentar, a voz humana. Embora não fosse um sistema
prático para conversação, foi um passo fundamental.
- Antonio
Meucci (1808-1889): O imigrante italiano que, em 1871, registrou um
"caveat" (patente provisória) nos EUA para seu
"teletrofone", uma invenção de 1854 que demonstrava a
transmissão eletromagnética de voz. Sua contribuição foi amplamente
ignorada por décadas, mas posteriormente reconhecida nos Estados Unidos.
No cenário americano, a disputa principal se deu entre Alexander
Graham Bell (1847-1922) e Elisha Gray (1835-1901). Ambos registraram
suas patentes no mesmo dia, 14 de fevereiro de 1876, com poucas horas de
diferença. Essa coincidência gerou acusações de plágio e fraude, alimentando
teorias conspiratórias. Embora Bell tenha prevalecido legalmente, em grande
parte por ter sido o primeiro a apresentar um protótipo funcional e
comercializável, o episódio sublinha a complexidade da inovação e a dificuldade
em atribuir a autoria exclusiva a uma invenção que frequentemente é o culminar
de múltiplos esforços e descobertas (BRUCE, 1973).
O Fim da Telefonista: A Revolução da Automatic Electric e
Almon Strowger
Antes da era da discagem automática, as conexões telefônicas
dependiam de operadores manuais. Inicialmente, as linhas conectavam diretamente
dois pontos. Para evitar uma "floresta de fios" em cidades em
crescimento, surgiram as centrais telefônicas, inspiradas nas centrais de
telegrafia, com a primeira inaugurada em 1878 nos EUA. Nessas centrais, um
assinante ligava para uma telefonista, que então, com base no número
solicitado, conectava manualmente os fios apropriados em uma mesa de comutação.
Embora funcional, esse sistema apresentava limitações
significativas. Além da óbvia escala e velocidade, havia uma questão crítica: a
privacidade. O telégrafo, embora revolucionário, transmitia mensagens
não-privadas, pois um operador precisava transcrevê-las. Com as telefonistas, o
risco de escuta era uma preocupação constante, especialmente para conversas
comerciais e pessoais.
Foi esse medo da falta de privacidade, e a lenda de que um
coveiro de Kansas City chamado Almon Brown Strowger (1839-1902)
acreditava que as telefonistas de sua cidade estavam desviando chamadas de seus
clientes para concorrentes, que o impulsionou a buscar uma solução automatizada
(CHALINE, 2014). Em 1889, Strowger patenteou o primeiro sistema de comutação
telefônica automático, o "step-by-step" (passo a passo), que
eliminava a necessidade de intervenção humana. Em 1891, a Automatic Electric
Company foi fundada para comercializar sua invenção.
A introdução do comutador Strowger foi uma revolução. Ele
não apenas garantiu a privacidade das conversas, mas também aumentou
exponencialmente a velocidade e a eficiência das ligações, permitindo que as
redes telefônicas crescessem sem os gargalos e os custos associados à mão de
obra. Isso impulsionou o desenvolvimento de novos negócios e estimulou o uso
comercial e pessoal do telefone de maneiras antes impossíveis. O sistema
automático reduziu o "tempo de espera" e a "queda de serviço"
(desconexões acidentais), tornando a comunicação mais confiável e acessível.
O Telefone-Castiçal: Um Ícone da Era Dourada da Telefonia
Com a invenção de Strowger, o telefone passou por uma
evolução notável em seu design e funcionalidade. Os primeiros telefones
Strowger Automatic Electric não possuíam o famoso disco giratório. Eles
apresentavam botões ou teclas que o usuário pressionava um número específico de
vezes, enviando pulsos elétricos que instruíam a central automática a conectar
a chamada "passo a passo".
Foi em 1896 que a Automatic Electric introduziu o primeiro
telefone com disco giratório, um avanço que se tornaria o padrão da
indústria por quase um século. O design em "castiçal" — com seu
formato alongado, lembrando um candelabro antigo — era icônico. O modelo
referenciado, datado de cerca de 1905, exemplifica essa estética. Ele
tipicamente possuía um microfone no topo de uma haste vertical (o
"castiçal"), com um fone de ouvido removível e um gancho lateral. A
campainha, que servia para alertar sobre chamadas, era muitas vezes uma unidade
separada, montada na parede.
O disco giratório inicial, por vezes apelidado de
"soco-inglês" devido aos seus furos, geralmente tinha 10 furos para
os dígitos de 0 a 9 e, em alguns modelos antigos, um décimo primeiro furo para
chamar uma telefonista, especialmente para "chamadas de longa
distância" que ainda necessitavam de assistência manual. Modelos
posteriores simplificaram, mantendo apenas os dez furos padrão. O
telefone-castiçal, com sua combinação de design elegante e a funcionalidade
revolucionária do disco giratório, representou o auge da telefonia antes da
popularização dos telefones de baquelite e, mais tarde, dos modelos de teclado
(CHALINE, 2014).
O Legado Duradouro
O telefone-castiçal e a tecnologia da Automatic Electric não
foram apenas produtos; foram catalisadores de mudança. Eles transformaram a
comunicação de um privilégio caro e supervisionado em uma ferramenta acessível
e privada. O impacto social e econômico foi imenso: desde a facilitação do
comércio e da coordenação empresarial até a redefinição das relações sociais e
familiares, permitindo uma "intimidade e imediatismo" que o telégrafo
e o correio não podiam oferecer. Essas inovações pavimentaram o caminho para
todas as formas subsequentes de redes de comunicação, desde as redes sociais
atuais até a infraestrutura digital que hoje conecta o mundo. O
telefone-castiçal, em sua elegância e funcionalidade, permanece um símbolo da
era em que a voz humana conquistou o espaço através dos fios, redefinindo o
conceito de proximidade.
Referências Bibliográficas
BRUCE, Robert V. Bell: Alexander Graham Bell and the
conquest of solitude. Boston: Little, Brown, 1973.
CHALINE, Erich. 50 máquinas que mudaram o rumo da
história. Tradução de Fabiano Moraes. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.