Um dos decanos do tribunal, João Otávio de Noronha rechaça argumentos
governistas de que impeachment é golpe – e defende a conduta do juiz federal
Sergio Moro
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O ministro do Supremo Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha (Roberto Jayme/ASICS/TCE/Divulgação) |
Um dos decanos do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
onde veste a toga há quase 13 anos, o mineiro João Otávio de Noronha deixou
para trás no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o turbulento processo que pode
levar à cassação da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel
Temer. Ex-relator da ação de impugnação de mandato eletivo (Aime), teve de
insistir para que as avassaladoras provas colhidas na Operação Lava Jato
pudessem embasar o caso que, se o processo de impeachment não prosperar no
Congresso, é considerado a pedra de toque para a depuração da política
brasileira. Ex-corregedor da Justiça eleitoral, Noronha recebeu o site de VEJA
na última segunda-feira em seu gabinete em Brasília e defendeu o instituto do
recall nas eleições, disse que as discussões para a retirada de Dilma do poder
não podem ser classificadas como "golpe" e resumiu: "O eleitor
não precisa aguentar o governo". A seguir, os principais trechos da
entrevista.
O
impeachment nem foi votado e o governo já fala em recorrer à Justiça. Isso é
válido? O Brasil passa por um conflito político que
há muito tempo não víamos. Há um processo de impeachment que tramita onde tem
que tramitar, no Congresso Nacional, e que está baseado na Constituição
Federal. A decisão dos parlamentares é soberana e não pode ser revista sequer
pelo Poder Judiciário ou pelo Supremo Tribunal Federal. O impeachment nada mais
é do que um processo político e constitucional de impugnação ao mandato da
presidente da República.
Como
avalia o discurso de que o impeachment seria golpe? Não
é golpe de modo algum. Não pode ser golpe a aplicação dos institutos previstos
na Constituição da República. O juízo de admissibilidade é político e é do
Congresso Nacional. Se não sair o impeachment, ainda restarão abertas as portas
do Judiciário no TSE. E nem venham me dizer que isso é golpe.
O
argumento é o de que estão tentando reverter a vitória da presidente nas urnas. A
votação obtida pela presidente Dilma Rousseff dá a ela uma presunção de
legitimidade, mas não uma presunção absoluta. Isso quer dizer que, quando se
prova a utilização do poder político ou quando recursos econômicos ilegítimos
foram empregados para ganhar a eleição, comprovamos que a vontade popular foi
viciada. Teríamos o mesmo resultado se a ética e a lei tivessem sido seguidas?
A resposta sempre é negativa.
É o
caso da campanha da presidente Dilma? Jamais vi na história
do Brasil - e me aproximo dos 60 anos - uma eleição tão dividida, tão
polarizada e com acusações tão graves. Fico triste de ver que as empresas estatais
tenham sido utilizadas, segundo as denúncias, para financiar campanhas
políticas. Isso é estarrecedor porque o poder econômico é utilizado de uma
forma ilegal, com desvio de verbas de empresas controladas pelo governo. A
Constituição não dá um salvo-conduto para prática de atos imorais, criminosos e
ilegítimos. A presidente da República é uma cidadã e como tal deve ser
responsabilizada pelos atos que pratica.
As
discussões sobre o momento político são acompanhadas por críticas ao juiz
Sergio Moro. O senhor acha que ele atua como justiceiro? Essas
críticas são muito levianas. O juiz Moro é decente e correto. Não vi nenhum
inocente preso até hoje por ele e quero que me apontem onde estão esses
inocentes. Não vi nenhuma perseguição feita por ele. Tudo corria bem até que
ele pegou um determinado figurão petista, que passou a receber o apoio de
ministros dos mais variados setores no Judiciário brasileiro. Se há indícios de
que ele praticou ilícitos, por que ele não pode ser tratado como os demais?
Onde está escrito na Constituição que ele merece tratamento diferenciado? Um
dos críticos disso, o ministro Marco Aurélio Mello, vivia dizendo no Supremo e
principalmente no Tribunal Superior Eleitoral que o processo não se julga pela
capa. Se não se julga pela capa ou pelo nome da parte processada, por que dar
tratamento diferenciado a um ex-presidente da República? Por que nessa hora vai
olhar a capa do processo e não olha a capa quando o processado é o Joaquim da
Silva ou o José Pereira do interior? Tenho o maior apreço e respeito pelo
trabalho que o juiz Moro está fazendo. Ele é digno de elogios.
O
senhor compartilha da tese de que o petrolão foi um projeto criminoso de poder? Há
uma coisa muito grave na República Federativa do Brasil e que envolve
autoridades políticas antes intocáveis. Agora o amadurecimento da democracia
nos levou a investigar a todos. De pouco tempo para cá todos respondem por
aquilo que fizeram. O Brasil mostrou sua maturidade democrática quando, por
exemplo, o juiz Sergio Moro teve essa coragem e precisava ter de chegar aos
intocáveis. Não temos que temer ninguém. Não temos que temer o grito de
ninguém, seja quem for que esteja a gritar. Ninguém pode se achar intocável ou
acima da lei. Como juiz, tenho orgulho de ver que este moço teve a coragem
necessária para desvendar o que subjaz atrás de todo esse esquema de corrupção.
Entre os investigados, ninguém diz 'eu não fiz, eu não pratiquei'. Só se diz 'a
ação foi ilegal'. Ninguém contesta os fatos e nem há como contestar fatos que
restaram gravados e divulgados e cujas vozes eram publicamente conhecidas.
A
recente decisão do STF de executar sentença e permitir prisões já em segunda
instância ajuda no combate à corrupção? Temos que interpretar
até onde deve ir a presunção da inocência. Quando a interpretação da presunção
da inocência importa no juízo absoluto de impunidade, como vinha acontecendo,
não se estava assegurando nenhuma garantia constitucional, e sim burlando a
garantia constitucional. Uma decisão proferida por um juiz de primeiro grau, confirmada
por um tribunal, significa que já temos dois pesos no sentido da culpabilidade.
Não me parece razoável que a execução da pena possa ser postergada e retardada
em razão de um simples recurso ao tribunal superior. Caberá ao Supremo e ao STJ
analisar caso a caso se a prisão pode causar um dano irreparável. É um recado
claro de que acabou a impunidade com fundamento em meras questões formais.
Na
posse de Lula, Dilma atacou Moro e criticou as manifestações de ruas. Chegou a
comparar os acontecimentos ao início do nazismo. A
presidente Dilma deve estar muito atordoada e não sabe o que está falando.
Conheço uma série de cidadãos que foram para as ruas porque estão descontentes,
porque se sentiram ludibriados pela política e pelo discurso de campanha não cumprido.
Eles foram às ruas porque, no dia seguinte à proclamação do resultado do
segundo turno, tínhamos uma ação totalmente diferente daquela pregada. Nas
manifestações pró-governo, vi notícias de ônibus vindo do interior para trazer
manifestantes, manifestantes recebendo dinheiro. Há uma diferença muito grande
entre uma manifestação e outra. Uma é induzida, organizada. A outra é natural.
Todo mundo sabe o que foram as manifestações pró-impeachment. O povo elege e
não pode tirar? Lamentavelmente a nossa Constituição não criou um instituto
para isso.
O
senhor defende em um referendo ou recall do mandato? Talvez
fosse o caso de o impeachment nem ser decidido pelo Congresso, mas diante de
uma consulta pública à população, como um recall. Esse é o meio mais democrático
de se fazer. Aí ninguém vai ter coragem de falar em golpe. Todos nós sabemos o
motivo do desagrado com o governo. Temos um país em uma situação crítica.
Depois de muitos anos de estabilidade econômica, temos um país economicamente
em estado de desastre, com déficit orçamentário, inflação retomando,
desemprego. Temos uma situação econômica desastrosa e nos últimos 20 anos não
tínhamos visto isso. O eleitor não precisa aguentar isso. Como não temos um
recall, o remédio previsto na Constituição é o impeachment.
Por Laryssa Borges para a Veja
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