Negociação
deve ser fechada em novembro; intenção é que ministro do STF avalie homologação
ou não antes do recesso de fim de ano
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Imagem: Tiago Queiroz/Estadão |
BRASÍLIA - A assinatura do acordo
de colaboração entre o Grupo Odebrecht e a Operação Lava Jato entrou na sua
reta final. Previsto para ser celebrado ainda em novembro, o maior acordo da
operação – cerca de 80 funcionários e ex-funcionários e ao menos R$ 6
bilhões de multa prevista - terá uma logística diferente para evitar
vazamento do conteúdo das delações e possibilitar o envio para homologação do
ministro Teori Zavascki antes do recesso de fim de ano, em 20 de dezembro. Ao
contrário de outras tratativas, a Procuradoria informou aos advogados do Grupo
as penas a serem impostas e agora aguarda o retorno das defesas já com os
depoimentos tomados. Depois disso, cada colaborador irá ser ouvido pelos
procuradores para confirmar o teor do depoimento entregue por seus advogados.
As inovações, as dificuldades ao longo das negociações e
as penas duras aplicadas pelo MPF são reflexo do tamanho do acordo a ser
assinado e do comportamento da empresa desde o início da Lava Jato. Para os
investigadores, além do enfrentamento judicial, a empresa atuou
"extracampo" para atacar integrantes da investigação, comprar dossiês
e tentar desgastar a investigação e seus protagonistas.
Mesmo sob ataque, tanto a PF como o MPF continuaram com a
investigação e chegaram ao coração da maior empreiteira da América Latina.
Embora já fosse alvo desde sua citação nas delações de Alberto Youssef e Paulo
Roberto Costa, ainda em 2014, a empresa recebeu o primeiro grande golpe quando
a Suíça, em março de 2016, liberou o envio da quebra de sigilo de suas conta naquele
país. Meses depois, a "bala de prata" veio com as fases Xepa e
Acarajé que descobriram o departamento da propina, as várias camadas de
offshores utilizadas para camuflar pagamentos no exterior e até o banco que
seus funcionários compraram para movimentar ao menos US$ 1,6 bilhão
provenientes do seu sistema financeiro paralelo. Desde então, nos bastidores da
operação, o acordo passou a ser classificado como dispensável porque o caminho
do dinheiro estava às claras, era preciso apenas segui-lo.
Foi nessa situação nada confortável, com seu sistema
financeiro paralelo exposto, que a Odebrecht iniciou a negociação no final de
maio. Para Marcelo, a situação era ainda pior. Os e-emails em posse da PF
materializam sua ascendência e comando sobre toda a operação do departamento de
propina. Muito embora o sistema tivesse vida e modus operandi próprios, a
criação da estrutura bem como a palavra final em sua operação era do herdeiro
do "doutor" Emílio Odebrecht. Em resumo, sua pena deveria ser
exemplar, não haveria como esconder algo do acordo e a punição à empresa
deveria tornar-se padrão para as demais.
A dias da celebração do acordo e, portanto, do início das
revelações do que está por vir com a delação, o Estado mapeou os
cargos e áreas de atuação de executivos que fazem parte das negociações com a
Procuradoria-Geral da República, com as zonas de influência da empresa. Além do
núcleo mais próximo à família Odebrecht, são funcionários que vão de
presidentes de empresas e diretores de áreas de negócio a secretárias da
Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Ambiental, Odebrecht Óleo e Gás,
Odebrecht Realizações Imobiliárias, Odebrecht Defesa e Tecnologia, Braskem e
nos braços internacionais da empresa com atuação na América Latina, África e
Estados Unidos.
As funções dos executivos e ex-executivos demonstram a
extensão e a importância da negociação do grupo com o MPF. Ao que se sabe, são
53 colaborares que fazem delação premiada e mais 32 que prestam depoimentos
como lenientes. Entre os participantes da negociação, ao menos sete nomes são
ligados diretamente à cúpula do conglomerado – sendo três ex-presidentes da
holding que irão cumprir penas após a delação: Emílio Odebrecht, patriarca e
hoje presidente do Conselho de Administração do grupo, Marcelo Odebrecht e Pedro
Novis. A lista, incompleta, inclui ainda dois ex-presidentes da Braskem, 14
líderes empresariais ou diretores executivos – cargos mais altos das empresas
do grupo, com subordinação direta ao presidente do grupo - e 30 diretores ou
ex-diretores.
Liderança. A
Lava Jato investiga contratos de 28 empreiteiras firmados entre 2004 e 2014 com
a Petrobrás. Em valores, o Grupo Odebrecht possui a maior fatia desses
contratos: 16,6% do total, ou R$ 35,5 bilhões – isso sem considerar a
Braskem. Para os investigadores, os números revelam que a empresa possuía a
liderança do cartel de empreiteiras que dividiam as obras da Petrobrás. A
estimativa é de que ao menos 3% desses valores, ou seja, R$ 1 bilhão, seja
dinheiro usado para pagar propina a agentes públicos, embutido no valor dos
contratos. Laudo da Polícia Federal mostra que o prejuízo causado pode ser
ainda maior, com até 20% de sobrepreço admitido em cada contrato. O valor
chegaria na casa dos R$ 7 bilhõesem despesa adicional da estatal em razão
de corrupção – por isso a multa que a empresa deve pagar na leniência negociada
com o Ministério Público tem se aproximado dessa cifra.
A Polícia Federal e o MP identificaram os executivos que
trabalharam em dez braços do grupo Odebrecht e tiveram comunicações suspeitas
sobre pagamento de propina ou relação com as obras investigadas. Os nomes,
levantados pelo Estado, ajudam nas investigações. Parte negocia o acordo
de delação premiada e vai cumprir pena após os depoimentos. Outros não irão
confessar crimes, mas devem contar o que viram ocorrer na empresa nos últimos
anos na condição de lenientes. Há ainda nomes, como Newton de Souza – atual
diretor-presidente do Grupo – e Maurício Ferro, diretamente envolvidos na
transação, mas que não devem prestar depoimentos formais nem na condição de
delatores nem na de lenientes. Ferro é genro de Emílio e responsável jurídico
pela empresa.
Parte dos nomes listados são líderes de negócios de cada
empresa e atuavam com autonomia nos negócios do grupo, embora as movimentações
fossem repassadas ao diretor presidente, Marcelo Odebrecht. Há ainda diretores
de contrato, considerados hierarquicamente distantes da cúpula do grupo. Todos,
no entanto, tiveram algum contato com o esquema que se formou dentro das
empresas. Os executivos transitaram pelas empresas do grupo em diferentes fases
da carreira, por isso há situações como a de Carlos José Vieira Machado da
Cunha. A ocupação mais recente de CJ, como é conhecido no grupo, foi na
diretoria da Odebrecht Transport, mas ele conta em sua delação crimes ocorridos
no âmbito da Construtora.
Além
da Petrobrás. Além das bilionárias obras da
Petrobrás, a Odebrecht é alvo de investigação em ao menos outros 38 contratos
espalhados pelo Brasil com a União, Estados e municípios. Há casos delatados de
fase anterior a 2002 e, portanto, que não ficam circunscritos apenas a épocas
em que o PT esteve à frente do governo federal. Há delações que mencionam
relatos de irregularidades cometidas nas décadas de 1980 e 1990. Do Rio Grande
do Sul ao Rio Grande do Norte, a empreiteira deverá detalhar pagamentos
indevidos para conquistar obras que vão desde o setor de saneamento, passando
pela construção de corredores metropolitanos, linhas de metrô e obras ligadas à
Copa do Mundo, como a reforma do Maracanã (RJ) e da Arena Fonte Nova (BA) e a
construção do Itaquerão (SP).
A considerar os cargos ocupados pelos executivos nos
últimos anos, a Odebrecht vai delatar crimes ocorridos em obras de construção,
infraestrutura, óleo e gás, empreendimentos imobiliários – como a aquisição do
terreno do Instituto Lula-, petroquímica e defesa, no Brasil e, até agora, em
sete países. Há executivos que atuaram em Angola, no Panamá, Argentina, Estados
Unidos, República Dominicana, Moçambique e Venezuela. Além da pena, os
delatores terão de pagar uma porcentagem de cerca de 20% do que receberam de
salário durante o período em que trabalharam no grupo.
'Dedo-duro'. Marcelo
Odebrecht resistiu a aderir ao processo de colaboração premiada e, três meses
após ser preso, chegou a chamar delatores de “dedo-duro”. “Primeiro, para
alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar. Esse é o primeiro fato. Isso eu
acho que não ocorre aqui. Segundo, tem a questão do valor moral”, disse à CPI
da Petrobrás em setembro do ano passado. Enquanto isso, cada vez mais imersa na
Lava Jato, a empresa viu sua dívida bruta crescer e chegou a demitir mais de 50
mil funcionários.
A Odebrecht ficou encurralada após a descoberta do Setor
de Operações Estruturadas interno – tido como o departamento da propina – e viu
na delação a chance de salvar o grupo. A empresa sistematizou a corrupção com
executivos e secretárias no setor, diretamente ligado à presidência. A função
dos empregados era receber as demandas do grupo para pagamento de propina e
garantir a entrega do dinheiro a políticos de diversos partidos. Na negociação
com o Ministério Público, procuradores insistem que Marcelo não se exima da
responsabilidade de coordenar o departamento da propina.
A Lava Jato conseguiu identificar parte das obras
suspeitas no Brasil e no exterior após apreender uma grande quantidade de
e-mails e informações trocadas pelos integrantes do “departamento da propina”.
Somente na 35ª fase, batizada de Operação Omertà, que prendeu o ex-ministro
Antonio Palocci, a PF avançou sobre os 38 contratos e instaurou inquérito para
apurar quem são os agentes públicos camuflados por codinomes como Shark, Santo,
Guerrilheiro e muitos outros. Alguns já foram desvendados: o Amigo, Lula. O
Italiano, Palocci. Mas são dezenas de apelidos em referência a políticos e
demais beneficiados por “agrados” da empreiteira em troca dos contratos com o
setor público.
Com a delação, os investigadores querem otimizar o
trabalho, já que cada um dos executivos flagrados em solicitações de pagamentos
ao departamento da propina terão de declinar quem é o agente público
relacionado a cada codinome. Pelos vazamentos de informações do acordo, até
agora, serão implicados na delação mais de cem políticos envolvidos nas
negociações e, dentro desta lista, ministros de Estado, parlamentares e
governadores e ex-governadores que receberam dinheiro de caixa 2 ou propina
para facilitar a vida da empreiteira na contratação com o setor público.
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