A especialista em política educacional diz que a proposta de currículo
nacional feita pelo governo não estabelece objetivos claros para o aprendizado
e vai formar alunos menos preparados que os de outros países
A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNC) ocupa
os dias de Paula Louzano, uma das maiores autoridades brasileiras no estudo de
políticas curriculares, desde que foi apresentada pelo Ministério da Educação,
em setembro do ano passado. Segundo Paula, doutora em política educacional pela
Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e atualmente pesquisadora visitante
da Universidade Stanford, o documento apresenta problemas estruturais graves,
além de expectativas baixas em relação ao jovem que pretende formar. Após ela
acompanhar por uma década o desenvolvimento de bases curriculares em países
como Austrália, Finlândia, Estados Unidos, Portugal, Chile, Cuba e Canadá, suas
pesquisas revelaram que um currículo nacional leva tempo para ser criado e tem
como fundamento a progressão de conceitos-chave das disciplinas. Mas o governo
"inovou", e pôs sobre a mesa uma proposta inadequada. "Jogamos o
nível lá embaixo", diz Paula.
É boa a proposta de currículo único que o governo
disponibilizou para consulta pública? Não, ela tem problemas graves. As
disciplinas não conversam entre si e, mais importante, as habilidades que devem
ser desenvolvidas em cada uma delas não se organizam em uma progressão clara.
Não está explícito que aluno esse currículo deve formar no fim do ensino médio.
E esse é o objetivo primordial de qualquer currículo, em qualquer parte do
mundo.
Na terça-feira, o Ministério da Educação publicou uma
revisão da proposta, ampliando, por exemplo, a parte de história mundial e
incluindo pontos de gramática. O avanço foi significativo?São mudanças
relevantes. Mas não teremos um currículo de padrão internacional se não houver
uma mudança estrutural.
A falha, então, está na raiz da proposta? Para o
ensino de qualquer disciplina, é preciso que esteja claro quais são seus
objetivos. Essas ideias centrais ou conceitos-chave se encadeiam numa
progressão, ano a ano, ciclo a ciclo. O currículo detalha como isso é feito.
Professores, diretores, pais e alunos precisam enxergar essa evolução com
clareza, para compreender como se dará o aprendizado. No documento do
Ministério da Educação, essa progressão não está presente e não há definições
claras do que se espera que os estudantes sejam capazes de fazer no fim de cada
ano escolar. Em certos pontos, o documento é tão confuso que um leigo não é
capaz de decifrá-lo.
Como outros países desenham seus currículos? Apegando-se
ao conceito de progressão no ensino. Países como Canadá, Finlândia ou
Austrália, bons exemplos nessa área, detalham o que ensinar e dão autonomia na
escolha dos modos de transmitir os saberes.
Por que a progressão é tão relevante para o aprendizado? Se
o professor e o aluno não sabem quais são seus objetivos no fim do percurso
acadêmico, e como cada "degrau" da escada do conhecimento colabora
para que cheguem a esses objetivos, eles se perdem em meio aos conteúdos. Por
exemplo, é importante na matemática a compreensão das frações. No início, o
aprendizado é concreto. O estudante começa aprendendo que um inteiro pode ser
dividido em partes como metade, um terço, um quarto. Depois, aprende que isso
pode ser representado por frações numéricas. Em seguida, deduz porcentagens,
até chegar aos cálculos de juros, por exemplo. Se as etapas são cumpridas, os
alunos atingem os níveis mais abstratos de conhecimento. Se perdemos alguma das
etapas do contínuo, o aprendizado para. Na proposta brasileira, essa progressão
é ausente em língua portuguesa e não está explícita em matemática.
Sua ênfase é nas disciplinas de português e matemática.
Por quê? Quando decidem desenhar um currículo nacional, os países começam
por essas duas áreas e levam anos discutindo isso. A Austrália, que começou a
elaborar seu currículo em abril de 2008, iniciou as discussões pelos conteúdos
de língua e matemática. As demais disciplinas ainda estão em fase de
desenvolvimento e implementação. No Brasil, entregamos um esboço de todas as
disciplinas ao mesmo tempo, o que tira o foco da discussão.
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