Radio Evangélica

domingo, 16 de novembro de 2025

A Jornada Milenar da Língua Portuguesa: De Roma à Lusofonia Global

A língua portuguesa, um dos idiomas mais falados no mundo, carrega em suas raízes uma história rica e complexa, moldada por séculos de interações culturais, conquistas e expansões. Mais do que um mero sistema de comunicação, ela é um patrimônio vivo, um espelho das civilizações que a forjaram. Como bem observou João de Barros em seu "Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem", as conquistas materiais podem ser corroídas pelo tempo, mas a "doutrina, costumes, linguagem, que os portugueses nestas terras leixarem" permanecerão (apud BECHARA, 2009).

Este artigo, baseado em uma breve história externa da língua portuguesa, extraída da obra "Moderna Gramática Portuguesa" de Evanildo Bechara (2009), convida-nos a uma viagem fascinante pelas origens e transformações desse idioma que hoje une milhões de pessoas em diversos continentes.

As Raízes Romanas e a Tenaz Resistência Ibérica

A saga da língua portuguesa começa com a expansão do Império Romano. No século III a.C., o latim vulgar, trazido pelos legionários e colonos, começou a se infiltrar na Península Ibérica. Este processo de romanização, especialmente nas regiões oeste e noroeste, habitadas por lusitanos e galaicos, não foi pacífico. Encontrou uma "tenaz resistência dos habitantes originários dessas regiões" (BECHARA, 2009), mas, com o tempo, o latim se estabeleceu como a língua dominante, dando início à ininterrupta continuidade que culminaria no português.

O Mosaico de Influências: Bárbaros e Árabes

Após a romanização, a Península Ibérica foi palco de novas invasões que deixaram marcas indeléveis na língua. No século V, povos germânicos como alanos, vândalos, suevos e, posteriormente, visigodos, estabeleceram-se na região. A influência germânica, particularmente dos visigodos, é visível no léxico e na onomástica do português (BECHARA, 2009).

Contudo, foi a invasão árabe, em 711, que introduziu um dos mais significativos fatores externos na formação do idioma. Apesar de sua longa permanência e do "largo contributo na cultura e na língua – especialmente no léxico" (BECHARA, 2009), a presença muçulmana não conseguiu apagar as "indelével marcas de romanidade das línguas peninsulares", consolidando o português como parte do mosaico dialetal ibérico.

O Nascimento de Portugal e a Consolidação do Galego-Português

O longo movimento de Reconquista anti-islâmico, iniciado em 718, foi crucial para a formação das identidades linguísticas peninsulares. No século X, esse processo já havia favorecido o surgimento de núcleos cristãos no norte e noroeste, delineando uma divisão linguística que se aproximava da administrativa: o galego-português no Condado da Galiza, o asturo-leonês, o castelhano, o basco e navarro-aragonês, e o catalão (BECHARA, 2009).

Em 1095, a Província Portucalense ganhou autonomia, e em 1139, Afonso Henriques proclamou-se o primeiro rei de Portugal. O falar comum à Galiza e ao território portucalense, o galego-português, foi então propagado para o sul durante a Reconquista, sobrepondo-se aos dialetos moçárabes. Cidades estratégicas como Santarém e Lisboa foram tomadas aos muçulmanos em 1147, consolidando o território do novo reino.

A Oficialização e os Primeiros Registros da Língua

Embora o português, em sua feição originária galega, tenha surgido entre os séculos IX e XII, seus primeiros documentos datados só apareceram no século XIII, como o "Testamento de Afonso II" e a "Notícia de torto" (BECHARA, 2009). Curiosamente, a denominação "língua portuguesa" só se popularizou durante o reinado de D. João I, da Casa de Avis, substituindo termos como "romance" ou "linguagem". Foi D. Dinis, no entanto, quem oficializou o português como língua veicular dos documentos administrativos, substituindo o latim e conferindo-lhe status oficial.

A Língua "Companheira do Império": A Expansão Marítima

Entre os séculos XV e XVI, Portugal ascendeu a um papel de destaque no cenário mundial com as Grandes Navegações. A língua, então, tornou-se "companheira do império", espraiando-se por "regiões incógnitas, indo até o fim do mundo" (BECHARA, 2009). A célebre frase de Camões, "se mais mundo houvera lá chegara" (Os Lusíadas, VII, 14), ecoa a ambição e o alcance dessa expansão.

Essa gigantesca expansão colonial e religiosa, que, segundo Humboldt, resultou em uma "duplicação do globo terrestre", levou o português a Ceuta (1415), Madeira e Açores (1425-1439), Cabo Verde (1444), Guiné (1446), Angola (1483-1486), Índia (1498), Brasil (1500), Malaca (1511), entre muitos outros territórios, consolidando sua presença global.

A Periodização e os Tesouros Literários

A história da língua portuguesa é tradicionalmente dividida em períodos linguísticos, embora as delimitações possam variar entre os estudiosos. Bechara (2009) adota a seguinte proposta, incluindo a fase galego-portuguesa:

  • Português Arcaico: Século XIII ao final do XIV (Cancioneiros medievais, Cantigas de Santa Maria).
  • Português Arcaico Médio: Primeira metade do século XV à primeira metade do século XVI (Crônicas de Fernão Lopes, obras de D. João I e D. Duarte).
  • Português Moderno: Segunda metade do século XVI ao final do XVII (obras históricas de João de Barros, Diogo do Couto, e, sobretudo, Luís de Camões, que "libertou-o de alguns arcaísmos e foi um artista consumado e sem rival em burilar a frase portuguesa" (SA.2, 4 apud BECHARA, 2009). Gil Vicente, com seu teatro, também é crucial para o conhecimento da variedade coloquial da época. No século XVII, destacam-se os Sermões do Padre Antônio Vieira e a prosa de Frei Luís de Sousa.
  • Português Contemporâneo: Século XVIII aos nossos dias. O século XVIII, marcado pelo neoclassicismo e a reforma pombalina, viu um reflorescimento da poesia com nomes como Bocage. O português contemporâneo, fixado no século XVIII, chega aos séculos XIX e XX sem grandes mudanças no sistema gramatical, mas com a garantia de um patrimônio linguístico rico, cultivado por escritores de toda a Lusofonia.

Conclusão: O Legado Vivo da Lusofonia

A breve história externa da língua portuguesa revela um idioma dinâmico, resiliente e profundamente interligado aos destinos de Portugal e das nações que o adotaram. Desde suas origens latinas, passando pelas influências germânicas e árabes, até sua expansão global e consolidação literária, o português se firmou como um elo cultural e um patrimônio compartilhado.

Hoje, em Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e em comunidades espalhadas pelo mundo, a língua portuguesa continua a ser a "expressão da sensibilidade e da razão, do sonho e das grandes realizações" (BECHARA, 2009). Com cerca de 200 milhões de falantes, a Lusofonia é um testemunho vivo da profecia de João de Barros e do desejo de Antônio Ferreira, no século XVI:

"Floresça, fale, cante, ouça-se e viva A portuguesa língua, e já onde for, Senhora vá de si, soberba e altiva!" (apud BECHARA, 2009).

Que a história e a riqueza desse idioma continuem a inspirar e a unir as diversas culturas que o celebram.

Referências Bibliográfica

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

CÂMARA JR., J. Mattoso. História e Estrutura da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1975.

CASTRO, Ivo. Curso de História da Língua Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1991.

TEYSSIER, Paul. História da Língua Portuguesa. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1982.

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