Entre as inúmeras divindades egípcias, Anúbis
destaca-se como o mediador entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Sua figura,
metade homem e metade chacal, representa o elo sagrado entre a preservação do
corpo e a continuidade da alma. Longe de ser uma entidade temida, Anúbis
simbolizava proteção, justiça e ordem divina, assegurando que cada ser
humano tivesse um destino digno após a morte.
A compreensão de Anúbis é essencial para entender o complexo
sistema religioso do Egito Antigo, em que vida e morte eram fases
complementares de um mesmo ciclo cósmico.
Origem e Genealogia
A genealogia de Anúbis apresenta variações nos mitos.
Inicialmente, ele era tido como filho do deus solar Rá, mas, nas
tradições posteriores, passou a ser considerado filho de Osíris e Néftis,
criado por Ísis após o abandono pela mãe biológica.
Esse mito o conecta diretamente à narrativa de morte e ressurreição de
Osíris, consolidando seu papel como protetor das tumbas e condutor das
almas no além. (PINCH, 2014; WILKINSON, 2015)
Atributos e Iconografia
Anúbis é retratado como um homem com cabeça de chacal,
animal associado às necrópoles. O chacal negro simbolizava fertilidade,
regeneração e a própria cor da carne mumificada.
Frequentemente, Anúbis é representado embalsamando um corpo ou vigiando
a balança do julgamento, segurando o ankh (símbolo da vida) e o was-sceptre
(autoridade divina).
Sua iconografia transmite respeito e serenidade — características de um deus
cuja função era garantir a passagem segura para o mundo espiritual. (BUDGE,
2010; TRIPANI, 2012)
Simbolismo Religioso
O nome egípcio de Anúbis, Inpu, significa “o que está
à frente dos embalsamadores”. Ele era o guardião dos mortos, o defensor
das tumbas e o juiz do coração.
Durante o julgamento da alma, Anúbis supervisionava a Pesagem do Coração,
comparando-o com a Pena da Verdade (Ma’at). Se o coração fosse puro, a
alma alcançava a eternidade; se não, era devorada por Ammit.
Assim, Anúbis representava a ordem moral universal e a garantia da
justiça divina. (REYES BARRIOS, 2017)
Papel na Mumificação e Vida Após a Morte
A ele é atribuído o primeiro ato de mumificação: o
embalsamamento de Osíris. Desde então, os sacerdotes que realizavam esse rito
vestiam máscaras de Anúbis, invocando sua proteção.
Seu papel era duplo — preservar o corpo e guiar a alma. No Duat
(submundo), conduzia os mortos pelos portais até o Salão das Duas Verdades,
onde ocorria o julgamento.
Esse papel reforça a fé egípcia na continuidade da existência e na preservação
espiritual através do corpo físico. (FELICIANO, 2018)
Evolução Histórica do Culto
O culto a Anúbis é um dos mais antigos do Egito. Durante o Período
Pré-Dinástico, ele era o principal deus dos mortos. Com a ascensão do culto
a Osíris, seu papel foi redefinido, mas nunca diminuído: passou a ser filho
e servo de Osíris, mantendo sua função funerária.
Nos Textos das Pirâmides, Anúbis aparece como “Aquele que está sobre sua
montanha”, uma clara referência ao guardião das necrópoles.
Durante o Império Novo, ele se torna presença constante em papiros
funerários, sarcófagos e amuletos protetores, o que demonstra a longevidade
e importância do seu culto. (WILKINSON, 2012)
Influência na Antiguidade Clássica
Na era helenística, Anúbis foi sincretizado com Hermes,
resultando na figura de Hermanúbis — guia das almas e mensageiro entre
os mundos. Essa fusão ilustra como a espiritualidade egípcia foi absorvida e
reinterpretada pelo mundo greco-romano.
Estátuas de Hermanúbis foram encontradas em templos de Roma, Pompeia e
Alexandria, provando que a figura de Anúbis ultrapassou as fronteiras do
Egito e se tornou um símbolo universal da passagem entre mundos. (REYES
BARRIOS, 2017)
Conclusão
Anúbis, o deus de cabeça de chacal, é uma das representações
mais profundas da espiritualidade egípcia. Guardião da vida eterna, ele
simboliza o respeito pela morte e a esperança na continuidade da alma.
Sua presença milenar atravessou civilizações, inspirando arte, filosofia e fé.
O culto a Anúbis é, portanto, uma das expressões mais duradouras do desejo
humano de transcendência e justiça divina.
Referências Bibliográficas
BUDGE, E. A. Wallis. O Livro dos Mortos do Antigo Egito.
Trad. de The Egyptian Book of the Dead (The Papyrus of Ani). São Paulo:
Madras, 2010.
FELICIANO, João. The God Anubis in Late Antiquity.
Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2018. Dissertação de
Mestrado.
PINCH, Geraldine. Deuses e Mitologia do Antigo Egito.
Trad. de Handbook of Egyptian Mythology. São Paulo: Madras, 2014.
PINCH, Geraldine. Egyptian Myth: A Guide to the Gods,
Goddesses, and Traditions of Ancient Egypt. Oxford: Oxford University
Press, 2004.
REYES BARRIOS, Verónica. Anubis, el dios funerario:
revisión de su papel desde Egipto hasta el mundo greco-romano. Madrid:
Universidad Complutense de Madrid, 2017. Tese de Doutorado.
TRIPANI, Luigi. The God Anubis: Iconography and Epithets. Roma:
Accademia Italiana di Archeologia, 2012.
WILKINSON, Richard H. A Arte e a Mitologia do Antigo
Egito. Trad. de The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt.
São Paulo: M. Books do Brasil, 2015.
WILKINSON, Toby. A História do Antigo Egito. Trad. de The Rise and Fall of Ancient Egypt. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
Sugestões de leitura complementar
- Os
Deuses do Egito Antigo: Mito e Simbolismo – Rá
- A Criação do Mundo na Mitologia Asteca: A Lenda dos Cinco Sóis

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