A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai ter
que trabalhar sob pressão do prazo de 10 dias, já que não recebeu até esta
terça-feira (5) nenhum pedido para uso emergencial de vacinas contra a
Covid-19, para liberar o governo federal a iniciar em 20 de janeiro o processo
de imunização, como prometido no melhor cenário.
Esperava-se que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
apresentasse a solicitação até quarta-feira, mas pedidos adicionais de
informações por parte da Anvisa a respeito da vacina desenvolvida pela
AstraZeneca, a ser importada da Índia, adiaram essa data para até sexta-feira.
Uma vez que o Ministério da Saúde informou que iniciará a
vacinação em até cinco dias após a Anvisa aprovar algum imunizante, a agência
de vigilância precisará analisar qualquer pedido que receber antes dos 10 dias
de prazo estipulado para que o governo federal consiga iniciar a vacinação no
dia 20 de janeiro -- o que foi apresentado pelo Ministério da Saúde como melhor
cenário.
No pior cenário, o início da vacinação foi previsto para 10
de fevereiro.
“Vejo com a maior preocupação a situação em que estamos,
porque é muito curioso um governo que está preocupado em retomar a economia o
tempo inteiro, que quer abrir as atividades para voltar ao normal, no momento
que o mundo sabe que a vacina é necessária para isso, não tem uma iniciativa
para garantir as vacinas”, disse à Reuters Cristina Bonorino, integrante do
Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia. “Parece que tem mais a
ver com a negação da pandemia. Está difícil encontrar uma lógica”, acrescentou.
Inicialmente prevista para começar apenas em março, a
campanha nacional de imunização teve a previsão de início antecipada para o
final deste mês, após o governo federal ser pressionado pelo anúncio feito pelo
governo de São Paulo de que começaria a vacinar no Estado em 25 de janeiro.
Além disso, diversos países do mundo, incluindo Argentina, Chile e México, já
iniciaram suas vacinações.
Para acelerar o cronograma, a Fiocruz acertou com a
AstraZeneca a importação de 2 milhões de doses prontas da vacina desenvolvida
pela farmacêutica produzidas no Instituto Serum, da Índia. A intenção é usar
essas doses enquanto a Fiocruz inicia o processo de fabricação própria do
imunizante a partir de insumos importados da AstraZeneca.
No entanto, o fato de a vacina a ser importada ter origem
diferente daquela que está em estudo clínico no Brasil, e que será produzida
pela Fiocruz posteriormente, levou a Anvisa a solicitar informações adicionais
à fundação para comparar as duas, além de dados de qualidade e condições de
boas práticas de fabricação e controle.
“Para a autorização, a agência precisa avaliar os estudos
de comparabilidade entre a vacina do estudo clínico, que é fabricada no Reino
Unido, com a vacina fabricada na Índia, bem como os dados de qualidade e
condições de boas práticas de fabricação e controle. Ou seja, é necessário
entender se o produto do fabricante indiano é semelhante ao fabricado no Reino
Unido e que teve os dados clínicos aprovados”, disse a Anvisa em nota.
O fato de o imunizante da AstraZeneca que a Fiocruz vai
importar ser produzido na Índia não estava nas tratativas iniciais entre a
Fiocruz e a Anvisa, segundo uma fonte com conhecimento direto do assunto.
Por isso, nas reuniões técnicas entre Anvisa e Fiocruz está
sendo realizado um checklist que segue um padrão internacional para verificar
características como a planta da produção, uso de equipamentos de
biossegurança, procedência e qualidade dos insumos, envase e conservação da
vacina e transporte até chegar ao Brasil, segundo a fonte.
O detalhismo tem por objetivo que a Fiocruz apresente um
pedido robusto para que a autorização para uso emergencial da vacina saia antes
dos 10 dias de prazo, acrescentou a fonte.
“Quanto mais refinado o pedido, melhor para todo mundo”,
disse, ao lembrar que um pedido pouco embasado pode demorar caso “caia em
exigência”.
Apesar desse pente-fino, o Serum não é desconhecido da
Anvisa. Ao contrário, a fábrica indiana já recebeu no primeiro semestre do ano
passado uma certificação de boas práticas da agência para um outro produto.
CRONOGRAMA
Questionada sobre os prazos apertados para que seja
cumprido o cronograma do governo para o começo da vacinação em 20 de janeiro, a
Anvisa disse que “não é possível falar sobre prazos de processos que ainda não
foram apresentados à Anvisa. Tratamos apenas de informações oficiais”.
Em nota separada, a Fiocruz informou que aguarda o
recebimento das informações necessárias, a serem enviadas pela AstraZeneca e o
Serum, e a finalização das tratativas, para formalizar o pedido à Anvisa de
autorização para seu uso emergencial.
“O objetivo do alinhamento é garantir que os dados sejam
submetidos de acordo com os requisitos estabelecidos pela agência, para que a
avaliação ocorra o mais rapidamente possível”, disse a Anvisa.
Além das exigências adicionais da Anvisa, a importação das
doses prontas depende da conclusão das negociações com o Serum. Na
segunda-feira, o Ministério da Relações Exteriores foi acionado para auxiliar,
depois que o instituto indiano anunciou que primeiramente atenderia à demanda
interna para só então realizar exportações.
Nesta terça-feira (5), o Itamaraty afirmou em nota conjunta
com o Ministério da Saúde que o governo da Índia não tem qualquer proibição de
exportação de vacinas para outros países, e a expectativa é que a importação de
doses do imunizante da AstraZeneca produzidos no país asiático cheguem ao
Brasil em meados deste mês.
PFIZER E CORONAVAC
Além da vacina da AstraZeneca, havia a expectativa desde o
final do ano passado de um pedido de autorização de uso emergencial pelo
laboratório Pfizer, o que, no entanto, ainda não aconteceu, enquanto prossegue
um impasse nas negociações para venda de vacinas ao governo federal.
O presidente Jair Bolsonaro, que já afirmou que não tomará
vacina contra Covid-19, tem atacado a empresa por exigir isenção de qualquer
responsabilidade por eventuais efeitos colaterais da vacina e por se recusar a
ser julgada nos tribunais do país. Ele afirmou que são os laboratórios que
precisam correr atrás de registros de vacinas para vender ao Brasil.
Do outro lado, a Pfizer diz que ainda não pediu o registro
emergencial porque, segundo a empresa, o contrato para fornecimento do
imunizante com o governo brasileiro ainda não foi fechado.
Terceiro imunizante no plano de vacinação do governo
federal, a CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac e que será produzida
pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, também sofreu um
atraso no cronograma previsto para pedido de aprovação à Anvisa.
O pedido estava previsto para 23 de dezembro, quando também
seria divulgada a eficácia da vacina pelo Butantan, mas até o momento não houve
anúncio de eficácia nem pedido à Anvisa. De acordo com o instituto, a Sinovac
pediu prazo adicional para analisar os dados.
O anúncio agora está previsto para quinta-feira, e há a
expectativa de que seja seguido pelos pedidos à Anvisa tanto para uso
emergencial quanto para registro definitivo da vacina. O governo paulista tem
insistido que começará a vacinação em 25 de janeiro com a CoronaVac, apesar do
adiamento. Segundo o Butantan, há 10,8 milhões de doses da vacina já no Brasil.
Enquanto segue sem vacina, o Brasil caminha para superar a
trágica marca de 200 mil mortes por Covid-19. Até o momento, são mais de 196
mil vítimas fatais da doença, que tem mais de 7,7 milhões de casos confirmados
no país. Apenas os EUA registraram mais mortes por Covid-19.
Fonte: Reuters – Imagem: REUTERS/Charles Platiau