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O que é o Livro dos Mortos?
Contrariando o que o nome sugere, o Livro dos Mortos não era
um único volume com estrutura fixa. Seu nome original em egípcio, Ru nu
peret em hru, traduz-se mais precisamente como “Livro do Sair à Luz” ou
“Livro do Vir à Luz do Dia”. Tratava-se de uma coleção personalizada de textos
funerários, inscritos em rolos de papiro e, por vezes, nas paredes de túmulos
ou sarcófagos.
Cada “livro” era único, elaborado conforme o status social e
a riqueza do falecido. Os mais abastados podiam encomendar papiros extensos e
ricamente ilustrados, enquanto outros possuíam apenas alguns feitiços
essenciais para sua jornada.
A jornada da alma através do Duat
Após a morte, a alma do falecido — composta por diferentes
elementos, como o Ka (força vital) e o Ba (personalidade) —
iniciava uma perigosa viagem pelo Duat, o submundo egípcio. O Duat
era um reino repleto de monstros, demônios, armadilhas e portões guardados por
seres hostis.
O Livro dos Mortos fornecia os encantamentos necessários
para:
- Superar
obstáculos: feitiços para repelir serpentes, crocodilos e outras
criaturas demoníacas.
- Navegar
pela escuridão: orações para garantir que a alma não se perdesse nas
trevas do submundo.
- Passar
pelos portões: cada portal do Duat era vigiado por uma entidade
que exigia ser nomeada corretamente; o livro continha esses nomes
secretos, servindo como senha de passagem.
O ponto culminante: o Julgamento de Osíris
O evento mais decisivo da jornada da alma era o Julgamento
de Osíris, conhecido como a “Pesagem do Coração” (Psicostasia). Essa
cerimônia determinava se o falecido era digno de entrar no paraíso, o Campo de
Juncos (Aaru).
A cena, descrita e ilustrada no Capítulo 125 do Livro dos
Mortos, ocorria da seguinte forma:
- A
balança da justiça: o coração do falecido (Ib), considerado o
centro da consciência e da moral, era pesado contra a pena de Ma’at, deusa
da verdade, da justiça e da ordem cósmica.
- A
confissão negativa: diante de 42 deuses, o falecido recitava as
“Confissões Negativas”, declarando não ter cometido diversos pecados (por
exemplo: “Eu não matei”, “Eu não roubei”, “Eu não menti”), demonstrando
sua pureza moral.
- O
veredito:
- Se
o coração fosse mais leve ou igual ao peso da pena, o indivíduo era
declarado “justo de voz” (Maa Kheru), sendo aceito à vida eterna
ao lado dos deuses.
- Se
fosse mais pesado, sobrecarregado por pecados, era lançado à criatura
Ammit, “a Devoradora dos Mortos”, um híbrido de crocodilo, leão e
hipopótamo. Ser devorado por Ammit representava a aniquilação total — a
“segunda morte”, sem retorno.
O deus Anúbis conduzia a pesagem, Thoth registrava o
resultado, e Osíris, senhor do submundo, presidia o julgamento e proferia a
sentença final.
Conclusão: um guia para a eternidade
O Livro dos Mortos era mais do que um texto religioso; era
uma ferramenta essencial para a sobrevivência na vida após a morte. Ele reflete
a profunda crença egípcia em um universo moralmente ordenado sob o princípio de
Ma’at. A jornada da alma não dependia apenas de rituais, mas também de uma vida
eticamente correta.
Estudar este conjunto de textos oferece uma janela única
para a mentalidade, a teologia e a visão de mundo de uma das civilizações mais
duradouras da história, revelando que, para os egípcios, a preparação para a
morte era também a celebração da vida.
Referências Bibliográficas
ALLEN, James P. Middle Egyptian: An Introduction to the
Language and Culture of Hieroglyphs. 3. ed. Cambridge: Cambridge University
Press, 2014.
BUDGE, E. A. Wallis. O Livro Egípcio dos Mortos: O Livro
do Sair para a Luz do Dia. São Paulo: Editora Pensamento, 2012.
FAULKNER, Raymond O.; GOELET, Ogden (Colab.). The
Egyptian Book of the Dead: The Book of Going Forth by Day. San Francisco:
Chronicle Books, 1998.
HART, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods
and Goddesses. 2. ed. London: Routledge, 2005.

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