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domingo, 9 de novembro de 2025

A Importância do Livro dos Mortos: A Jornada da Alma no Egito Antigo

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Para os antigos egípcios, a morte não representava o fim, mas uma transição perigosa e complexa rumo à eternidade. A vida após a morte era uma realidade concreta, um destino que exigia preparação, conhecimento e um guia indispensável. Esse guia era o Livro dos Mortos, uma coletânea de feitiços, hinos e instruções que funcionava como um mapa para a alma atravessar os desafios do submundo e alcançar a vida eterna.

O que é o Livro dos Mortos?

Contrariando o que o nome sugere, o Livro dos Mortos não era um único volume com estrutura fixa. Seu nome original em egípcio, Ru nu peret em hru, traduz-se mais precisamente como “Livro do Sair à Luz” ou “Livro do Vir à Luz do Dia”. Tratava-se de uma coleção personalizada de textos funerários, inscritos em rolos de papiro e, por vezes, nas paredes de túmulos ou sarcófagos.

Cada “livro” era único, elaborado conforme o status social e a riqueza do falecido. Os mais abastados podiam encomendar papiros extensos e ricamente ilustrados, enquanto outros possuíam apenas alguns feitiços essenciais para sua jornada.

A jornada da alma através do Duat

Após a morte, a alma do falecido — composta por diferentes elementos, como o Ka (força vital) e o Ba (personalidade) — iniciava uma perigosa viagem pelo Duat, o submundo egípcio. O Duat era um reino repleto de monstros, demônios, armadilhas e portões guardados por seres hostis.

O Livro dos Mortos fornecia os encantamentos necessários para:

  • Superar obstáculos: feitiços para repelir serpentes, crocodilos e outras criaturas demoníacas.
  • Navegar pela escuridão: orações para garantir que a alma não se perdesse nas trevas do submundo.
  • Passar pelos portões: cada portal do Duat era vigiado por uma entidade que exigia ser nomeada corretamente; o livro continha esses nomes secretos, servindo como senha de passagem.

O ponto culminante: o Julgamento de Osíris

O evento mais decisivo da jornada da alma era o Julgamento de Osíris, conhecido como a “Pesagem do Coração” (Psicostasia). Essa cerimônia determinava se o falecido era digno de entrar no paraíso, o Campo de Juncos (Aaru).

A cena, descrita e ilustrada no Capítulo 125 do Livro dos Mortos, ocorria da seguinte forma:

  • A balança da justiça: o coração do falecido (Ib), considerado o centro da consciência e da moral, era pesado contra a pena de Ma’at, deusa da verdade, da justiça e da ordem cósmica.
  • A confissão negativa: diante de 42 deuses, o falecido recitava as “Confissões Negativas”, declarando não ter cometido diversos pecados (por exemplo: “Eu não matei”, “Eu não roubei”, “Eu não menti”), demonstrando sua pureza moral.
  • O veredito:
    • Se o coração fosse mais leve ou igual ao peso da pena, o indivíduo era declarado “justo de voz” (Maa Kheru), sendo aceito à vida eterna ao lado dos deuses.
    • Se fosse mais pesado, sobrecarregado por pecados, era lançado à criatura Ammit, “a Devoradora dos Mortos”, um híbrido de crocodilo, leão e hipopótamo. Ser devorado por Ammit representava a aniquilação total — a “segunda morte”, sem retorno.

O deus Anúbis conduzia a pesagem, Thoth registrava o resultado, e Osíris, senhor do submundo, presidia o julgamento e proferia a sentença final.

Conclusão: um guia para a eternidade

O Livro dos Mortos era mais do que um texto religioso; era uma ferramenta essencial para a sobrevivência na vida após a morte. Ele reflete a profunda crença egípcia em um universo moralmente ordenado sob o princípio de Ma’at. A jornada da alma não dependia apenas de rituais, mas também de uma vida eticamente correta.

Estudar este conjunto de textos oferece uma janela única para a mentalidade, a teologia e a visão de mundo de uma das civilizações mais duradouras da história, revelando que, para os egípcios, a preparação para a morte era também a celebração da vida.

Referências Bibliográficas

ALLEN, James P. Middle Egyptian: An Introduction to the Language and Culture of Hieroglyphs. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

BUDGE, E. A. Wallis. O Livro Egípcio dos Mortos: O Livro do Sair para a Luz do Dia. São Paulo: Editora Pensamento, 2012.

FAULKNER, Raymond O.; GOELET, Ogden (Colab.). The Egyptian Book of the Dead: The Book of Going Forth by Day. San Francisco: Chronicle Books, 1998.

HART, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. 2. ed. London: Routledge, 2005.

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