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| Imagem: Joseph Kreutzinger, 1815 |
Uma mente brilhante a serviço de uma nação emergente
Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo-Lorena nasceu
em Viena em 1797, filha do imperador Francisco I da Áustria e de Maria Teresa
de Bourbon‑Duas Sicílias. Sua educação de corte privilegiada foi marcada por um
rigor intelectual notável. Fluente em vários idiomas, apaixonada por ciências
naturais — especialmente botânica e mineralogia — e conhecedora de história,
política e artes, Leopoldina destacava-se por sua curiosidade científica. Entre
seus mestres estavam o botânico Heinrich Wilhelm Schott e o mineralogista Karl
Franz Anton von Schreibers, que estimularam seu olhar crítico e racional sobre
o mundo.
Ao chegar ao Brasil em 1817 para casar-se com o príncipe Dom
Pedro, Leopoldina já era uma mulher de ampla visão política. Sua
correspondência com a família, inclusive com Klemens Wenzel von Metternich,
chanceler austríaco, revela seu profundo entendimento das tensões entre a
colônia e a metrópole e sua percepção da inevitável ruptura com Portugal. Essa
lucidez fez dela peça essencial na construção do futuro Império.
O grito ignorado: a reunião do Conselho de Estado e o
papel decisivo de Leopoldina
Entre 1821 e 1822, o clima político se agravava. As Cortes
de Lisboa exigiam o retorno de Dom Pedro e tentavam limitar a autonomia do
Brasil. Com o príncipe ausente, a regência recaiu sobre Leopoldina, que
convocou, em 16 de agosto de 1822, uma reunião extraordinária do Conselho de
Estado do Brasil. Diante de ordens que ameaçavam o poder do governo brasileiro,
contou com o apoio decisivo de José Bonifácio de Andrada e Silva.
Demonstrando coragem e discernimento, Leopoldina sancionou o
decreto que autorizava o governo brasileiro a permanecer independente da
metrópole. Sua ação foi o impulso político e emocional que preparou o caminho
para o Grito do Ipiranga.
A influência estratégica na consolidação da independência
A liderança de Leopoldina prolongou-se nos primeiros anos do
Império. Sua rede diplomática na Europa buscou reconhecimento internacional
para o Brasil independente, articulando-se com figuras poderosas como o
imperador Francisco I e a imperatriz da França. Simultaneamente, exerceu papel
administrativo como regente, presidindo conselhos e fortalecendo instituições
culturais. Incentivou a Missão Artística Francesa e colaborou na criação do
Museu Nacional (Brasil) e da Academia Imperial de Belas Artes, consolidando o
esboço de uma identidade nacional guiada pela ciência e pela arte.
O drama pessoal: amor, desilusão e infidelidade
No plano íntimo, entretanto, Leopoldina enfrentou sofrimento
devastador. Casada com um homem de temperamento volúvel, viu-se humilhada pelas
infidelidades públicas de Dom Pedro e pelo relacionamento escandaloso com
Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. Suas cartas à família
austríaca registram dor, solidão e resignação. A imperatriz, mãe dedicada e
mulher culta, viu sua saúde física e emocional se deteriorar, acentuando o
contraste entre sua força política e o abatimento íntimo.
Entre a estrategista e a mártir silenciosa
A dualidade de Leopoldina — a rainha estrategista e a mulher
abandonada — dá profundidade trágica à sua trajetória. Mesmo dilacerada,
manteve a dignidade do cargo e a dedicação ao Brasil, separando as dores
pessoais das responsabilidades públicas. Serviu como contraponto moral e
político à impulsividade de Dom Pedro, sustentando, com serenidade, a
estabilidade de um Império nascente.
O legado de uma imperatriz
Maria Leopoldina faleceu em dezembro de 1826, aos 29 anos,
provavelmente em decorrência de uma infecção uterina agravada por fragilidade
física e emocional. Sua morte foi lamentada como a perda de uma figura
essencial à causa da independência. Sua memória persiste como símbolo de
inteligência política, força moral e sacrifício pessoal. A rainha estrategista
foi também a mulher que, mesmo ferida pela solidão, escolheu servir a um país
em transformação.
Referências Bibliográficas
CALMON, Pedro. História de D. Pedro I. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1975.
DEL PRIORE, Mary. O Império da carne: a construção do
corpo e da sexualidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2016.
KOCH, Glaucia; SANTOS, Ana Lúcia Machado; ROCHA, Lígia
Regina da. Dona Leopoldina: uma Habsburgo e a Independência do Brasil.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro
II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SOUSA, Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

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