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| Henrique Bernardelli |
Laurentino Gomes, em 1889: Como Um Império Deveria Ter
Morrido (2013), destaca essa desconexão entre a corte imperial e a
realidade brasileira. O Baile da Ilha Fiscal, realizado dias antes do
golpe, tornou-se símbolo desse distanciamento — um luxo derradeiro de um regime
que já não conseguia sustentar-se.
Este artigo aprofunda as causas que levaram ao fim do
Império, articulando a narrativa de Gomes a outras importantes interpretações
historiográficas.
Causas Políticas
O desgaste político do Império era complexo e envolvia três
grandes conflitos que marcaram o fim do Segundo Reinado: a Questão Militar,
a Questão Religiosa e a Questão Abolicionista.
A Questão Militar
Após a Guerra do Paraguai, o Exército emergiu como uma
instituição fortalecida e consciente de seu papel nacional. Mesmo assim, os
militares sentiam-se desprestigiados pelo governo imperial, que lhes
restringia manifestações políticas e mantinha uma estrutura conservadora,
avessa a reformas (Carvalho, 1990).
A imprensa militar passou a questionar dom Pedro II e sua
incapacidade de modernizar o país. Laurentino Gomes (2013) observa que os
republicanos aproveitaram essa insatisfação para arregimentar apoio entre
oficiais, transformando o Exército no principal agente da futura ruptura.
A Questão Religiosa
Desde 1824, a Igreja Católica era subordinada ao Estado pelo
regime de padroado. O conflito eclodiu quando Dom Vital e Dom Macedo, bispos de
Olinda e Belém, obedeceram à ordem papal contra a maçonaria e foram punidos
pelo governo imperial, criando um racha entre Igreja e Coroa (Mota, 1973).
Com isso, a monarquia perdeu um aliado tradicional e central
para sua legitimidade.
A Questão Abolicionista
A abolição da escravatura, celebrada em 1888, enfraqueceu
ainda mais o Império. A Lei Áurea, apesar de moralmente necessária, retirou
da monarquia o apoio dos grandes proprietários rurais, insatisfeitos por
não receberem indenização pela perda de seus escravos (Reis, 1987).
A elite agrária, antes sustentáculo da monarquia, passou a
flertar com o republicanismo.
O Desgaste da Figura Imperial
Idoso e debilitado, Dom Pedro II demonstrava aparente
cansaço político. Sua falta de interesse pela sucessão — especialmente
rejeitando a Princesa Isabel, vista como impopular e excessivamente religiosa —
intensificou a percepção de estagnação (Nabuco, 1997).
O Império parecia incapaz de se renovar.
Causas Sociais e Econômicas
A conjuntura social e econômica também contribuía para o
ambiente de mudança.
O país enfrentava crise econômica, dependência
excessiva do café, aumento da dívida externa, inflação e ausência de
investimentos em infraestrutura (Fernandes, 1975). Enquanto isso, surgia nas
cidades uma pequena, mas influente, classe média urbana, composta por
funcionários públicos, comerciantes e profissionais liberais, que se sentiam
excluídos do sistema político imperial.
Paralelamente, crescia nas escolas militares e entre
intelectuais a influência do positivismo, que defendia um Estado
racional e moderno. Benjamin Constant, professor da Escola Militar, foi peça
fundamental para difundir essas ideias, que moldariam o futuro regime
republicano — inclusive o lema "Ordem e Progresso" (Carvalho,
1990).
Causas Militares
O Exército, cada vez mais politizado e ressentido, passou a
enxergar-se como guardião moral da nação. Muitos oficiais se sentiam humilhados
pela interferência civil em suas decisões e pela falta de reconhecimento após a
Guerra do Paraguai.
Nesse contexto, a figura do marechal Deodoro da Fonseca,
tradicional monarquista, tornou-se central. Influenciado por Benjamin Constant
e pressionado por jovens oficiais republicanos, Deodoro acabou aderindo ao
movimento (Gomes, 2013).
A crise ministerial de 1889 e a percepção de que o governo
tramava contra a corporação serviram como estopim para a ação militar.
O Golpe de 15 de Novembro
Na manhã de 15 de novembro de 1889, tropas lideradas por
Deodoro marcharam do Campo de Santana em direção ao centro do Rio de Janeiro.
Inicialmente, o marechal pretendia apenas derrubar o gabinete do
Visconde de Ouro Preto. No entanto, a combinação de pressões políticas, tensões
pessoais e rumores sobre supostas conspirações transformou a ação em um golpe
contra a monarquia.
Dom Pedro II, adoentado e desmobilizado politicamente, não
ordenou resistência.
Conforme destaca Laurentino Gomes (2013), a população
encontrava-se "bestializada": assistia aos acontecimentos sem
entendê-los e sem participar. Não houve revolta, entusiasmo ou enfrentamento —
apenas um golpe burocrático-militar que alterou a forma de governo.
No fim da tarde, foi proclamada a República. Em seguida, a
família imperial foi exilada e partiu rumo à Europa.
Perspectiva Crítica
A Proclamação da República nasceu sob forte caráter
antidemocrático. A população não foi consultada, não houve plebiscito, nem
mobilização popular. Por isso, muitos historiadores defendem que a República
brasileira começou sem legitimidade social ampla.
Nas primeiras décadas do novo regime, persistiram problemas
estruturais: concentração de poder, exclusão política, desigualdade social e
manutenção da ordem agrária. A chamada República Velha (1889–1930)
consolidou oligarquias regionais e práticas como coronelismo e fraudes
eleitorais (Bandeira, 1975).
A promessa positivista de ordem e progresso demorou a se
materializar para a maior parte da população.
Conclusão
O golpe republicano de 15 de novembro de 1889 foi o
resultado de um alinhamento de tensões políticas, sociais, econômicas e
militares que corroeram a sustentação do Império. Entre os principais fatores
estão:
- O
distanciamento entre o governo imperial e setores-chave da sociedade;
- O
fortalecimento do Exército e sua politização;
- A
influência do positivismo entre militares e intelectuais;
- A
crise econômica e o surgimento de novas classes urbanas;
- A
perda de apoio da Igreja e dos grandes proprietários.
A Proclamação da República não foi uma revolução popular,
mas um golpe de Estado conduzido por uma elite militar. Isso marcou
profundamente a trajetória política do país e ajudou a moldar a cultura
republicana que se seguiria.
Referências Bibliográficas
- Alves,
Francisco das Neves. Metrópole do Sul: A Transformação Porto-Alegrense
no Século XIX. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
- Bandeira,
Moniz. O Milagre Brasileiro. São Paulo: Paz e Terra, 1975.
- Carvalho,
José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
- Fernandes,
Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975.
- Gomes,
Laurentino. 1889: Como Um Império Deveria Ter Morrido. São Paulo:
Globo Editores, 2013.
- Mota,
Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL,
1973.
- Nabuco,
Joaquim. Um Estadista do Império. São Paulo: Editora 34, 1997.
- Reis,
João José. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1987.
- Schwarcz,
Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
- Toledo,
Roberto Pompeu de. A Longa Noite da Alma Brasileira. Rio de
Janeiro: Record, 2011.

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