A irresponsabilidade de Dilma Rousseff e de Lula nessa
reta final do governo é assombrosa. Tanto a dupla como o establishment petista
sabem que nada mais pode ser feito. Acabou mesmo! Eles se dedicam agora é a
criar uma narrativa da partida que possa manter reunido ao menos um pedaço da
militância.
Quando a presidente, seu antecessor e a cúpula petista
gritam "golpe!", já não falam mais para o conjunto dos brasileiros. É
um discurso voltado para os fiéis, para a militância. Criar uma mitologia da
derrota, para os tempos de deserto, é tão importante como criar uma da vitória
para os tempos de bonança.
O PT está deixando o poder, mas pretende voltar. Para que
possa se reorganizar, terá de encolher; de buscar as suas origens; de resgatar
a mística do confronto de classes; de excitar, como nos tempos primitivos, não
o desejo de consumo das massas, mas o ressentimento dos oprimidos. Lula não
quer deixar o poder como um ladrão, mas como um excluído.
Será o patriarca banido da Terra Prometida depois de
tê-la conquistado. Viverá de contar histórias e de excitar a imaginação dos
mais moços. O PT, como o conhecemos, está morto, mas não a mística
intelectualmente vigarista da redenção dos oprimidos que o embala. Esta é um
dado permanente na história.
Até um novo barbudo já veio à luz para divulgar "a
palavra". O Lula renascido é Guilherme Boulos. Consoante com os tempos da
nova esquerda, ele não vem do chão de fábrica, mas dessas milícias supostamente
benignas a que chamam "movimentos sociais".
Achando que um é pouco, o rapaz comanda dois movimentos:
o MTST e a Frente Povo Sem Medo. Deveria logo abrir uma incubadora de produtos
ideológicos do gênero. Se houver impeachment, o novo profeta promete
"incendiar o país". Dito de outro modo: se o Congresso não vota como
quer Boulos, ele não reconhece o resultado.
Lula nasceu para a política quando a esquerda foi levada
a aderir à "democracia como um valor universal", para citar um texto
de 1979, de Carlos Nelson Coutinho. Boulos será o líder de um período
partidário em que a tolerância perderá até seu valor instrumental. Sem
violência, ele está convicto, não haverá redenção. Sai Coutinho do altar, entra
um delinquente intelectual como Slavoj Zizek.
Não se descarte, anotem aí, a criação de uma nova sigla
que funda o que restar de PT, PSOL, PSTU e outras excrescências mais à
esquerda. Como no começo.
A certeza de que o impeachment virá e a necessidade de
organizar a resistência com os apaniguados expulsos do paraíso levam Dilma e
Lula a anunciar país e mundo afora que um golpe está em curso no Brasil.
Fora do ministério, ele apenas exercita a retórica
irresponsável de sempre, cada vez mais típica de um Lula que se mostra uma
farsa de si mesmo. Ela, no entanto, se o que está na Constituição é para valer,
está incorrendo em novo crime de responsabilidade ao acusar, na prática, o
Supremo Tribunal Federal, que votou o rito do impeachment, de fazer parte de
uma arquitetura golpista.
Não se descarte, ainda, que alguns cadáveres possam
integrar essa narrativa da partida. Eles sempre estão no imaginário delirante e
essencialmente criminoso das esquerdas. Ora, o que são alguns mortos quando o
que está em jogo é a salvação da humanidade –e algumas contas secretas na
Suíça?
Por Reinaldo Azevedo para a Folha de São Paulo
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