No momento em que se aprofunda o debate sobre formas de se cortar gastos
para reduzir o rombo das contas, economistas afirmam que benefícios a empresas,
que correspondem a dez vezes o orçamento do Bolsa Família, deveriam passar por
um pente-fino
O governo do vice-presidente Michel Temer, que deve
assumir nesta semana, estuda rever uma categoria de gasto público que disparou
nos últimos anos: os benefícios concedidos ao setor empresarial. Economistas
ouvidos pelo ‘Estado’ apoiam a iniciativa e lembram que o conjunto de benesses
dadas pelo governo a diversos setores da economia, uma espécie de ‘bolsa
empresário’, no jargão de alguns especialistas, é pesado. Vai custar, apenas
neste ano, cerca de R$ 270 bilhões aos cofres do governo federal.
Trata-se de um valor monumental. Para se ter uma ideia,
representa mais de dez vezes o valor destinado ao Bolsa Família, cujo orçamento
anual está em R$ 28 bilhões, e mais que o dobro do déficit primário do governo,
estimado em R$ 120 bilhões neste ano.
Cerca de R$1,2 bi é destinado a montadoras do Nordeste e Centro-oeste |
Os itens que podem compor o que se chama de “Bolsa
Empresário” são muito diversificados. “Tem coisa à beça”, diz Marcos Lisboa,
presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica. Ele cita subsídios,
desonerações e regimes tributários diferenciados para toda sorte de setores –
portos, indústrias químicas, empresas de petróleo, fabricantes de equipamentos
de energia eólica e até o agronegócio. “A agricultura quase não paga
Previdência e impostos porque a maioria dos produtores, até os que faturam
bilhões, acabam sendo enquadrados como pessoa física, e não jurídica”,
diz.
No pacote, Lisboa inclui os repasses ao Sistema S (Senai,
Sesc, Sesi, Senac, Senar, Sescoop, Sest), cuja prestação de contas ele não
considera transparente, e que ajudam a manter não apenas cursos educacionais,
como o proposto, mas se misturam ao orçamento de inúmeras entidades
empresariais.
Lisboa coloca na lista até o FI-FGTS, fundo de
investimento mantido com recursos do trabalhador. O fundo aplicou quase R$ 23
bilhões em projetos privados. Segundo informa a própria Caixa, gestora do FGTS,
a referência de retorno para o fundo é a Taxa Referencial, que está próxima a
0,2%, mais 6% ao ano – valor generoso quando comparado às condições para se
tomar dinheiro no Brasil e para o risco revelado por alguns negócios
escolhidos: cerca de R$ 2,5 bilhões foram para a empresa de sondas Sete Brasil,
que pediu recuperação judicial.
Incógnita. Os
benefícios tributários, financeiros e creditícios somam R$ 385 bilhões neste
ano, segundo estudo dos economistas Vilma da Conceição Pinto e José Roberto
Afonso, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio
Vargas. “Passa da hora de termos uma avaliação efetiva e profunda de custos e
benefícios fiscais, como de todo o gasto público”, diz Afonso.
Parte das benesses vai para atividades sociais:
desonerações da cesta básica, descontos e isenções para creches e transporte
escolar. Mas o grosso, R$ 270 bilhões, fica com o setor privado (ver quadro
acima). “O problema é que não sabemos se esse enorme volume de recursos
retorna, na mesma proporção, em benefícios para a sociedade e para a economia”,
diz Vilma. Uma olhada na relação de isenções explica a dúvida.
A principal justificativa para esse tipo de política é
cortar impostos para fomentar o desenvolvimento de regiões menos favorecidas.
Ocorre que 52% do total dos gastos tributários neste ano beneficiam o Sudeste,
a região mais próspera.
Cerca de R$ 23 bilhões mantêm a fabricação de
televisores, celulares e computadores na Zona Franca de Manaus, até que ela se
firme como um polo setorial autônomo. O benefício foi criado em 1967, reeditado
quatro vezes e agora vale até 2073 – serão 106 anos de incentivos.
Cerca de R$ 1,2 bilhão é destinado a montadoras no
Nordeste e no Centro-Oeste – nesse último, a desoneração virou caso de polícia
na Operação Zelotes. Na semana que passou, nove dos dez acusados de “venda” de
medidas provisórias de benefícios a montadoras foram condenados. Outros R$ 562
milhões vão subsidiar o que parece de graça: o horário eleitoral gratuito.
“Existe isenção até para a importação de troféus, medalhas e estatuetas. É
pequena, mas o que o País ganha com isso?”, pergunta Vilma.
Por Alexa Salomão para o Estado de S.Paulo.
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