Uma
mudança profunda está ocorrendo no Oriente Médio e no norte da África. É cedo
demais para ser definitivo sobre as causas, mas acredito que haja uma linha
comum: os jovens nas sociedades islâmicas enfrentam um deficit de oportunidade.
O despertar árabe foi conduzido por jovens organizados pela
tecnologia e disparado por uma fome de mudança política. Ao buscar sociedades
mais abertas e governos mais responsáveis, os jovens árabes demonstraram um
desejo de democracia. Mas eles também expressaram um profundo sentimento de
perda - não apenas de liberdade pessoal ou política, mas de oportunidades.
Essa inquietação foi resultado de uma má alocação de recursos
básica. Não de recursos naturais ou de capital, mas de pessoas. A
sub-representação dos jovens na economia criou condições em que as tensões
puderam crescer - tensões que foram instigadas pela falta de reforma política.
Sem representação política ou econômica, os jovens encontraram uma saída nos
protestos.
Essas pressões não são únicas dos países árabes; são sentidas em
todo o mundo. Muitos jovens muçulmanos não veem oportunidades para si mesmos e
não sentem que controlam suas vidas ou têm uma participação no futuro de seu
país. Esse pessimismo leva ao descomprometimento. Corremos o risco de perder
uma geração de jovens muçulmanos para a apatia e o extremismo.
Como líder de um país de maioria muçulmana, acredito que os
países islâmicos devem compreender melhor as aspirações de sua juventude. Isso
significa compreender duas grandes mudanças que afetam suas vidas.
A primeira é demográfica: o mundo muçulmano está experimentando um
"inchaço jovem". Em 2010, as pessoas com menos de 30 anos
representavam cerca de 60% da população dos países de maioria muçulmana. Uma
população mais jovem significa uma maior força de trabalho.
Há necessidade de um investimento mais alto e capital para utilizar essa
capacidade excedente. Uma grande mudança demográfica pode distorcer a política
fiscal durante décadas, como estão descobrindo os países da "geração baby
boom". Em termos sociais, o impacto em curto prazo pode ser ainda maior.
Um "inchaço jovem" introduz energia latente na economia e na
sociedade de um país. Se não for utilizada, ela pode se tornar uma força
desestabilizadora.
Em 2010, o desemprego jovem no Oriente Médio era de 25%; no norte da
África, 24%. Esses níveis são tóxicos. Quando os jovens não têm oportunidades,
tornam-se inquietos. A dependência lhes rouba sua dignidade; sem uma
participação econômica na sociedade, eles podem perder seu sentido de
pertencimento. Isso pode extravasar para a hostilidade contra o Estado. De 1970
a 2000, oito em cada dez países que experimentaram novos conflitos civis tinham
populações em que 60% tinham menos de 30 anos.
A segunda grande mudança é tecnológica. Vinte e um anos atrás, não havia
websites; hoje há mais de meio bilhão. No espaço de uma vida a Internet abriu
oportunidades que antes eram inconcebíveis.
A era da informação têm sua própria geração, os nativos digitais -
aqueles que só conheceram um mundo conectado. Eles esperam que a informação
seja grátis, que a democracia seja responsável, que a comunicação seja global.
Querem ter um papel ativo na economia digital.
Potencializados pela tecnologia, os jovens podem articular suas frustrações para um público global. Isso tem uma implicação profunda: a emergência de uma nova consciência política internacional.
Potencializados pela tecnologia, os jovens podem articular suas frustrações para um público global. Isso tem uma implicação profunda: a emergência de uma nova consciência política internacional.
Essas duas forças - demografia e tecnologia - moldam as aspirações dos
jovens. Em uma era de autodeterminação, eles anseiam por liberdade e
oportunidade. Aspiram à educação de primeiro mundo. E exigem um governo aberto
e responsável. Nosso desafio é entregar essas liberdades sem sacrificar nossas
tradições. Mas isso só é possível se mostrarmos liderança e compromisso com as
reformas.
O acesso à educação está melhorando, mas muitos jovens ainda acham que
suas qualificações não se equiparam às oportunidades disponíveis, por isso
precisamos nos concentrar no treinamento técnico e vocacional. Também devemos
continuar abrindo nossas economias: 23% da população do mundo são muçulmanos,
mas os 57 membros da Organização da Cooperação Islâmica conduzem apenas 8,3% do
comércio global. Reformas estruturais devem ser adotadas para que nossos
setores privados se tornem mais dinâmicos. Devemos reformar os serviços
públicos e confrontar instituições que sufocam oportunidades, permanecendo
sempre vigilantes contra a corrupção.
Também devemos reagir à mudança tecnológica. Nosso ponto de partida deve
ser o reconhecimento do princípio fundamental da Internet - sua autonomia. Ela
deve permanecer assim. Isso não significa um comportamento desregulado, mas
independência. Devemos equipar nossos jovens com as técnicas para pensar
criticamente sobre as fontes, compreender que só porque a informação é grátis
não significa que seja precisa. Mas o espaço online deve permanecer um em que o
livre intercâmbio de opiniões é encorajado, nas melhores tradições do discurso.
Como nação muçulmana, a Malásia enfrenta muitos desses desafios.
Acredito que devemos ver nossos jovens não como uma obrigação, mas como um
ativo. Eles são um recurso inaproveitado que pode depositar as bases para um
grande sucesso. A reforma econômica e política pode dar aos jovens o que eles
desejam: um futuro definido por oportunidade, e não dependência. Está na hora
de realizar a riqueza oculta das nações muçulmanas.
*Najib Razak é primeiro-ministro da Malásia.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2012/12/15/jovens-dos-paises-arabes-ainda-clamam-por-democracia.htm
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