Radio Evangélica

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A legalização da maconha ganha terreno na opinião pública dos Estados Unidos



EL PAÍS
Eva Saiz
Os cidadãos dos Estados de Colorado e Washington votaram em 6 de novembro a favor de legalizar o consumo, a produção e a venda de maconha para maiores de 21 anos, para fins recreativos. A decisão foi recebida com entusiasmo pelos grupos defensores da descriminalização, que consideram a histórica decisão como um ponto de ruptura na atual estratégia do combate às drogas.
Entretanto, ainda é arriscado celebrar a vitória absoluta dessas iniciativas, que ainda estão dando os primeiros passos em um caminho para a legalização total que se prevê longo e difícil.
A maconha continua sendo uma substância proibida, de acordo com a lei federal, que a inclui no mesmo grupo que o LSD ou a heroína. No papel, as leis de Colorado e Washington colidiram com a legislação vigente e poderiam provocar um conflito sobre os direitos dos Estados de legislar nesse âmbito e a estratégia de proibição das drogas defendida pelo governo. Os legisladores dos dois Estados, além disso, enfrentam o desafio de controlar a aquisição de cannabis por cidadãos de territórios vizinhos e de impedir que as novas disposições favoreçam a lavagem de dinheiro procedente da venda ilícita do produto.
Embora difiram em alguns aspectos, as leis de Colorado e Washington descriminalizam a posse de até 1 onça (28 gramas) de maconha por maiores de 21 anos e regulam a licença, a venda, o cultivo, a produção e a tributação sobre o produto. A primeira parte das normas, que cuida da legalização da posse, entrou em vigor em 6 de dezembro em Washington e o fará em 5 de janeiro de 2013 no Colorado. Essas disposições são as que, a priori, geraram menos conflito com o governo federal.
"Os Estados não são obrigados a criminalizar uma atividade só porque o governo federal o faz", adverte em conversa por telefone Daniel Robelo, membro da Drug Policy Alliance, uma organização que contribuiu economicamente nas campanhas a favor da legalização em Colorado e Washington.
"A posse de uma onça de maconha continuará sendo ilegal conforme a legislação federal, mas não segundo a estatal, de modo que as autoridades de Colorado e Washington não são obrigadas a processar esses delitos", explica Jonathan Caoulkins, especialista em políticas antidrogas da Universidade Carnegie Mellon. "Sim, podem fazê-lo as diversas agências federais ou o Departamento de Justiça. A questão é se têm recursos e se vale a pena destinar agentes para esses crimes menores", afirma.
A segunda parte da lei, que aborda a regulamentação da produção e a distribuição de maconha, poderia se transformar em uma fonte de conflito entre o governo central e os governos estaduais. Colorado e Washington têm prazo até 1º de janeiro de 2014 para desenvolver os dispositivos relacionados à venda, tributação e licenças para dispensá-la. Até então, a comercialização da cannabis se moverá em um incômodo limbo legal. A falta de definição sobre a política que vão adotar as diversas agências federais e o ministro da Justiça, Eric Holder, está gerando incerteza entre os legisladores de Colorado e Washington.
"É claro que qualquer Estado que autorize a venda de maconha está violando a lei federal", explica em um e-mail Kevin Sabet, antigo assessor de Barack Obama no combate às drogas e diretor do Instituto de Políticas sobre Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida. Depois da aprovação dos referendos em 6 de novembro passado, o Departamento de Justiça e a  DEA (Agência Antidrogas) emitiram um lacônico comunicado no qual se limitavam a lembrar que a lei federal não havia mudado e que a maconha continuava sendo uma substância proibida, mas que "esperariam para ver como cada um dos Estados desenvolve suas leis".
Uma posição que contrasta com a que Holder manteve há dois anos, quando a Califórnia se dispôs a aprovar um referendo semelhante. Então o ministro advertiu taxativamente que não permitiria uma lei que legalizasse a maconha. Alguns querem ver nessa mudança de atitude uma virada do governo Obama em sua política sobre a Cannabis, paralela à mudança de parecer da opinião pública, muito mais favorável à legalização hoje que há dois anos.
Outros, entretanto, consideram que por trás dessa posição está um interesse eleitoral. "Colorado era um Estado chave e o silêncio do ministro da Justiça tinha um objetivo político destinado a não colocar contra o presidente o eleitorado jovem, muito inclinado à legalização", explica por telefone Brian Vicente, advogado e assessor na redação da lei que foi aprovada no Colorado em 6 de novembro. "Mas é verdade que o governo Obama relaxou sua política sobre o controle da cannabis, como no caso da maconha para consumo medicinal", admite.
O governo federal ainda não se pronunciou sobre que medidas estaria disposto a adotar quando entrar em vigor a regulamentação da venda, licenças e produção. "Estou convencido de que o governo se manterá firme e enviará cartas aos Estados advertindo sobre as possíveis consequências - requerimentos judiciais, demandas, ordens para que cumpram a legalidade - por violar a lei federal", afirma Sabet.
Embora seja verdade que o governo Obama está facultado a adotar qualquer das opções indicadas por Sabet, muitos duvidam de que vá colocá-las em prática com base na atitude que o governo federal adotou com relação à venda e ao uso da maconha medicinal - legal em 18 Estados mais o Distrito de Columbia - nos últimos quatro anos.
"O Departamento de Justiça optou por se manter à margem e não processar os usuários nem os proprietários das lojas de maconha medicinal que vendem o produto em pequena escala e de acordo com as legislações estaduais. Só nos últimos meses aumentaram as batidas contra grandes estabelecimentos que proporcionam esse tipo de erva", explica em conversa por telefone Robert Mikos, professor de direito na Universidade Vanderbilt e especialista na legislação sobre a maconha. É exatamente essa atitude do governo Obama que deixa otimistas muitos dos especialistas sobre seu convencimento de que o governo federal não se oporá à venda.
"Creio que o efetivo seria analisar aqueles aspectos em que as leis de Colorado e Washington poderiam coexistir, em vez de se concentrar naquilo em que possam ser incompatíveis", indica Nicole Flatow, membro do Centro para o Progresso Americano. "Nesse sentido seria bom que as duas partes conversassem."
Depois da aprovação dos referendos, Holder manteve encontros com os legisladores de ambos os Estados, mas não transcendeu nada do que foi tratado neles. Para muitos seria importante conhecer qual será a estratégia que a Casa Branca pretende seguir para poder atuar consequentemente. "Os efeitos e o alcance das respectivas leis serão muito diferentes em função do que a DEA e o Departamento de Justiça decidirem fazer", adverte Flatow.
Colorado e Washington se transformaram em um laboratório, uma bancada de testes que servirá para comprovar se a regulamentação da maconha de maneira semelhante à do tabaco pode ser uma alternativa eficaz na luta contra as drogas, como ocorreu com a legalização do álcool no primeiro terço do século 20. O que acontecer ali será olhado com lupa, não só pelos demais Estados, que estão pensando em desenvolver iniciativas semelhantes, como também em outros países, especialmente da América latina.
Nos próximos meses se comprovará se a legalização consegue reduzir o mercado negro, a violência e as detenções e processos por posse de maconha, como defendem os que advogam a descriminalização, ou se unicamente provoca uma diminuição dos preços e um aumento do consumo.
"Lamentavelmente, não temos exemplos do que poderá acontecer", indica Mark Kleiman, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e coautor do livro "Legalização da Maconha: O que todo mundo deve saber". "Obviamente, o consumo crescerá, porque é claro que o valor no mercado baixará, a questão é quanto mais", afirma Kleiman.
Os preços já diminuíram quando começou a ser legalizado o uso da maconha medicinal. Hoje o preço da onça beira os US$ 250 e há alguns anos estava em US$ 400. Entretanto, muitos advertem que a atual legislação contra a droga não impediu que os preços diminuam. "Além do consumo, há muitas vantagens derivadas da legalização: menos prisões e mais liberdade", defende Robelo, da Drug Policy Alliance.
Há outras questões que preocupam mais os legisladores. "As normas de Colorado e Washington deverão prestar atenção em impedir que cidadãos de outros Estados ou países procurem esses territórios e façam estoques de maconha para revendê-la em suas cidades de origem ou evitar que a concessão de licenças atue como chamada para que os traficantes obtenham autorização e abram lojas que sirvam de fachada para suas atividades ilegais ou para lavar dinheiro da droga", adverte Caoulkins.
Desde 6 de novembro, o Estado de Washington deixou de processar centenas de casos sobre faltas relacionadas à posse de quantidades menores de maconha, e sua polícia local decidiu não apresentar acusações contra os maiores de 21 anos pela posse de cannabis em pequena escala. Em 21 de novembro o chefe da polícia de Aurora, no Colorado, enviou para seus agentes uma mensagem eletrônica na qual anunciava que o promotor da localidade deixaria de processar de maneira imediata os maiores de 21 anos por crimes de posse de maconha, uma medida que foi seguida pelas autoridades de outros distritos desse território.
Colorado e Washington são os primeiros Estados a legalizar a maconha, mas o movimento para a descriminalização da posse remonta aos anos 1970. Então, o governo Carter entendeu que punir o consumo de maconha era mais prejudicial para os cidadãos que a própria planta e pediu que o Congresso votasse a descriminalização da posse de pequenas quantidades, além de sugerir que os Estados pudessem legalizá-la se o desejassem. Ronald Reagan cortou o que parecia o processo inevitável para a legalização quando qualificou a cannabis como "a droga mais perigosa dos EUA". A campanha conduzida por sua esposa, "Simplesmente diga não", mergulhou os grupos pró-legalização em uma relativa impopularidade.
Quarenta anos depois, a situação variou consideravelmente. Segundo as últimas pesquisas publicadas por Gallup e pela Universidade Quinnipac em outubro e dezembro, respectivamente, mais de 50% dos americanos são a favor da legalização. Em 1969, só 13% a aprovavam. O debate sobre a regulamentação da posse e venda de maconha chegou até a mídia. "The Washington Post" e "The Oregonian" publicaram editoriais a favor da legalização; a revista do "The New York Times" escolheu como foto de capa há algumas semanas a de um "baseado" para ilustrar a história da crescente indústria da cannabis no condado de Humboldt (Califórnia), cuja universidade acaba de inaugurar o Instituto para Pesquisa Interdisciplinar da Maconha.
Esses sintomas, unidos à intenção dos Estados de Rhode Island e Maine de aprovar leis semelhantes às do Colorado e Washington em 2013 - uma iniciativa que Vermont, Massachusetts, Califórnia e Oregon poderiam incorporar às cédulas eleitorais das próximas eleições legislativas - parecem aplanar o terreno para uma legalização plena e generalizada dentro de uma década. "Ainda é preciso esperar para ver como se desenvolvem as coisas. Não me atreveria a aventurar que seja em dez anos, se nos ativermos à evolução no caso da maconha medicinal, no qual desde que a Califórnia legalizou seu consumo em 1996 se pode dizer que avançamos a uma média de um Estado por ano. O avanço parece lento, mas o fato é que é algo incontível", afirma Mikos. "Se há mudanças na legalização, o último a mudar de opinião será o Estado federal", lamenta Caoulkins.
Além das incertezas que possa colocar o desenvolvimento de suas respectivas leis ou a incógnita sobre a posição do governo Obama, os referendos de Colorado e Washington estão marcando o caminho para a legalização da maconha sem restrições, além do uso terapêutico. Os legisladores dos dois Estados estão conscientes disso e, segundo indica o advogado Brian Vicente, se esforçam para redigir uma norma "que sirva de exemplo de que a descriminalização da cannabis não é um problema, mas uma solução".

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2012/12/12/a-legalizacao-da-maconha-ganha-terreno-na-opiniao-publica-dos-eua.htm

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