Sardenberg: De como os bancos e outros órgãos oficiais não fazem
propaganda de produtos — mas do governo. E com nosso dinheiro
"A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobrás, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo"
"A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobrás, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo"
ENGANA QUE A GENTE PAGA
Coisa de 200 anos atrás,
jornalistas do Times de Londres já utilizavam um critério original para saber o
que deviam ou não apurar e publicar. “Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém
não quer ver publicado; o resto é propaganda”.
Desse ponto de vista, tudo que
o governo fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e
marketing. Claro, não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de
ver publicado com o devido destaque.
No Brasil de hoje, isso faz
muito sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em
volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da
Caixa.
Tem financiamento barato para
todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou
abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo:
não tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos,
ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil.
"(No Banco do Brasil e na
Caixa a propaganda passa a ideia de que) tem financiamento barato para todo
mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou abriu
seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo: não
tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos, ou
desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil"
Pode-se dizer que aqueles
bancos estão no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas
não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobrás, outras
estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal
propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do
governo.
Regra do jogo, pode-se
argumentar. Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro
anunciante, diz o que quer e ninguém é obrigado a acreditar.
Sabemos que não é bem assim.
Nem precisa argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público, mesmo
no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa.
Eles não funcionam como os
privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de
capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o
governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.
Necessariamente, portanto,
deveriam agir de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo
governo, têm — deveriam ter — compromisso com a informação correta.
O que nos leva ao outro lado da
história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso
com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil
definir e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema,
de regulação.
E se isso vale para empresas
privadas, por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições?
Na verdade, a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem
também a obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.
Isso é especialmente importante
no caso da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia,
precisa dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o
que está fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da
situação e esclarecer o cenário com o qual trabalha.
Há rituais definidos para isso,
aqui no Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco
Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país
organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários
do governos para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários, etc.
Por isso, quando o nosso
Ministério da Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já
viu que não vai dar, isso é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem quando o
Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu em 6,5%,
dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre meta,
centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber se o
objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou qualquer coisa
abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do que isso, como
ocorreu recentemente.
Do mesmo modo, é uma informação
enganosa quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem
truques. Nestes casos, a informação do governo causa menos danos porque todo
mundo já sabe que o cenário oficial não vai se realizar. Vale para todos os
anúncios do setor público, federal, estadual e municipal, que simplesmente
afirmam que tudo vai maravilhosamente bem.
Mas isso desmoraliza a
informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é assim mesmo: o governo
mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que nós, cidadãos e
contribuintes, fazemos o papel de trouxa. Nós pagamos pela farsa
(Carlos Alberto Sardenberg) -
01/11/2012 - 16:00 - Política & Cia
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