O governo de Diocleciano (284–305 d.C.) representa um dos
momentos mais decisivos da história romana. Após décadas de instabilidade
política, econômica e militar conhecidas como a
Crise do Terceiro Século,
o império estava à beira do colapso. Foi nesse cenário que Diocleciano ascendeu
ao poder, não apenas como mais um imperador, mas como um
reformador profundo,
capaz de reorganizar as estruturas do Estado e de lançar as bases para uma nova
era: o
Dominato, ou Baixo Império Romano.
Seu governo encerrou um período de caos e fragmentação, mas
ao custo da criação de um regime mais autocrático e burocrático, no qual
o imperador tornou-se um senhor absoluto (dominus), e não mais o “primeiro
cidadão” (princeps).
A Instituição da Tetrarquia
A medida mais notável de Diocleciano foi a criação da Tetrarquia,
um sistema político que dividia o poder imperial entre quatro governantes. O
objetivo era enfrentar dois problemas crônicos: a vastidão do território romano
e as ameaças constantes nas fronteiras.
Em 286, Diocleciano nomeou Maximiano como
co-imperador, concedendo-lhe o título de Augusto e o controle do Ocidente,
enquanto mantinha para si o Oriente. Em 293, o sistema foi ampliado: cada
Augusto passou a ter um César, ou seja, um sucessor designado. Assim,
Diocleciano escolheu Galério, e Maximiano, Constâncio Cloro.
O modelo estabeleceu quatro centros de poder,
garantindo respostas mais rápidas a invasões e rebeliões, além de tentar
resolver o problema da sucessão imperial. Embora tenha funcionado bem enquanto
Diocleciano estava vivo, o sistema acabou ruindo após sua abdicação, revelando
o quanto sua autoridade pessoal era o verdadeiro eixo da estabilidade.
Reformas Administrativas e Econômicas
A reorganização do império não se limitou à política.
Diocleciano promoveu mudanças estruturais na administração e nas finanças
públicas, com o objetivo de sustentar o exército e a máquina estatal.
- Reorganização
Provincial
As antigas províncias foram subdivididas em unidades menores e agrupadas
em doze dioceses, administradas por vigários. Isso enfraqueceu
governadores locais, reduzindo o risco de revoltas, e tornou a cobrança de
impostos mais eficiente.
- Reforma
Fiscal
O sistema capitatio-iugatio combinava tributos sobre a terra
(iugum) e sobre o trabalho (caput). Essa inovação buscava criar um modelo
mais justo e previsível de arrecadação, essencial para manter o exército e
o funcionalismo.
- Reforma
Monetária e o Édito Máximo
Para conter a inflação, Diocleciano introduziu novas moedas, como o argenteus
(de prata) e o follis (de bronze). Em 301, promulgou o famoso Édito
sobre os Preços Máximos, que fixava valores para mais de mil produtos
e serviços. A tentativa fracassou, pois muitos comerciantes deixaram de
vender, impulsionando o mercado negro. Mesmo assim, a medida revela o
esforço do imperador em restaurar a economia e o controle estatal.
Reformas Militares
A segurança do império foi uma das maiores preocupações de
Diocleciano. Ele ampliou e reorganizou o exército, criando uma estrutura de
defesa em profundidade, composta por dois grupos principais:
- Limitanei:
soldados fixos nas fronteiras (limes), encarregados de retardar
invasões e proteger vilas e rotas comerciais.
- Comitatenses:
tropas móveis e de elite, localizadas no interior do império, prontas para
agir rapidamente onde a ameaça fosse maior.
Essas reformas garantiram maior flexibilidade militar e
foram fundamentais para a sobrevivência do império nas décadas seguintes.
A Grande Perseguição aos Cristãos
O episódio mais sombrio de seu governo foi a chamada Grande
Perseguição (303–311 d.C.). Diocleciano acreditava que a unidade do império
dependia da fidelidade aos deuses tradicionais e à figura divina do imperador.
Assim, considerava o cristianismo, com seu monoteísmo intransigente, uma ameaça
à ordem pública.
Foram emitidos éditos que ordenavam a destruição de igrejas,
a queima das Escrituras e a prisão do clero. A repressão foi intensa,
especialmente no Oriente, mas falhou em erradicar a fé cristã — que,
ironicamente, sairia fortalecida e se tornaria a religião oficial do império
poucas décadas depois.
Abdicação e Legado
Em um gesto inédito na história romana, Diocleciano abdicou
voluntariamente do poder em 1º de maio de 305, obrigando Maximiano a fazer
o mesmo. Retirou-se para seu majestoso palácio em Spalatum (atual Split,
na Croácia), onde viveu até sua morte.
Seu legado é duplo e contraditório.
Por um lado, salvou o Império Romano do colapso, restaurando a ordem e
criando bases duradouras para o Império Bizantino. Por outro, instituiu um
regime autoritário e pesado, em que a burocracia e os impostos sufocavam os
cidadãos.
Diocleciano foi, portanto, tanto o salvador quanto o recriador
de Roma — o homem que transformou o império em uma nova entidade política, mais
estável, mas também mais distante do ideal republicano de seus antepassados.
Para saber mais
Referências Bibliográficas
BARNES, Timothy D. The New Empire of Diocletian and
Constantine. Harvard University Press, 1982.
CORCORAN, Simon. The Empire of the Tetrarchs: Imperial Pronouncements and
Government, AD 284-324. Oxford: Clarendon Press, 2000.
POTTER, David S. The Roman Empire at Bay, AD 180-395. London: Routledge,
2014.
SOUTHERN, Pat. The Roman Empire from Severus to Constantine. London:
Routledge, 2001.
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