O Mito de Osíris: Traição, Morte e Ressurreição
A história de Osíris é uma epopeia de ordem, caos, amor e
redenção, que formou a base para muitas das práticas funerárias e crenças sobre
a imortalidade.
O Reinado Justo e a Inveja Fraterna
Osíris, filho primogênito de Geb (deus da terra) e Nut
(deusa do céu), herdou o trono do Egito e governou com sabedoria e
benevolência. Ao lado de sua irmã e esposa, a poderosa deusa Ísis, ele ensinou
aos humanos a agricultura, as leis, a adoração aos deuses e a civilização. Seu
reinado foi uma era de ouro, marcada pela paz e prosperidade.
Contudo, seu sucesso despertou uma inveja mortal em seu
irmão, Set, o deus do caos, das tempestades e do deserto. Determinado a usurpar
o trono, Set elaborou um plano ardiloso.
A Traição e o Assassinato
Durante um grandioso banquete, Set apresentou um magnífico
sarcófago, prometendo presenteá-lo a quem coubesse perfeitamente dentro dele. A
caixa havia sido secretamente construída sob as medidas exatas de Osíris. Um a
um, os convidados tentaram, sem sucesso. Quando chegou a vez de Osíris, ele se
deitou no sarcófago e coube perfeitamente. Imediatamente, Set e seus cúmplices
fecharam a tampa, selaram-na com chumbo derretido e a atiraram no rio Nilo. O
caixão flutuou até o mar e acabou encalhado na cidade de Biblos (na atual
Fenícia), onde uma árvore de tamarisco cresceu ao seu redor.
A Busca de Ísis e a Primeira Ressurreição
Desolada, Ísis partiu em uma busca incansável pelo marido.
Após muitas provações, ela encontrou o sarcófago dentro do pilar do palácio do
rei de Biblos. Ela o trouxe de volta ao Egito e, usando seus vastos poderes
mágicos, conseguiu reanimar Osíris por tempo suficiente para conceber um
herdeiro: Hórus.
No entanto, a tragédia ainda não havia terminado. Set,
durante uma caçada noturna, descobriu o corpo de Osíris. Em um acesso de fúria,
ele o desmembrou em quatorze pedaços e os espalhou por todo o Egito,
acreditando que assim impediria para sempre sua ressurreição.
A Recomposição e o Renascimento no Além
Sem se dar por vencida, Ísis, auxiliada por sua irmã Néftis,
percorreu novamente o Egito, reunindo cada parte do corpo de Osíris (com
exceção do falo, que fora comido por um peixe). Com a ajuda de Anúbis, o deus
da mumificação, e de Toth, o deus da sabedoria, as partes foram reunidas. Ísis
realizou os ritos de embalsamamento, criando a primeira múmia. Seus feitiços
poderosos foram capazes de restituir a vida a Osíris, mas não no mundo dos
vivos. Ele renasceu como o soberano do Duat, o submundo egípcio.
O Juiz dos Mortos e o Senhor do Duat
Após sua ressurreição, Osíris assumiu seu papel mais
duradouro: o de juiz supremo das almas. No Salão das Duas Verdades, ocorria a
cerimônia da "Pesagem do Coração" (Psicostasia). O coração do
falecido era colocado em um prato de uma balança, e no outro, a pena de Ma'at,
a deusa da verdade e da justiça.
- Se o
coração fosse mais leve ou igual à pena, significava que o indivíduo
levara uma vida virtuosa. A alma era considerada "justificada" (maa-kheru)
e Osíris lhe concedia a vida eterna nos campos de Aaru, uma versão
paradisíaca do Egito.
- Se o
coração pesasse mais que a pena, ele era devorado por Ammit, uma criatura
demoníaca com partes de crocodilo, leão e hipopótamo. Isso significava a
"segunda morte", o fim definitivo da existência da alma.
Principais Símbolos Associados a Osíris
A iconografia de Osíris é rica em simbolismo, refletindo
seus múltiplos papéis.
- A
Coroa Atef: Uma coroa branca alta (símbolo do Alto Egito) adornada com
duas plumas de avestruz, representando a verdade e a justiça.
- Pele
Verde ou Negra: A cor verde simboliza a vegetação e o renascimento,
enquanto a negra remete à fertilidade do lodo do Nilo e ao mundo dos
mortos.
- Forma
Mumificada: Seu corpo envolto em bandagens representa sua morte e
ressurreição, sendo o protótipo da múmia e do processo necessário para a
vida após a morte.
- Cajado
(Heka) e Mangual (Nekhakha): Insígnias da realeza, simbolizando seu
papel como rei e pastor de seu povo.
- Pilar
Djed: Um símbolo de estabilidade e durabilidade, frequentemente
associado à sua coluna vertebral, representando a força e a permanência de
seu reino.
Conclusão: O Legado de Esperança
Osíris não era apenas um deus; ele era a personificação da
esperança egípcia na eternidade. Seu mito explicava o ciclo da natureza,
validava a autoridade faraônica (cada faraó era visto como uma encarnação de
Hórus, o herdeiro de Osíris) e, mais importante, oferecia a promessa de que a
morte não era o fim, mas uma transição para um julgamento justo e uma potencial
vida eterna. Ele representava a vitória da ordem sobre o caos, da vida sobre a
morte, e seu culto permaneceu como um dos pilares da civilização egípcia por
milênios.
Referências Bibliográficas
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Egyptian Book of the Dead: The Papyrus of Ani in the British Museum. Dover
Publications, 1967.
HART, George. The Routledge
Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. Routledge, 2005.
PINCH, Geraldine. Egyptian
Mythology: A Guide to the Gods, Goddesses, and Traditions of Ancient Egypt.
Oxford University Press, 2004.
SHAW, Ian. The Oxford History
of Ancient Egypt. Oxford University Press, 2003.
WILKINSON, Richard H. The
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